Post publicado no Facebook, no mural de Eduardo Rego - 27 Outubro 2015
(https://www.facebook.com/eduardo.rego.52)
Quero fazer um comentário ao seu comentário ao meu comentário a um post do Jorge Buescu e sei que posso confiar na sua abertura para esta discussão. Quando fala da "forma demasiado assertiva, cheia de certezas, que algumas pessoas não especialistas exibem" quando falam sobre economia ou direito (ou outro assunto qualquer) conhecendo muito pouco da matéria em causa, e se depreende a sua incomodidade ou irritação por esse facto, todos sabemos de que fala. Pode de facto ser muito irritante ouvir alguém que tem apenas um conhecimento superficial de um assunto pretender apresentar-se como um profundo conhecedor.
Mas gostaria de fazer algumas observações sobre este ponto:
1- Penso que essa situação é rara. Receio que o que aconteça com frequência, é que, ao ouvirmos alguém falar em público sobre uma questão qualquer e exprimir a sua opinião (sobre a constitucionalidade da formação deste ou daquele governo, por exemplo), consideramos, de forma apressada, que essa pessoa pretende “armar em especialista” quando está apenas a exprimir uma opinião como cidadão ou como comentador generalista. Todos, leigos e especialistas, têm direito a ter, exprimir e defender a sua opinião e fazê-lo, mesmo de forma demasiado assertiva, não significa pretender assumir um estatuto que não se possui. A opinião de uma pessoa leiga, sensata e com um conhecimento superficial da Constituição (para prosseguir com o exemplo que escolhi), não é menos válida que a de um constitucionalista para o debate público - para nos ajudar a considerar várias possibilidades e pensar sobre elas como cidadãos. Digo acima que “receio” porque, implícito naquele julgamento, que fazemos com frequência, está a ideia de que apenas os especialistas devem comentar certos assuntos. Assim, ao ouvirmos um jornalista ou um empresário falar sobre a Constituição, podemos dizer, com demasiada leviandade, que está a “armar em especialista” quando está apenas a fazer o que, como cidadão e como profissional, lhe compete.
Dito de outra forma: acho que estamos, como sociedade, pouco habituados ao exercício da cidadania e ainda achamos demasiado estranho o facto de um simples cidadão, não -especialista, comentar um assunto da esfera social/política/jurídica/económica. Temos dificuldade para lhe reconhecer idoneidade para o fazer, como simples cidadão. No entanto, não existem peritos em cidadania que tenham, sobre esta questão, maior autoridade que todas as outras pessoas.
2 - É verdade que há não-especialistas que falam de "forma demasiado assertiva, cheia de certezas" e que isso pode ser irritante. Mas a mesma coisa acontece, exactamente nos mesmos termos, com os especialistas. Penso que isso acontece até com muito mais frequência entre os especialistas do que entre os não-especialistas e que isso é, não só mais frequente, mas muito mais perigoso. Pode dizer-se “Ah… mas os especialistas têm autoridade para o fazer, porque eles conhecem o assunto de que falam”. Se estivermos a referir-nos a factos sobre genética ou sobre sismos, isso pode ser verdade. Mas certamente que não é (ou apenas raramente o é) quando se fala de política económica ou da interpretação das leis, para prosseguir com o mesmo exemplo.
Penso mesmo que um dos maiores problemas políticos actuais (e, secundariamente, um sério problema de ética científica) é o facto de termos a paisagem mediática invadida por especialistas, técnicos, investigadores, professores, pessoas academicamente certificadas como peritos mas na realidade alinhadas com os poderes que, abusando da sua posição de especialistas e apresentando-se sob a pele de sábios independentes, confundem propositadamente factos com opinião e defendem posições sectárias, por vezes profundamente polémicas e ideológicamente extremas, apresentando-as como “factos científicos” indiscutíveis e consensuais e sustentando assim a famosa TINA.
Basta ouvir um painel de politólogos para perceber do que estou a falar.
Penso que é muito mais pernicioso para a sociedade que o especialista “se arme em especialista” para servir interesses particulares que não revela ou para defender a posição de uma facção política do que que o sindicalista “se arme” em constitucionalista para servir uma posição que é publicamente assumida e que todos sabemos qual é.
3 - As questões de economia ou de direito (ou de defesa, ou de ordenamento do território ou…) têm, evidentemente, um enorme conteúdo técnico, mas são essencialmente questões políticas, de cidadania, que todos devemos discutir e temos capacidade para discutir. Os especialistas de todas essas áreas tem uma responsabilidade maior nessa discussão, deveres mais exigentes, porque devem fornecer toda a informação possível à sociedade (e “informação” inclui dar a conhecer as diferentes opiniões e os debates em curso) mas não possuem nenhum direito particular. As decisões sobre todas estas questões são de ordem política e, para definir o tipo de sociedade que queremos, todos somos especialistas, em pé de igualdade.
quarta-feira, outubro 28, 2015
terça-feira, outubro 27, 2015
Fernando Negrão (Post no Facebook a 24 de Outubro de 2015)
"Se me perguntar a minha opinião, eu direi que os partidos que são contra a integração na União Europeia, os partidos que são contra a moeda única, os partidos que são contra as alianças militares como a NATO não devem integrar um governo na União Europeia".
As palavras são de Fernando Negrão, candidato apresentado pelo PSD e CDS à presidência da Assembleia da República, ontem felizmente derrotado, e foram proferidas ontem, diante das câmaras de televisão.
Se considerarmos que Negrão é um verdadeiro jurista (não daqueles que fez Direito apenas para facilitar o tráfico de influências e ganhar dinheiro em negócios escuros), um juiz de direito e uma pessoa geralmente considerada como um democrata e uma pessoa de bom senso, podemos apreciar bem o nível de desnorte, de fúria revanchista e de radicalismo anti-democrático que invadiu as fileiras do PSD.
O que Cavaco nunca soube mas aparentemente até um deputado até aqui legalista e institucionalista como Negrão esqueceu é que quem “não deve” integrar um governo não são as forças que defendem ou criticam esta ou aquela política, mas sim e apenas as forças que não possuam apoio parlamentar suficiente. São apenas essas as forças que “não devem” estar no Governo. Ser contra a moeda única, o euro ou a NATO não é proibido e não é um crime. É apenas uma opinião e não existem em Portugal crimes de opinião. Negrão e todo o PSD e todo o CDS podem ter uma opinião diferente, mas isso não torna a sua opinião mais correcta e certamente não a torna mais respeitável. Negrão pode dizer que não gosta, pode dar argumentos para justificar por que razão não gosta, mas não pode dizer, em abstracto, que algumas forças “não devem” integrar o Governo para mais quando, em concreto, essas forças até possuem todos os requisitos políticos e constitucionais para o fazer e tudo, na política e na Constituição, diz que “devem”. Não há, nos programas dessas forças políticas com quem Negrão não simpatiza, nada que esteja em choque com a Constituição – como aliás o Tribunal Constitucional tem de garantir.
O que lamentavelmente Negrão deixou de perceber é que o único dever que existe em relação a quem deve ou não deve integrar o Governo é o dever de respeitar a Constituição e a vontade do povo expressa nas eleições, que se traduz na composição do Parlamento. É lamentável que um deputado como Negrão considere que o seu “achómetro” se deve sobrepor à soberania da Assembleia da República.
A decisão sobre quem deve ou não deve estar no Governo pertence ao povo. Isto, pelo menos por enquanto, enquanto o PSD, o CDS e Cavaco não conseguirem lançar o país numa guerra civil para instaurar um regime autoritário sem máscaras, como é cada vez mais claro que sonham fazer.
As palavras são de Fernando Negrão, candidato apresentado pelo PSD e CDS à presidência da Assembleia da República, ontem felizmente derrotado, e foram proferidas ontem, diante das câmaras de televisão.
Se considerarmos que Negrão é um verdadeiro jurista (não daqueles que fez Direito apenas para facilitar o tráfico de influências e ganhar dinheiro em negócios escuros), um juiz de direito e uma pessoa geralmente considerada como um democrata e uma pessoa de bom senso, podemos apreciar bem o nível de desnorte, de fúria revanchista e de radicalismo anti-democrático que invadiu as fileiras do PSD.
O que Cavaco nunca soube mas aparentemente até um deputado até aqui legalista e institucionalista como Negrão esqueceu é que quem “não deve” integrar um governo não são as forças que defendem ou criticam esta ou aquela política, mas sim e apenas as forças que não possuam apoio parlamentar suficiente. São apenas essas as forças que “não devem” estar no Governo. Ser contra a moeda única, o euro ou a NATO não é proibido e não é um crime. É apenas uma opinião e não existem em Portugal crimes de opinião. Negrão e todo o PSD e todo o CDS podem ter uma opinião diferente, mas isso não torna a sua opinião mais correcta e certamente não a torna mais respeitável. Negrão pode dizer que não gosta, pode dar argumentos para justificar por que razão não gosta, mas não pode dizer, em abstracto, que algumas forças “não devem” integrar o Governo para mais quando, em concreto, essas forças até possuem todos os requisitos políticos e constitucionais para o fazer e tudo, na política e na Constituição, diz que “devem”. Não há, nos programas dessas forças políticas com quem Negrão não simpatiza, nada que esteja em choque com a Constituição – como aliás o Tribunal Constitucional tem de garantir.
O que lamentavelmente Negrão deixou de perceber é que o único dever que existe em relação a quem deve ou não deve integrar o Governo é o dever de respeitar a Constituição e a vontade do povo expressa nas eleições, que se traduz na composição do Parlamento. É lamentável que um deputado como Negrão considere que o seu “achómetro” se deve sobrepor à soberania da Assembleia da República.
A decisão sobre quem deve ou não deve estar no Governo pertence ao povo. Isto, pelo menos por enquanto, enquanto o PSD, o CDS e Cavaco não conseguirem lançar o país numa guerra civil para instaurar um regime autoritário sem máscaras, como é cada vez mais claro que sonham fazer.
Cavaco, Boliqueime e a PIDE (Post no Facebook - 27 Outubro 2015)
Há uns anos, depois de não sei que mesquinhez de Cavaco, Marcelo Rebelo de Sousa terá feito o seguinte comentário assassino: "Pois... pode tirar-se o homem de Boliqueime, mas não se pode tirar Boliqueime do homem!"
Houve quem tivesse visto no comentário uma reacção classista do eixo Cascais-Lisboa contra um homem oriundo de classes modestas. Mas a verdade é que nunca ninguém se lembraria de dizer que "não se consegue tirar a Azinhaga do Ribatejo de José Saramago" ou "não se consegue tirar Loulé de António Aleixo" com o mesmo sentido. Não há naturalmente nada contra Boliqueime (que poderia até ter ficado no homem com geniais resultados, como Sernancelhe ficou em Aquilino Ribeiro) mas algo que tem a ver com a mesquinhez de terra pequena, com os pequenos ódios e pequenas rivalidades e bisbilhotices de aldeia, com a vontade de "ser alguém" acima dos outros, de ganhar uma respeitabilidade que se acha que não se tem ou que não se sente reconhecida, com a vontade revanchista de, um dia, mostrar a todos os outros do que se é capaz e poder enfim humilhá-los, que ficou em Cavaco e em torno do qual a sua vida se construiu.
Mas Cavaco não é só de Boliqueime e não é só Boliqueime que não se consegue tirar do homem. É a PIDE que não se consegue tirar do homem.
Houve quem tivesse visto no comentário uma reacção classista do eixo Cascais-Lisboa contra um homem oriundo de classes modestas. Mas a verdade é que nunca ninguém se lembraria de dizer que "não se consegue tirar a Azinhaga do Ribatejo de José Saramago" ou "não se consegue tirar Loulé de António Aleixo" com o mesmo sentido. Não há naturalmente nada contra Boliqueime (que poderia até ter ficado no homem com geniais resultados, como Sernancelhe ficou em Aquilino Ribeiro) mas algo que tem a ver com a mesquinhez de terra pequena, com os pequenos ódios e pequenas rivalidades e bisbilhotices de aldeia, com a vontade de "ser alguém" acima dos outros, de ganhar uma respeitabilidade que se acha que não se tem ou que não se sente reconhecida, com a vontade revanchista de, um dia, mostrar a todos os outros do que se é capaz e poder enfim humilhá-los, que ficou em Cavaco e em torno do qual a sua vida se construiu.
Mas Cavaco não é só de Boliqueime e não é só Boliqueime que não se consegue tirar do homem. É a PIDE que não se consegue tirar do homem.
Comentário publicado no Facebook 27 Outubro 2015 a um post de Jorge Buescu
Comentário publicado no Facebook, na timeline de Jorge Buescu (https://www.facebook.com/jorge.buescu), em resposta a um seu post de 27 Outubro 2015.
Post de Jorge Buescu: “Em Portugal não vale a pena estudar Economia nem Direito. Em 2011-2013 descobri que todos os utilizadores portugueses do Fb eram afinal especialistas ocultos em Economia. A quantidade de comentários definitivos sobre dívida, défice, crescimento, austeridade e respectiva convicção de argumentação convenceram-me de que todos sabem tudo sobre Economia. Em 2015 passa-se o mesmo com a Constituição: afinal, sem que eu imaginasse, todos os portugueses conhecem as subtilezas mais recônditas da nossa Lei Fundamental, e não hesitam mesmo em interpretá-la, realizando um exercício de jurisprudência pessoal que não deixa espaço para dúvidas. Enquanto ignorante de ambos os campos, estou impressionado. Espero apenas que não se siga a Matemática, senão aguarda-me o desemprego.”
Comentário de JVM: "Este é o tipo de comentário que nunca esperaria de alguém que se dedica à divulgação de ciência. Considerar que as pessoas que comentam questões de direito e de economia estão a armar em “especialistas” e a pretender que “sabem tudo” equivale a dizer que deviam estar caladas e que deviam deixar a conversa para os verdadeiros especialistas.
Penso, pelo contrário, que é bom que uma quantidade crescente de cidadãos se tenha começado a interessar por economia e por direito (a ler artigos e livros, a discutir, a ler e a participar em blogs) porque essas questões são questões essenciais da cidadania e não devem, de forma alguma, ficar restringidas aos especialistas. Tal como as questões das ciências duras ou naturais não devem ficar limitadas às discussões dos especialistas - nem sequer a matemática, como penso que Jorge Buescu concordará.
Acho, igualmente, que o esforço feito por muitas dezenas de especialistas de economia e de direito nos últimos anos para divulgar estas disciplinas e para fomentar a sua discussão cidadã, organizando reuniões, publicando livros e artigos e animando discussões online (pessoas como os investigadores José Maria Castro Caldas, Ricardo Paes Mamede, Francisco Louçã, Ricardo Cabral, Paulo Trigo Pereira, Luís Aguiar-Conraria ou Alexandre Abreu, como os jornalistas Rui Peres Jorge, Sérgio Aníbal ou João Ramos de Almeida, como os políticos José Gusmão ou Pedro Nuno Santos, economistas consagrados internacionalmente como Paul Krugman, Joseph Stiglitz ou Thomas Piketty, especialistas de direito como Eduardo Paz Ferreira, António Hespanha ou o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa) não devem ser ignorados e devem, pelo contrário, ser reconhecidos, agradecidos e estimulados. A verdade é que, nos últimos anos, graças ao esforço das pessoas que cito e de muitas mais, a cultura cidadã dos portugueses e, em particular, na área da economia e do direito, sofreram um enorme progresso, que nada autoriza a ridiculizar."
Comentário de JVM: "Este é o tipo de comentário que nunca esperaria de alguém que se dedica à divulgação de ciência. Considerar que as pessoas que comentam questões de direito e de economia estão a armar em “especialistas” e a pretender que “sabem tudo” equivale a dizer que deviam estar caladas e que deviam deixar a conversa para os verdadeiros especialistas.
Penso, pelo contrário, que é bom que uma quantidade crescente de cidadãos se tenha começado a interessar por economia e por direito (a ler artigos e livros, a discutir, a ler e a participar em blogs) porque essas questões são questões essenciais da cidadania e não devem, de forma alguma, ficar restringidas aos especialistas. Tal como as questões das ciências duras ou naturais não devem ficar limitadas às discussões dos especialistas - nem sequer a matemática, como penso que Jorge Buescu concordará.
Acho, igualmente, que o esforço feito por muitas dezenas de especialistas de economia e de direito nos últimos anos para divulgar estas disciplinas e para fomentar a sua discussão cidadã, organizando reuniões, publicando livros e artigos e animando discussões online (pessoas como os investigadores José Maria Castro Caldas, Ricardo Paes Mamede, Francisco Louçã, Ricardo Cabral, Paulo Trigo Pereira, Luís Aguiar-Conraria ou Alexandre Abreu, como os jornalistas Rui Peres Jorge, Sérgio Aníbal ou João Ramos de Almeida, como os políticos José Gusmão ou Pedro Nuno Santos, economistas consagrados internacionalmente como Paul Krugman, Joseph Stiglitz ou Thomas Piketty, especialistas de direito como Eduardo Paz Ferreira, António Hespanha ou o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa) não devem ser ignorados e devem, pelo contrário, ser reconhecidos, agradecidos e estimulados. A verdade é que, nos últimos anos, graças ao esforço das pessoas que cito e de muitas mais, a cultura cidadã dos portugueses e, em particular, na área da economia e do direito, sofreram um enorme progresso, que nada autoriza a ridiculizar."
segunda-feira, outubro 26, 2015
Um PR que... (Post no Facebook a 26 de Outubro de 2015)
Um PR que ameaça não cumprir a Constituição que jurou defender, cumprir e fazer cumprir. Um PR que faz chantagem com os deputados da esquerda, ameaçando-os com um eterno governo de gestão de direita se não aprovarem um Governo que eles consideram que atenta contra o interesse nacional. Um PR que tenta dividir um partido apelando sibilinamente à desobediência dos seus deputados não só em relação às orientações da sua direcção, o que seria grave, mas apelando à sua desobediência em relação às suas próprias promessas eleitorais, o que é estarrecedor. Um PR para quem existem votos de primeira e votos de segunda, cidadãos de primeira e de segunda, deputados de primeira e de segunda, partidos de primeira e de segunda. Um PR que se arroga o direito de examinar e de condenar ao index os programas dos partidos que não lhe agradam, apesar de devidamente sancionados pela lei constitucional e pelo povo soberano. Um PR que não hesita em apelar à intervenção das forças internacionais que mais podem prejudicar o país, para o ajudar a impedir a entrada em funções de um governo constitucional com apoio de esquerda. Um PR que se arroga o direito inconstitucional de fazer um exame prévio de um programa de Governo apenas porque este é um Governo de esquerda. Um PR que considera que a lei deve ser diferente para cada um, conferindo mais direitos às pessoas e organizações de direita que às pessoas e organizações de esquerda. Um PR a quem não se conhece um gesto de esboço de tentativa de defesa da soberania nacional e que sempre se pôs de cócoras perante os poderes estrangeiros e o poder financeiro. Um PR que dobra a espinha perante a ditadura da Guiné Equatorial e a cleptocracia angolana e que nunca teve um gesto ou uma palavra em defesa dos direitos humanos quando isso lhe podia causar algum dissabor. Um PR que acha normal que um amigo banqueiro lhe proporcione lucros extraordinários na compra de umas acções e que se indigna quando o interrogam sobre o facto. Um PR que nunca respondeu às suspeitas de comportamento impróprio porque se considera acima da lei e do julgamento moral. Um PR que se julga inimputável e que talvez devesse ser. Um PR que diz - e talvez pense - que está para nascer uma pessoa mais honesta do que ele próprio, o que faz supor que considera a honestidade uma marca de papel higiénico. Um PR que se recusa a comparecer no funeral do único prémio Nobel português porque ele era comunista. Um PR que transborda rancor e azedume e ressentimento. Um PR que semeia o ódio e aduba o terreno da guerra civil. Um PR que é um exemplo de tudo o que não se deve fazer na vida pública. Um PR que é um exemplo de arrogância, de autoritarismo e de opacidade. Um PR que não dignifica a sua função, que se desonra quando actua no âmbito das suas funções, que nos envergonha e envergonha o país. Um PR que está convencido de que é o soberano do país. Um PR que está convencido de que é a rainha de Inglaterra. Um PR que não tem a noção do que é honra, pátria, democracia ou estado de direito. Um PR que poderia ser substituído com vantagem num sorteio feito entre os cidadãos nacionais. Um PR a respeito do qual nunca se poderia falar de grandeza. Um PR por quem é impossível ter respeito. Um PR que não se dá conta de metade disto. Um PR que está muito satisfeito consigo próprio. Um PR como nunca se viu e espero que nunca mais se verá. Um PR rasca.
domingo, outubro 25, 2015
A Confederação do Turismo de Portugal e a formação do Governo - Post no Facebook a 25 de Outubro de 2015
A notícia já tens uns dias, mas vale a pena comentar.
Gostava de saber se os associados da Confederação do Turismo de Portugal mandataram mesmo o seu presidente Francisco Calheiros para vir defender em público um Governo de direita. Um bocadinho de decência e de seriedade institucional ficava tão bem.
("Confederação do Turismo defende "diálogo" entre coligação e PS" - http://www.noticiasaominuto.com/politica/463322/confederacao-do-turismo-defende-dialogo-entre-coligacao-e-ps)
Gostava de saber se os associados da Confederação do Turismo de Portugal mandataram mesmo o seu presidente Francisco Calheiros para vir defender em público um Governo de direita. Um bocadinho de decência e de seriedade institucional ficava tão bem.
("Confederação do Turismo defende "diálogo" entre coligação e PS" - http://www.noticiasaominuto.com/politica/463322/confederacao-do-turismo-defende-dialogo-entre-coligacao-e-ps)
quinta-feira, outubro 22, 2015
A cavacada
Comentário publicado no Público online a 22 Outubro 2015 - 21h32
Por um momento pensei que poderia já ter mandado uma canhoneira bombardear a Soeiro Pereira Gomes e a Rua da Palma. Não é um bom sinal.
A indigitação de Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro pelo Presidente da República é juridicamente sustentável e politicamente legítima e não constitui uma surpresa.
Se a declaração do Presidente da República se ficasse por aqui, não haveria muito mais a dizer, apesar da “perda de tempo” que essa decisão representaria.
Só que Cavaco Silva entendeu, tristemente, mais uma vez, falar como Cavaco, em vez de como Presidente da República, ser ainda mais Cavaco do que nos tem habituado até aqui e acrescentou algumas barbaridades que não só estão longe do respeito pela tradição política democrática que Cavaco tanto diz respeitar, como estão longe do papel de árbitro do sistema político que compete ao Presidente da República e constituem uma verdadeira descarga de petróleo na fogueira da disputa partidária que vivemos. Cavaco, mais uma vez, mostrou que gosta de falar de estabilidade política e de sensatez, mas que não consegue promover a primeira, nem sabe usar a segunda.
Cavaco foi, de facto, muito mais longe do que a indigitação de Pedro Passos Coelho e não só fez um discurso inflamado em favor do “arco da governação”, que lamentou amargamente não ter podido dar origem a um acordo governativo a três (PS-PSD-CDS), como se enfureceu com o PS por não ter chegado a acordo com o PSD e o CDS – algo incompreensível, já que os seus programas “não se mostram incompatíveis, sendo, pelo contrário, praticamente convergentes quanto aos objectivos estratégicos de Portugal” –, como se lançou numa diatribe contra os partidos que, no seu entender, não devem sequer fazer parte deste clube restrito dos autorizados a governar.
É verdade que Cavaco disse que, agora, a palavra era do Parlamento, mas antes disso fez questão de sublinhar de uma forma pouco ambígua que só por cima do seu cadáver é que os partidos de esquerda teriam o gosto de ver em S. Bento um governo da sua preferência (“Em 40 anos de democracia, nunca os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas antieuropeístas, de forças políticas que, nos programas eleitorais com que se apresentaram ao povo português, defendem a revogação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da união bancária e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, assim como o desmantelamento da união económica e monetária e a saída de Portugal do euro, para além da dissolução da NATO, organização de que Portugal é membro fundador”). O que Cavaco disse equivaleu a lançar na clandestinidade (e certamente fora do governo) o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista e a forma como espumou na fase final da sua comunicação deixou-me convencido de que, se pudesse, tê-lo-ia feito. Por um momento pensei que poderia já ter mandado uma canhoneira bombardear a Soeiro Pereira Gomes e a Rua da Palma. Não é um bom sinal.
Cavaco considerou mesmo que a solução de governo à esquerda que lhe foi apresentada – e que não tinha sequer necessidade de qualificar nesta fase – era “uma alternativa claramente inconsistente”, o que deixa no ar a possibilidade de o Presidente não a aceitar nem sequer como uma segunda escolha. Estando Cavaco condenado a ser Cavaco, certamente por pecados graves cometidos noutra vida, é evidente que esta ameaça constitui uma deselegante (e antidemocrática e inconstitucional) forma de pressão sobre o Parlamento, para forçar a mão a alguns deputados do PS e convencê-los a aprovar o programa PSD-CDS.
Num lamentável desnorte, Cavaco foi mesmo ao ponto de incentivar os deputados do PS a votar contra o seu compromisso eleitoral, sublinhando que a decisão não é da Assembleia da República, mas de cada um dos seus deputados (“A última palavra cabe à Assembleia da República ou, mais precisamente, aos deputados à Assembleia da República.” “É aos deputados que cabe apreciar o programa do governo…” “É aos deputados que compete decidir, em consciência e tendo em conta os superiores interesses de Portugal, se o governo deve ou não assumir em plenitude as funções que lhe cabem.”) De facto, o órgão de soberania chama-se “Assembleia da República” e não “deputados”.
O que se segue? Cavaco quis sugerir que irá até onde for preciso para manter o BE e o PCP fora do poder (“É meu dever tudo fazer para impedir que sejam transmitidos sinais errados às instituições financeiras, aos investidores e aos mercados, pondo em causa a confiança e a credibilidade externa do país”).
Pode esta loucura antidemocrática de Cavaco levá-lo a manter um governo de gestão PSD-CDS no poder até que outro Presidente possa dissolver a Assembleia da República? A resposta sensata é não. Seria péssimo para o país, impedido de tomar decisões que urgem, seria péssimo para a nossa credibilidade externa, péssimo para a situação política, que viveria uma crispação inédita, péssimo para cada um dos portugueses. Mas Cavaco habituou-nos a tudo. Sabemos que o país e os portugueses contam pouco ao lado dos seus ódios figadais.
Por um momento pensei que poderia já ter mandado uma canhoneira bombardear a Soeiro Pereira Gomes e a Rua da Palma. Não é um bom sinal.
A indigitação de Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro pelo Presidente da República é juridicamente sustentável e politicamente legítima e não constitui uma surpresa.
Se a declaração do Presidente da República se ficasse por aqui, não haveria muito mais a dizer, apesar da “perda de tempo” que essa decisão representaria.
Só que Cavaco Silva entendeu, tristemente, mais uma vez, falar como Cavaco, em vez de como Presidente da República, ser ainda mais Cavaco do que nos tem habituado até aqui e acrescentou algumas barbaridades que não só estão longe do respeito pela tradição política democrática que Cavaco tanto diz respeitar, como estão longe do papel de árbitro do sistema político que compete ao Presidente da República e constituem uma verdadeira descarga de petróleo na fogueira da disputa partidária que vivemos. Cavaco, mais uma vez, mostrou que gosta de falar de estabilidade política e de sensatez, mas que não consegue promover a primeira, nem sabe usar a segunda.
Cavaco foi, de facto, muito mais longe do que a indigitação de Pedro Passos Coelho e não só fez um discurso inflamado em favor do “arco da governação”, que lamentou amargamente não ter podido dar origem a um acordo governativo a três (PS-PSD-CDS), como se enfureceu com o PS por não ter chegado a acordo com o PSD e o CDS – algo incompreensível, já que os seus programas “não se mostram incompatíveis, sendo, pelo contrário, praticamente convergentes quanto aos objectivos estratégicos de Portugal” –, como se lançou numa diatribe contra os partidos que, no seu entender, não devem sequer fazer parte deste clube restrito dos autorizados a governar.
É verdade que Cavaco disse que, agora, a palavra era do Parlamento, mas antes disso fez questão de sublinhar de uma forma pouco ambígua que só por cima do seu cadáver é que os partidos de esquerda teriam o gosto de ver em S. Bento um governo da sua preferência (“Em 40 anos de democracia, nunca os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas antieuropeístas, de forças políticas que, nos programas eleitorais com que se apresentaram ao povo português, defendem a revogação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da união bancária e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, assim como o desmantelamento da união económica e monetária e a saída de Portugal do euro, para além da dissolução da NATO, organização de que Portugal é membro fundador”). O que Cavaco disse equivaleu a lançar na clandestinidade (e certamente fora do governo) o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista e a forma como espumou na fase final da sua comunicação deixou-me convencido de que, se pudesse, tê-lo-ia feito. Por um momento pensei que poderia já ter mandado uma canhoneira bombardear a Soeiro Pereira Gomes e a Rua da Palma. Não é um bom sinal.
Cavaco considerou mesmo que a solução de governo à esquerda que lhe foi apresentada – e que não tinha sequer necessidade de qualificar nesta fase – era “uma alternativa claramente inconsistente”, o que deixa no ar a possibilidade de o Presidente não a aceitar nem sequer como uma segunda escolha. Estando Cavaco condenado a ser Cavaco, certamente por pecados graves cometidos noutra vida, é evidente que esta ameaça constitui uma deselegante (e antidemocrática e inconstitucional) forma de pressão sobre o Parlamento, para forçar a mão a alguns deputados do PS e convencê-los a aprovar o programa PSD-CDS.
Num lamentável desnorte, Cavaco foi mesmo ao ponto de incentivar os deputados do PS a votar contra o seu compromisso eleitoral, sublinhando que a decisão não é da Assembleia da República, mas de cada um dos seus deputados (“A última palavra cabe à Assembleia da República ou, mais precisamente, aos deputados à Assembleia da República.” “É aos deputados que cabe apreciar o programa do governo…” “É aos deputados que compete decidir, em consciência e tendo em conta os superiores interesses de Portugal, se o governo deve ou não assumir em plenitude as funções que lhe cabem.”) De facto, o órgão de soberania chama-se “Assembleia da República” e não “deputados”.
O que se segue? Cavaco quis sugerir que irá até onde for preciso para manter o BE e o PCP fora do poder (“É meu dever tudo fazer para impedir que sejam transmitidos sinais errados às instituições financeiras, aos investidores e aos mercados, pondo em causa a confiança e a credibilidade externa do país”).
Pode esta loucura antidemocrática de Cavaco levá-lo a manter um governo de gestão PSD-CDS no poder até que outro Presidente possa dissolver a Assembleia da República? A resposta sensata é não. Seria péssimo para o país, impedido de tomar decisões que urgem, seria péssimo para a nossa credibilidade externa, péssimo para a situação política, que viveria uma crispação inédita, péssimo para cada um dos portugueses. Mas Cavaco habituou-nos a tudo. Sabemos que o país e os portugueses contam pouco ao lado dos seus ódios figadais.
quarta-feira, outubro 21, 2015
O desespero é mau conselheiro - Post no Facebook de 21 Outubro 2015
O desespero é mau conselheiro
Primeiro, foi a alegria de ser a candidatura mais votada.
Depois, a preocupação ao constatar que afinal a maioria era de esquerda.
A seguir o terror por o PS, BE e PCP estarem a caminho de um entendimento parlamentar. Finalmente o desespero por o acordo de esquerda estar a chegar a bom porto.
Só que o desespero é mau conselheiro e vieram as acusações de “fraude”, “usurpação”, “golpe de estado” e os outros disparates como “o partido que tem mais votos deve governar”.
Uma das formas que este desespero está a tomar (e uma das razões por que a coligação PSD-CDS insiste na indigitação de Pedro Passos Coelho por Cavaco Silva) é a tentativa de pressionar os deputados do PS simpatizantes de uma solução “Bloco Central” a viabilizar o governo minoritário.
Aqui sim, seria uma verdadeira vitória na secretaria e uma entorse clara àquilo que podemos intuir sobre o sentido do voto no PS - que sempre disse que seria uma alternativa a direita e que não teria sentido viabilizar um governo da direita.
Este apelo à pressão sobre os deputados do PS (que será interessante ver até que extremos irá) é visível, por exemplo, no artigo “4 razões, mais uma, para Cavaco não nomear Costa“ (http://ionline.pt/417751), publicado no jornal i, da autoria de Graça Canto Moniz, coordenadora do Gabinete de Estudos do CDS mas que por razões que não conheço o i identifica apenas como “blogger”.
Outro texto na mesma linha foi publicado no DN pela mão de Diogo Feio (http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/interior/clareza-normalidade-e-estabilidade-4845501.html ).
Já deu para perceber que, neste momento de desespero, o PSD e o CDS estão dispostos a tudo (a tresler a constituição, a mentir sobre as regras democráticas de formação dos governos, a inventar uma “tradição de governo” que beneficia a direita, a acirrar os mais básicos terrores da população contra os supostos malefícios de um governo de esquerda, a difamar os seus adversários políticos, a procurar aliados no estrangeiro que se disponham a colaborar no ataque a um governo nacional constitucional).
É quase cómico ouvir representantes da coligação de direita falarem hoje no "radicalismo" do BE ou do PCP. Há muitos anos que não se via um governo tão radical em Portugal. Só é pena que o radicalismo não lhes dê para defender a pátria no contexto internacional, para preservar o património nacional e para reforçar a dignidade das instituições, algumas das bandeiras que a direita digna soube levantar no passado.
Primeiro, foi a alegria de ser a candidatura mais votada.
Depois, a preocupação ao constatar que afinal a maioria era de esquerda.
A seguir o terror por o PS, BE e PCP estarem a caminho de um entendimento parlamentar. Finalmente o desespero por o acordo de esquerda estar a chegar a bom porto.
Só que o desespero é mau conselheiro e vieram as acusações de “fraude”, “usurpação”, “golpe de estado” e os outros disparates como “o partido que tem mais votos deve governar”.
Uma das formas que este desespero está a tomar (e uma das razões por que a coligação PSD-CDS insiste na indigitação de Pedro Passos Coelho por Cavaco Silva) é a tentativa de pressionar os deputados do PS simpatizantes de uma solução “Bloco Central” a viabilizar o governo minoritário.
Aqui sim, seria uma verdadeira vitória na secretaria e uma entorse clara àquilo que podemos intuir sobre o sentido do voto no PS - que sempre disse que seria uma alternativa a direita e que não teria sentido viabilizar um governo da direita.
Este apelo à pressão sobre os deputados do PS (que será interessante ver até que extremos irá) é visível, por exemplo, no artigo “4 razões, mais uma, para Cavaco não nomear Costa“ (http://ionline.pt/417751), publicado no jornal i, da autoria de Graça Canto Moniz, coordenadora do Gabinete de Estudos do CDS mas que por razões que não conheço o i identifica apenas como “blogger”.
Outro texto na mesma linha foi publicado no DN pela mão de Diogo Feio (http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/interior/clareza-normalidade-e-estabilidade-4845501.html ).
Já deu para perceber que, neste momento de desespero, o PSD e o CDS estão dispostos a tudo (a tresler a constituição, a mentir sobre as regras democráticas de formação dos governos, a inventar uma “tradição de governo” que beneficia a direita, a acirrar os mais básicos terrores da população contra os supostos malefícios de um governo de esquerda, a difamar os seus adversários políticos, a procurar aliados no estrangeiro que se disponham a colaborar no ataque a um governo nacional constitucional).
É quase cómico ouvir representantes da coligação de direita falarem hoje no "radicalismo" do BE ou do PCP. Há muitos anos que não se via um governo tão radical em Portugal. Só é pena que o radicalismo não lhes dê para defender a pátria no contexto internacional, para preservar o património nacional e para reforçar a dignidade das instituições, algumas das bandeiras que a direita digna soube levantar no passado.
sábado, outubro 03, 2015
Nove razões por que será bom ter um governo de esquerda
3 Outubro 2015
Como será bom ter enfim uma governação e uma acção política que não seja apenas obediência.
José Vítor Malheiros
A primeira razão é mesmo aquela que o PSD e o CDS já adivinharam e vieram denunciar nos debates televisivos em tom inflamado, como se fosse razão para uma pessoa honesta ter vergonha. A primeira razão por que será bom ter um governo de esquerda é mesmo (confesso, confesso) não ter de continuar a ver e ouvir Pedro Passos Coelho nove vezes em cada noticário, primeiro como primeiro-ministro, depois como presidente do PSD, depois como candidato às eleições, depois como representante de Portugal (vá-se lá saber porquê) num Conselho Europeu, depois como conferencista numa conferência, depois como entrante numa feira agrícola, depois como sainte de uma audiência com Cavaco, depois como visitante daquilo e comentador da outra coisa. Isso, só por si, é um alívio. Não é que seja pessoal, que não é. Não é só porque os seus lábios eternamente crispados e a escassez do seu léxico me arrepelam a vesícula. Não é só porque a sua cerviz curvada e as suas mãos postas frente a Angela Merkel me encanzinam. É mais político. Mas pôr fim à sua ubiquidade será uma benção.
A segunda, mais séria, é porque poderemos ter um governo que, para equilibrar as contas, vai recorrer a outras medidas que não sejam rapar os rendimentos do trabalho, confiscar subsídios, aumentar o IRS, criar prestações extraordinárias sobre os salários, cortar pensões, reduzir prestações sociais, cortar serviços públicos, vender empresas públicas estratégicas fundamentais para a economia e vai (espero) encontrar meios de aumentar a receita fiscal olhando também para o património e para os rendimentos do capital e, principalmente, reduzindo a “fuga legal” aos impostos das grandes empresas e das grandes fortunas. Poderemos ter um governo que não acha que os trabalhadores são mimados, que os desempregados são preguiçosos, que os beneficiários de subsídios são parasitas, que os emigrantes são piegas. Poderemos ter um governo que olha para nós não como contribuintes mas como pessoas e cidadãos.
A terceira razão é porque o novo governo vai (espero) defender os interesses nacionais em Bruxelas e noutros fóruns internacionais, o que é uma novidade bem-vinda (quase que nos esquecemos como é que é, mas é possível) e discutir com os parceiros da União Europeia como se fossem parceiros em vez de sermos empregados deles apanhados em falta.
A quarta razão é porque o novo governo vai tentar fazer crescer a economia, o investimento, o emprego e o rendimento disponível dos portugueses, apostando na educação, que garante o reforço das competências; na investigação, que produz o conhecimento que é a matéria-prima mais importante que há; na inovação, que transforma o conhecimento em riqueza; na sustentabilidade social e ambiental, que garante que as próximas gerações não encontrarão um país delapidado e que criará novos mercados; no financiamento das PME, que representam a maioria da economia nacional.
A quinta razão é porque acabou o ilegal, ilegítimo, inconstitucional, imoral e estúpido cordão sanitário que impedia que os partidos à esquerda do PS se aproximassem do poder (veja-se como Cavaco reage à ideia de PCP e BE possam apoiar o futuro governo!) e que desperdiçava assim uma imensa quantidade de ideias e de capacidade de intervenção e afastava milhões da política ao certificá-la como um jogo viciado à partida, onde só a direita e a esquerda light podiam actuar.
A sexta razão é porque vamos enfim ter bancadas parlamentares que apoiarão o governo mas que não serão apenas a voz do dono, exemplos vergonhosos de submissão, de obediência e de subserviência mas que farão o seu dever como representantes do povo, apoiando quando necessário mas também discutindo e propondo alterações.
A sétima razão é porque teremos um governo que não confunde o Estado Social com a sopa dos pobres - como a pobre, pobre Isabel Jonet - e que sabe que o Estado Social é de todos para todos porque só assim se garante a justiça e a equidade e só assim se garante a qualidade e a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública, da Segurança Social, dos programas sociais.
A oitava razão é porque vamos ter um governo que sabe o que é a Cultura e que não a confunde com a decoração de interiores, que sabe que a cultura é um factor de progresso social e individual, de bem-estar social e individual, algo essencial para a vida intelectual de cada um de nós e, por isso, para a nossa vida em sociedade, para o estímulo do conhecimento, da criatividade, do prazer da fruição, do sentido crítico e do sentido de humor sem os quais não se consegue inventar uma sociedade onde seja bom viver.
A nona razão é porque poderemos ter enfim uma governação e uma acção política que não é apenas obediência (à Comissão Europeia, ao Banco Central Europeu, ao FMI, ao Eurogrupo, à Alemanha, aos mercados, à Goldman Sachs, aos tratados existentes e a existir, aos poderes estrangeiros em geral) mas que pode ser invenção, imaginação, participação, debate e criação. A nossa invenção. Como numa democracia!
jvmalheiros@gmail.com
terça-feira, setembro 01, 2015
Um mundo de coisas a esconder - Artigo publicado no número 1 da revista da CNPD - Julho 2015
por José Vítor Malheiros
Artigo publicado no número 1 da revista da CNPD - Comissão Nacional de Protecção de Dados - Julho 2015
É um argumento que ouvimos muitas vezes, em tom displicente, às vezes dito
com orgulho ou mesmo em modo de desafio. No entanto, penso que é uma das posições mais lesivas da liberdade pessoal que existe nas nossas sociedades modernas, crescentemente vigiadas.
É um argumento que fragiliza mais ainda os mais fracos (os vigiados ou potencialmente vigiados), que reforça mais os poderes dos mais fortes (os que vigiam ou que podem vigiar) porque lhes garante total liberdade de acção, que apresenta como alienável um direito que é de facto inalienável, que compromete mais o nosso futuro, que põe em causa o nosso direito a viver a nossa vida como queremos, sem ser submetido ao escrutínio permanente dos nossos pares, dos nossos chefes, de todos aqueles que queiram submeter-nos e reduzir a nossa liberdade.
Porquê? Porque transforma a defesa de um direito fundamental numa suspeita, numa acusação, quase num crime, invertendo totalmente os valores em causa. Porque transforma a defesa de um direito numa infâmia. Porque insinua que quem protege a sua vida da devassa de outros, dos vizinhos, das empresas, dos patrões, das polícias, do Estado, dos sites da Internet, o faz porque comete ou cometeu actos inconfessáveis, ilegais, ilícitos, vergonhosos. Porque é uma posição que não compromete apenas aquele que a enuncia, mas contribui para definir um padrão social que irá limitar a liberdade de todos os outros.
Numa sociedade democrática (e não preciso de dizer democrática liberal porque a liberdade é condição da democracia, tem de estar na sua base, sem o que não há democracia) as pessoas têm direito a reservar a sua vida, diferentes aspectos da sua vida (aqueles que queiram, à la carte), do escrutínio de outros (aqueles que queiram, à la carte).
Não é só a intimidade
É costume falarmos da “reserva da vida privada” e a Constituição da República Portuguesa defende o direito (artigo 26º) “à reserva da intimidade da vida privada e familiar”, mas não se trata apenas da “vida privada e familiar”.
Para além deste sanctum sanctorum da nossa identidade, cuja devassa poucos hesitam em condenar, há inúmeros aspectos da nossa vida que, não sendo estritamente privados nem familiares, não nos importamos de revelar a uns mas queremos proteger do conhecimento de outros.
Uma pessoa pode frequentar aulas de ballet e, ainda que isso seja do domínio público no clube onde frequenta as aulas, que até podem ter assistência, pode querer manter isso em segredo dos seus colegas de trabalho. Outra pessoa pode querer manter em segredo de certas pessoas o seu emprego, porque o considera por alguma razão embaraçoso, mas este pode ser do domínio público num outro contexto. E a divulgação dessas informações no contexto errado poderia constituir uma violência imensa para a pessoa em causa, fonte de sofrimento, de culpa, vergonha, de possível coacção ou extorsão.
Todos conhecemos exemplos semelhantes e - mais significativamente - todos protegemos certas informações “não íntimas”, “não privadas” e “não familiares” dos olhos de certas pessoas. Não porque sejam crimes ou sequer pecados, mas porque queremos moldar a persona que mostramos às pessoas com quem nos relacionamos. E temos esse direito. Todos mostramos diferentes personagens, diferentes personas, diferentes facetas a diferentes grupos e a diferentes pessoas. Não porque as queremos enganar, mas porque, tratando-se de pessoas diferentes, as tratamos como pessoas diferentes. Alguém conta as mesmas anedotas aos colegas da tropa e aos sogros? Alguém apresentará a mesma atitude nas reuniões do trabalho e quando fala ao namorado da filha? Será isso hipocrisia? Será isso um pecado? Ou será apenas o direito a exercermos a nossa liberdade de sermos diferentes conforme a circunstância, o interlocutor, o momento, o nosso objectivo nesse momento e a nossa história?
Os graus de cinzento e o contexto
A questão é que não existem de um lado dados que não nos importamos de revelar (públicos) e do outro lado dados que queremos preservar da observação dos outros (privados). A distinção não é tão clara e muito menos binária. Não é por acaso que discriminamos: dados familiares, pessoais, privados, íntimos. Informação sobre a nossa situação bancária, saúde, vida amorosa, sexualidade, sonhos. Existe um longo continuum entre estes dois mundos, público e privado, plenos de matizes e ramificações, de cinzentos infinitesimamente mais escuros ou mais claros.
E, para tornar tudo mais complexo, para cada informação não existe apenas o contexto de onde ela é originária, o contexto onde essa informação foi recolhida, o seu mundo de origem (saúde, finanças) mas o contexto em que ela é difundida, que muda tudo. Há informações absolutamente privadas num dado contexto, que constituiriam uma violência para a pessoa se fossem tornadas públicas nesse contexto, e que são partilhadas abertamente noutro grupo. A informação mais íntima, uma informação sobre a nossa saúde, sobre uma doença que nos aflige, que mantemos secreta do mundo, no nosso emprego, que podemos esconder até da nossa família e dos nossos amigos, pode ser partilhada num grupo de entre-ajuda de doentes, entre pessoas quase desconhecidas. A relação que mantemos com estas pessoas e com a nossa família é diferente e a faceta que queremos mostrar-lhes também.
Teremos esse direito? O direito de modular a informação sobre nós que permitimos que os outros consultem, que permitimos que os outros vejam? Penso que sim. Penso mesmo que essa deve ser a regra e que todas as invasões da nossa vida privada e todas as divulgações de dados pessoais devem ser as excepções, cuidadosamente e criteriosamente decididas. Felizmente, também a lei e a CNPD pensam, em geral, assim. E isso porque a relação de poder que temos com as diferentes pessoas com quem nos relacionamos é diferente. Há informação que receamos que possa ser, de alguma forma, usada contra nós num dado contexto e que não temos razão para recear difundir noutro contexto.
Colher informação num dado contexto e transplantá-la para outro - ou colher toda a informação que disponibilizamos voluntariamente “publicamente” nos vários contextos e disponibilizá-la em todos os outros contextos seria uma enorme violência. Seria literalmente despir a pessoa da sua persona e obrigá-la a exibir-se sem a roupa que escolheu para a sua vida social nos diferentes grupos a que pertence, nos diferentes mundos que frequenta.
Expectativa de privacidade
É por isso que, apesar de estarmos em público quando andamos numa rua, não é necessariamente aceitável, por esse simples facto, filmar as pessoas que passem nessa rua e muito menos divulgar essa informação publicamente.
Mesmo nos casos onde essa informação é recolhida - e deve haver um exigente escrutínio das razões para tal, dos benefícios dessa recolha e dos prejuízos possíveis - ela deve ser protegida tanto quanto possível, limitando as imagens colhidas, o tempo de arquivo e os acessos permitidos. E isto porque as pessoas têm, apesar de tudo, uma expectativa de relativa privacidade mesmo quando andam numa rua. A relativa privacidade que lhes é garantida pelo anonimato da cidade, da multidão, da hora de ponta, do lusco-fusco ou o que for e pelo facto de estar aqui e não estar ali (ou seja: de ter a expectativa de poder estar, eventualmente, a fornecer informação sobre a sua localização a um determinado grupo de pessoas, as que se encontram na mesma rua, mas não ao mundo inteiro).
Se disséssemos a alguém que, sempre que passasse pela rua X, essa informação seria transmitida a todos os elementos da sua rede social, a toda a gente que a conhece ou conheceu, é provável que essa pessoa preferisse escolher outro trajecto. Não porque tencione fazer algo condenável na rua X, mas porque prefere não estar sob o foco da atenção alheia de milhares de pessoas. E tem esse direito. O direito ao anonimato, o direito a ser deixada em paz.
O segredo é condição de liberdade
A questão é que, quando estamos a ser escrutinados, observados, vigiados, não gozamos da mesma liberdade que quando nos julgamos fora do alcance da observação alheia. Agimos de maneira mais livre quando não somos vigiados, de maneira mais de acordo com o nossa verdadeira vontade, sem receio de críticas, admoestações, condenações, reparos, registo para eventual uso futuro. É por isso que o voto democrático é o voto secreto, o que podemos fazer sem que ninguém nos veja. É por isso que nos sentimos tão incomodados quando alguém espreita pelo buraco da fechadura, violando uma regra social que não parece muito relevante mas é, para todos, preciosa.
A verdade é que somos seres sociais mas somos, também, seres privados, indivíduos com uma mente secreta só nossa e esse espaço virtual de absoluta liberdade é essencial para sermos quem somos. Precisamos desse recato, da certeza de não estarmos a ser observados, para levar a cabo aquele diálogo connosco mesmos que define o nosso eu, os nossos pensamentos, que estrutura os nossos actos, que nos dá a coerência com o nossa história e as nossas ideias. Que escritor conseguiria escrever com alguém a espreitar por cima do seu ombro? Que compositor conseguiria compor? Quem conseguiria criar submetido a um escrutínio constante, a uma observação constante, por discreta e por benevolente que ela fosse? E isso não acontece porque se trate de obras secretas - o escritor e o compositor escrevem para o mundo - mas o momento da criação exige absoluta liberdade e a liberdade exige ausência de escrutínio, de observação alheia, respeito.
Os novos velhos problemas da Internet
Transplantar a informação pessoal de um contexto para outro, de um tempo para outro, de um grupo para outro, foi algo que a Internet tornou constante. Porque a informação que se partilha nas redes sociais online é informação pessoal (quem sou, onde nasci, com quem namoro, como se chama o meu pai, onde passo férias, de que música gosto, onde estou neste momento e com quem e porquê) e porque toda essa informação, colhida em diferentes momentos, na companhia de diferentes pessoas, em diferentes contextos, é depois colocada num mesmo espaço onde fica para sempre, à mercê dos futuros utilizadores que não sabemos quem serão. É assim que o nosso patrão acede às fotografias da bebedeira que apanhámos em Porto Covo e fica a saber em que partido votámos nas últimas (e provavelmente também nas próximas) eleições. É assim que uma pessoa minimamente interessada que se dê ao trabalho fica a saber praticamente tudo sobre nós, esse conjunto de informações “públicas” que, devidamente articuladas, fazem um detalhadíssimo “retrato privado” da nossa vida.
É o que se chama o problema da “big data” e do respectivo “data mining”, que coloca nas mãos de não sabemos quem, mais informações do que gostaríamos de lhes ter dado. Alterações no padrão do nosso comportamento (das compras que fazemos no supermercado, por exemplo) permitem a uma entidade com um software sofisticado e acesso aos dados (o nosso supermercado, por exemplo) saber algo que nem sequer contámos a ninguém: que estamos doentes, que estamos a fazer dieta, que estamos com problemas de dinheiro e talvez desempregados, que estamos apaixonados, que vamos ter um filho.
Há inúmeros problemas de privacidade nascidos com a Internet. Outro consiste no facto de que a maior parte dos utilizadores continua a pensar que a informação que disponibiliza (aos sites onde se inscreveu ou a outros utilizadores) apenas é vista pelo seu reduzido e simpático grupo de amigos. Sabem que não é assim, mas querem acreditar que é assim. Afinal, não têm nada a esconder, pois não?
Outro é o facto de que a maior parte dos utilizadores continua a pensar que a informação que disponibiliza na Internet desaparece no dia seguinte porque não está na última página do Face. Sabem que não é assim, mas querem acreditar que é assim.
E outro, maior, é o desaparecimento do tal contexto. Em vez de termos o grupo dos colegas, dos amigos do coração, das colegas do liceu, da malta da tropa, do grupo do judo, das amigas da avó, dos colegas da faculdade, que existem no mundo em diferentes mundos, a quilómetros de distância, a horas diferentes, a Internet é um único contexto, onde a avó sabe que patuscadas combinamos e o antigo namorado sabe que mudámos de emprego. Na Internet verifica-se o que chamo o flattening de todos os universos onde existimos - todos passam a ser apenas um. Todos se encontram no mesmo Facebook e o Twitter guarda as mensagens da noite para mostrar no dia seguinte a quem estava a dormir. O mesmo Facebook, o mesmo Twitter.
Velho problema, novas soluções
Não é um enorme problema, mas obriga a uma nova aprendizagem por parte dos utilizadores. Uma aprendizagem que ainda não amadureceu e que, provavelmente, só vai emergir depois de algum sofrimento, como o caso de Justine Sacco, a directora de comunicação de uma grande empresa que descobriu, ao aterrar no país onde ia passar férias, que tinha sido despedida durante o voo por causa de um tweet que tinha enviado antes de o avião descolar e que o seu chefe considerou racista - assim como muitos milhares de pessoas que o difundiram pela rede, tornando a sua vida um inferno nos anos seguintes.
A Internet torna mais difícil compartimentar a nossa vida, como fazemos IRL (in real life). É fácil dizer, como dizem muitos (Scott McNealy, CEO da Sun; Mark Zuckerberg, CEO do Facebook) que a privacidade morreu e tudo o que temos a fazer é adaptarmo-nos a isso.
Não penso assim. É evidente que a Internet e as redes socias e a descoberta do valor comercial de certos dados (a nossa lista de compras) nos pressionaram a partilhar/difundir/desproteger muita informação, que hoje oferecemos sem pudor. É verdade que a tecnologia disponível permite hoje conhecer quase tudo sobre os cidadãos. É verdade que podemos saber muitas coisas uns sobre os outros que antes era difícil saber e que as empresas e outros poderes podem saber muito mais, quase tudo, com a possível excepção do que nos passa pela cabeça. Habituámo-nos a um certo grau de nudez, maior do que antes. Aquilo que queremos reservar mudou. Há trade-offs que estamos dispostos a fazer. Aquilo a que chamamos “vida privada” não é a mesma coisa a que chamávamos “vida privada” há vinte anos, tal como deixou de ser atrevido mostrar as pernas, mas a protecção da vida privada como conceito não perdeu actualidade, pelo contrário. É o direito a reservar aquilo que queremos reservar do escrutínio público. E aqui quem decide tem de continuar a ser a lei democrática, como tradução da moral, e não as possibilidades da tecnologia. Nem tudo o que é possível é desejável. Nem tudo o que é possível deve ser permitido. A vida privada tornou-se apenas um jardim mais difícil de cuidar. Mas é aí que está o cerne da nossa humanidade.
José Vítor Malheiros
Julho 2015terça-feira, junho 23, 2015
Atenas já está a arder?
por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 23 de Junho de 2015
Crónica 23/2015
A Espanha e a França estão preocupadas? Draghi e Merkel estão preocupados? Obama está preocupado? Pedro Passos Coelho não.
O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, considera que é impossível prever as consequências a médio e a longo prazo de um eventual incumprimento por parte da Grécia — que teria de levar inevitavelmente à sua saída do euro. E todos os comentadores são de um extremo cuidado ao tentar prever as consequências de uma saída da Grécia da zona euro. Depois de listar as eventuais vantagens para a Grécia ou para os países que ficassem no euro e as eventuais desvantagens para ambos, acabam por concluir que nada é certo já que, se essa hipótese se tornasse realidade, se entraria em águas nunca dantes navegadas.
A realidade é que tudo pode acontecer, desde um efeito dominó que destruiria o euro primeiro, desencadearia uma imensa crise de confiança na Europa e desagregaria a União Europeia depois, até uma estabilização relativamente rápida da UE-sem-Grécia sem desastres de maior. A verdade é que não se sabe porque nunca nada semelhante aconteceu, porque ninguém consegue prever o que farão os diferentes actores políticos e económicos caso a famosa Grexit se concretize e porque é provável que alguns desses actores não reajam da forma mais racional — tal como, neste preciso momento, a União Europeia não está a reagir de forma racional.
Todos os comentadores e todos os especialistas são prudentes, mas não o nosso primeiro-ministro que garante que uma eventual saída da Grécia não causará mossa a Portugal. A Espanha e a França estão preocupadas? Draghi e Merkel estão preocupados? Obama está preocupado? Pedro Passos Coelho não. Há algo que Passos Coelho ou a sua professora de Economia, Maria Luís Albuquerque, saibam ou estejam a ver que mais ninguém sabe ou vê? Não. Terão eles uma ideia mais precisa do que os muitos peritos que estudam isto todos os dias ou que os analistas que escrevem e reflectem sobre isto? Não. É apenas mais um exemplo do wishful thinking e da manipulação da realidade que tem dado as famosas previsões de recuperação económica e que hoje fazem um retrato radioso de Portugal, apesar da pobreza, do desemprego, da dívida crescente e da emigração. Eles acham que Portugal vai ficar bem ainda que a Grécia saia do euro. Ou melhor: secretamente, e apesar das suas profissões de fé, rezam para que a Grécia saia do euro, para que uma catástrofe inominável se abata sobre a Grécia e para que o país se enterre na fome e na miséria durante décadas, pária entre as nações, e que isso sirva de lição aos que contestam a austeridade, aos que contestam o seu governo, a todos os que se atrevem a votar à esquerda e a criticar a troika que eles amam acima de todas as coisas. O mundo receia que a UE caia, mas Passos Coelho diz que Portugal não cairá. Seria cómico se não fosse tão estúpido.
Os analistas acham que é possível que a Grécia, se sair de facto do euro, consiga usar em seu benefício o facto de voltar a usar um dracma muito desvalorizado, apostando em força nas exportações e no turismo. Outros acham pouco provável que a sua fragilizada economia pudesse aproveitar devidamente essa vantagem, nomeadamente no sector exportador. Uns estão convictos de que uma Grécia fora do euro, depois de um ou dois anos que todos são unânimes em prever como duríssimos, poderia começar a experimentar crescimentos da ordem dos 5% a 10%, levando outros países (como a Itália, a Bélgica e mesmo a França) a pensar se, afinal, não seria melhor saltar fora do euro, dando origem ao efeito dominó e ao fim do euro. Outros acham que a saída do euro e o fim da pressão dos parceiros da UE e dos credores da troika fará com que a Grécia abandone toda a disciplina orçamental e regresse a maus hábitos orçamentais e ao desgoverno total, caindo no caos.
Mas, como o prémio Nobel de Economia Paul Krugman escreveu, “o maior risco para o euro não é em caso de fracasso da Grécia mas em caso de êxito da Grécia. Imaginem que um novo dracma muito desvalorizado traga uma enchente de bebedores de cerveja britânicos para o mar Jónico e que a Grécia comece a recuperar. Isso iria encorajar grandemente aqueles que contestam a austeridade e a desvalorização interna noutros países”.
E é isto (que está longe de ser apenas a opinião de Krugman) que Passos Coelho não pode sequer sugerir. O conto moral da austeridade exige que os contestatários sejam castigados. Se ficarem no euro e se saírem do euro. Para que aprendam que as veleidades democráticas de eleger governos que não querem ser súbditos da Alemanha se pagam caras.
Esta displicência de Passos Coelho em relação à saída da Grécia é mais um sinal da falta de patriotismo demonstrada pelo Governo PSD-CDS já que, em caso de Grexit, todos sabem que a posição de Portugal ficaria particularmente fragilizada. Mas o PM não está preocupado com Portugal. Antes de mais, a Grécia deve ser castigada. Passos Coelho deitaria fogo à Grécia já se lho ordenassem. É esta a sua ideia de solidariedade europeia. Curiosamente, Krugman considera que é tão importante para a Alemanha que a Grécia fracasse se sair do euro que o economista põe mesmo a hipótese de um boicote alemão à economia grega. Passos Coelho gostaria imenso de ajudar, mas pode ser que as eleições o defenestrem antes.
jvmalheiros@gmail.com
Texto publicado no jornal Público a 23 de Junho de 2015
Crónica 23/2015
A Espanha e a França estão preocupadas? Draghi e Merkel estão preocupados? Obama está preocupado? Pedro Passos Coelho não.
O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, considera que é impossível prever as consequências a médio e a longo prazo de um eventual incumprimento por parte da Grécia — que teria de levar inevitavelmente à sua saída do euro. E todos os comentadores são de um extremo cuidado ao tentar prever as consequências de uma saída da Grécia da zona euro. Depois de listar as eventuais vantagens para a Grécia ou para os países que ficassem no euro e as eventuais desvantagens para ambos, acabam por concluir que nada é certo já que, se essa hipótese se tornasse realidade, se entraria em águas nunca dantes navegadas.
A realidade é que tudo pode acontecer, desde um efeito dominó que destruiria o euro primeiro, desencadearia uma imensa crise de confiança na Europa e desagregaria a União Europeia depois, até uma estabilização relativamente rápida da UE-sem-Grécia sem desastres de maior. A verdade é que não se sabe porque nunca nada semelhante aconteceu, porque ninguém consegue prever o que farão os diferentes actores políticos e económicos caso a famosa Grexit se concretize e porque é provável que alguns desses actores não reajam da forma mais racional — tal como, neste preciso momento, a União Europeia não está a reagir de forma racional.
Todos os comentadores e todos os especialistas são prudentes, mas não o nosso primeiro-ministro que garante que uma eventual saída da Grécia não causará mossa a Portugal. A Espanha e a França estão preocupadas? Draghi e Merkel estão preocupados? Obama está preocupado? Pedro Passos Coelho não. Há algo que Passos Coelho ou a sua professora de Economia, Maria Luís Albuquerque, saibam ou estejam a ver que mais ninguém sabe ou vê? Não. Terão eles uma ideia mais precisa do que os muitos peritos que estudam isto todos os dias ou que os analistas que escrevem e reflectem sobre isto? Não. É apenas mais um exemplo do wishful thinking e da manipulação da realidade que tem dado as famosas previsões de recuperação económica e que hoje fazem um retrato radioso de Portugal, apesar da pobreza, do desemprego, da dívida crescente e da emigração. Eles acham que Portugal vai ficar bem ainda que a Grécia saia do euro. Ou melhor: secretamente, e apesar das suas profissões de fé, rezam para que a Grécia saia do euro, para que uma catástrofe inominável se abata sobre a Grécia e para que o país se enterre na fome e na miséria durante décadas, pária entre as nações, e que isso sirva de lição aos que contestam a austeridade, aos que contestam o seu governo, a todos os que se atrevem a votar à esquerda e a criticar a troika que eles amam acima de todas as coisas. O mundo receia que a UE caia, mas Passos Coelho diz que Portugal não cairá. Seria cómico se não fosse tão estúpido.
Os analistas acham que é possível que a Grécia, se sair de facto do euro, consiga usar em seu benefício o facto de voltar a usar um dracma muito desvalorizado, apostando em força nas exportações e no turismo. Outros acham pouco provável que a sua fragilizada economia pudesse aproveitar devidamente essa vantagem, nomeadamente no sector exportador. Uns estão convictos de que uma Grécia fora do euro, depois de um ou dois anos que todos são unânimes em prever como duríssimos, poderia começar a experimentar crescimentos da ordem dos 5% a 10%, levando outros países (como a Itália, a Bélgica e mesmo a França) a pensar se, afinal, não seria melhor saltar fora do euro, dando origem ao efeito dominó e ao fim do euro. Outros acham que a saída do euro e o fim da pressão dos parceiros da UE e dos credores da troika fará com que a Grécia abandone toda a disciplina orçamental e regresse a maus hábitos orçamentais e ao desgoverno total, caindo no caos.
Mas, como o prémio Nobel de Economia Paul Krugman escreveu, “o maior risco para o euro não é em caso de fracasso da Grécia mas em caso de êxito da Grécia. Imaginem que um novo dracma muito desvalorizado traga uma enchente de bebedores de cerveja britânicos para o mar Jónico e que a Grécia comece a recuperar. Isso iria encorajar grandemente aqueles que contestam a austeridade e a desvalorização interna noutros países”.
E é isto (que está longe de ser apenas a opinião de Krugman) que Passos Coelho não pode sequer sugerir. O conto moral da austeridade exige que os contestatários sejam castigados. Se ficarem no euro e se saírem do euro. Para que aprendam que as veleidades democráticas de eleger governos que não querem ser súbditos da Alemanha se pagam caras.
Esta displicência de Passos Coelho em relação à saída da Grécia é mais um sinal da falta de patriotismo demonstrada pelo Governo PSD-CDS já que, em caso de Grexit, todos sabem que a posição de Portugal ficaria particularmente fragilizada. Mas o PM não está preocupado com Portugal. Antes de mais, a Grécia deve ser castigada. Passos Coelho deitaria fogo à Grécia já se lho ordenassem. É esta a sua ideia de solidariedade europeia. Curiosamente, Krugman considera que é tão importante para a Alemanha que a Grécia fracasse se sair do euro que o economista põe mesmo a hipótese de um boicote alemão à economia grega. Passos Coelho gostaria imenso de ajudar, mas pode ser que as eleições o defenestrem antes.
jvmalheiros@gmail.com
Artigo no Público: http://www.publico.pt/mundo/noticia/atenas-ja-esta-a-arder-1699770
terça-feira, junho 16, 2015
Confiança e estabilidade para um futuro diferente
por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 16 de Junho de 2015
Crónica 22/2015
Este é um daqueles momentos históricos em que não há razão para temer correr riscos, porque o status quo representa um enorme risco.
Confiança. Estabilidade. Não é por acaso que as campanhas eleitorais, em Portugal e em outros países, batem tanto nestas teclas. Os eleitores prezam estes valores e os partidos acreditam que serão premiados nas urnas se parecerem garanti-los.
É verdade que alguns partidos falam de inovação e de rupturas, de grandes apostas e grandes reformas e conquistam uma parte do eleitorado, mas as eleições, diz o senso comum da política, “ganham-se ao centro”. Porquê? Porque é aí que estão os que podem ser ganhos, os indecisos, os que ficam no meio porque não sabem se devem ir para um lado ou para o outro. Daí que os partidos do “centrão” adoptem uma linguagem por vezes estranhamente próxima, que tenta apelar ao espírito conservador do centro. Quem está na oposição ensaia um discurso onde aparece a palavra “mudança” mas essa mudança nunca é apresentada como uma viragem brusca mas apenas como uma reorientação no sentido justo. E o partido no poder, que quer ser reeleito, usa a palavra “renovação “ ou “relançamento” que acaba por sustentar um discurso não muito diferente. E, se por acaso a oposição defender uma viragem de 180 graus, lá estará o partido no poder, usando a vantagem de jogar em casa, para a considerar aventureirista, catastrófica, jogando de novo no medo, usando a chantagem.
Mas… e quando o status quo é o desemprego, a crise financeira, o aumento dos impostos e a perda de direitos, o retrocesso, a pobreza, a degradação da democracia, a destruição da saúde e da educação, o êxodo dos jovens, uma dívida crescente, a humilhação dos pobres e a subserviência aos ricos? Será “estabilidade” a destruição das empresas, das famílias, das escolas, dos laboratórios de investigação, das poupanças e do investimento? Será que o partido no poder pode chamar “estabilidade” a esta vil tristeza, ao colaboracionismo e ao empobrecimento que promoveu? Pode, se tiver a lata suficiente para defender que os males actuais e passados foram e são rituais purificadores dos quais nascerá uma fénix, como o PSD e o compère CDS tentam fazer.
De facto, a confiança que os partidos tentam merecer é importante para os eleitores porque lhes dá uma informação sobre o que vai acontecer, com base nas garantias e nas promessas dos programas eleitorais e nas declarações dos seus dirigentes. Quanto à estabilidade que os eleitores valorizam ela não deve ser confundida com manutenção do status quo. A estabilidade que os eleitores procuram não é uma garantia de que o futuro será igual ao presente (muito menos nestes anos de chumbo) mas sim uma garantia de que haverá referências e procedimentos que serão respeitados, de que o contrato social não será rasgado nem as leis ignoradas, de que haverá honestidade e transparência, sensatez e competência. Os eleitores querem saber o que podem esperar e têm esse direito natural e constitucional.
Numa época onde caminhámos à beira do abismo e em que vimos milhares e milhares de pessoas precipitarem-se no vácuo é evidente que não queremos continuar a viver a mesma vida.
Os eleitores não querem ser enganados com a descrição de um futuro radioso que sabem que não vai acontecer. Os eleitores querem objectivos claros e justos e querem coerência, determinação, competência, honestidade. Os eleitores até suportam sacrifícios, mas querem escolher a razão por que os fazem. O que os eleitores não suportam é duplicidade.
Este é um daqueles momentos históricos em que não há razão para temer correr riscos, porque o status quo representa um enorme risco. Um momento onde é necessário e justo propor o novo. Este é um daqueles momentos em que se devem fazer escolhas e em que os eleitores percebem as escolhas e querem outra coisa.
Este é o momento em que o PS deveria ter a coragem de escolher e de apontar caminhos em vez de se dirigir ao regaço morno e seguro do centrão, onde às vezes defende a reestruturação da dívida e às vezes não, onde às vezes quer privatizar a TAP e às vezes não. Este é o momento em que a oposição pode e deve apresentar verdadeiras alternativas. Este não é o momento de adoçar a austeridade mas de recusar e combater a austeridade, em Portugal e na UE; de defender e negociar a renegociação da dívida que todos sabemos impagável, para Portugal, para a Grécia e para todos; de recusar a “parceria transatlântica” TTIP que colocará os estados da UE na mão das grandes multinacionais; de defender uma Europa de acolhimento e que não tem receio de defender a paz na cena internacional em vez de fingir que não existe guerra na Líbia nem ISIS. A crise que vivemos ensinou-nos que há muitas coisas a que é preciso dizer claramente que não e é essa a confiança e essa estabilidade que os eleitores querem. Confiança em que os políticos se baterão por um futuro justo. Estabilidade nos princípios que devem reger a acção política.
Com esta confiança e esta estabilidade, suportam-se com alegria todas as tempestades.
jvmalheiros@gmail.com
Texto publicado no jornal Público a 16 de Junho de 2015
Crónica 22/2015
Este é um daqueles momentos históricos em que não há razão para temer correr riscos, porque o status quo representa um enorme risco.
Confiança. Estabilidade. Não é por acaso que as campanhas eleitorais, em Portugal e em outros países, batem tanto nestas teclas. Os eleitores prezam estes valores e os partidos acreditam que serão premiados nas urnas se parecerem garanti-los.
É verdade que alguns partidos falam de inovação e de rupturas, de grandes apostas e grandes reformas e conquistam uma parte do eleitorado, mas as eleições, diz o senso comum da política, “ganham-se ao centro”. Porquê? Porque é aí que estão os que podem ser ganhos, os indecisos, os que ficam no meio porque não sabem se devem ir para um lado ou para o outro. Daí que os partidos do “centrão” adoptem uma linguagem por vezes estranhamente próxima, que tenta apelar ao espírito conservador do centro. Quem está na oposição ensaia um discurso onde aparece a palavra “mudança” mas essa mudança nunca é apresentada como uma viragem brusca mas apenas como uma reorientação no sentido justo. E o partido no poder, que quer ser reeleito, usa a palavra “renovação “ ou “relançamento” que acaba por sustentar um discurso não muito diferente. E, se por acaso a oposição defender uma viragem de 180 graus, lá estará o partido no poder, usando a vantagem de jogar em casa, para a considerar aventureirista, catastrófica, jogando de novo no medo, usando a chantagem.
Mas… e quando o status quo é o desemprego, a crise financeira, o aumento dos impostos e a perda de direitos, o retrocesso, a pobreza, a degradação da democracia, a destruição da saúde e da educação, o êxodo dos jovens, uma dívida crescente, a humilhação dos pobres e a subserviência aos ricos? Será “estabilidade” a destruição das empresas, das famílias, das escolas, dos laboratórios de investigação, das poupanças e do investimento? Será que o partido no poder pode chamar “estabilidade” a esta vil tristeza, ao colaboracionismo e ao empobrecimento que promoveu? Pode, se tiver a lata suficiente para defender que os males actuais e passados foram e são rituais purificadores dos quais nascerá uma fénix, como o PSD e o compère CDS tentam fazer.
De facto, a confiança que os partidos tentam merecer é importante para os eleitores porque lhes dá uma informação sobre o que vai acontecer, com base nas garantias e nas promessas dos programas eleitorais e nas declarações dos seus dirigentes. Quanto à estabilidade que os eleitores valorizam ela não deve ser confundida com manutenção do status quo. A estabilidade que os eleitores procuram não é uma garantia de que o futuro será igual ao presente (muito menos nestes anos de chumbo) mas sim uma garantia de que haverá referências e procedimentos que serão respeitados, de que o contrato social não será rasgado nem as leis ignoradas, de que haverá honestidade e transparência, sensatez e competência. Os eleitores querem saber o que podem esperar e têm esse direito natural e constitucional.
Numa época onde caminhámos à beira do abismo e em que vimos milhares e milhares de pessoas precipitarem-se no vácuo é evidente que não queremos continuar a viver a mesma vida.
Os eleitores não querem ser enganados com a descrição de um futuro radioso que sabem que não vai acontecer. Os eleitores querem objectivos claros e justos e querem coerência, determinação, competência, honestidade. Os eleitores até suportam sacrifícios, mas querem escolher a razão por que os fazem. O que os eleitores não suportam é duplicidade.
Este é um daqueles momentos históricos em que não há razão para temer correr riscos, porque o status quo representa um enorme risco. Um momento onde é necessário e justo propor o novo. Este é um daqueles momentos em que se devem fazer escolhas e em que os eleitores percebem as escolhas e querem outra coisa.
Este é o momento em que o PS deveria ter a coragem de escolher e de apontar caminhos em vez de se dirigir ao regaço morno e seguro do centrão, onde às vezes defende a reestruturação da dívida e às vezes não, onde às vezes quer privatizar a TAP e às vezes não. Este é o momento em que a oposição pode e deve apresentar verdadeiras alternativas. Este não é o momento de adoçar a austeridade mas de recusar e combater a austeridade, em Portugal e na UE; de defender e negociar a renegociação da dívida que todos sabemos impagável, para Portugal, para a Grécia e para todos; de recusar a “parceria transatlântica” TTIP que colocará os estados da UE na mão das grandes multinacionais; de defender uma Europa de acolhimento e que não tem receio de defender a paz na cena internacional em vez de fingir que não existe guerra na Líbia nem ISIS. A crise que vivemos ensinou-nos que há muitas coisas a que é preciso dizer claramente que não e é essa a confiança e essa estabilidade que os eleitores querem. Confiança em que os políticos se baterão por um futuro justo. Estabilidade nos princípios que devem reger a acção política.
Com esta confiança e esta estabilidade, suportam-se com alegria todas as tempestades.
jvmalheiros@gmail.com
terça-feira, junho 02, 2015
A solução fácil: matar o mensageiro
por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 2 de Junho de 2015
Crónica 21/2015
Os hospitais merecem melhores dirigentes e as universidades também.
Ninguém gosta de trabalhar numa organização que é acusada de ser sede de actos de corrupção, ainda que sejam “de pequena escala”. Menos ainda quando se diz que esses actos não são esporádicos, mas, pelo contrário, “permeiam toda a instituição”. É natural. Mas, quando surgem acusações desse tipo à luz do dia, seria também natural que os dirigentes da instituição em causa tentassem averiguar da sua veracidade e recolher o máximo de informação, para poder confirmar ou desmentir a acusação e resolver os problemas detectados.
Não foi essa a atitude que entendeu ter o conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, de que fazem parte os hospitais Pulido Valente e Santa Maria, quando, na semana passada, foram publicadas notícias sobre um estudo realizado para a Fundação Francisco Manuel dos Santos que punha em causa o funcionamento do Hospital de Santa Maria e o acusava de ser palco de actos do género e de estar sob a influência de “uma teia de lealdades ideológicas associadas a partidos políticos, a lojas maçónicas e a organizações católicas”.
O conselho de administração, pela boca do seu presidente, Carlos Martins, disse aos media ter recebido estas notícias com "surpresa e indignação" e esclareceu que não descartava a hipótese de processar a Fundação Francisco Manuel dos Santos pelo teor do estudo, da autoria dos investigadores Alejandro Portes, da Universidade de Princeton, e M. Margarida Marques, da Universidade Nova de Lisboa.
Carlos Martins lamentou que “se coloque em causa, perante um país, uma instituição com 60 anos", como se a idade de uma organização a devesse de alguma forma isentar de escrutínio ou lhe concedesse qualquer tipo de privilégio, e terminou insinuando que as críticas ao hospital pelo qual é responsável se poderiam inserir numa campanha política devida ao “momento politicamente mais quente que o normal” que vivemos neste ano de eleições ou a uma campanha interna devido às eleições para a direcção da Faculdade de Medicina.
O administrador poderia ter-nos dado algumas informações relevantes. Poderia ter-nos dito quantas queixas de corrupção ou de irregularidades foram investigadas e concluídas nos últimos anos, quantas sanções foram aplicadas e a quem, que tipo de procedimentos de controlo e auditoria foram adoptados nos últimos anos para os concursos de aquisição de equipamento, de promoção ou de contratação de pessoal e com que resultados, etc. Mas, sobre a matéria substantiva, o administrador preferiu nada dizer.
A referência aos 60 anos de vida do Santa Maria poderia ter algum sentido se, ao longo desse tempo de vida, a instituição tivesse sido regularmente submetida a rigorosas avaliações por entidades idóneas, sempre com excelentes resultados ao nível do desempenho clínico, financeiro e ético e este estudo viesse agora contradizer todos os anteriores. Aí, o administrador teria razão para se declarar surpreendido. Mas essa não é a realidade. Pelo contrário, o Hospital de Santa Maria sempre tem sido referido como estando envolvido numa teia de corrupção, pequena, média ou grande, que tem resistido a diferentes tentativas para a destruir. O Hospital de Santa Maria é aquele hospital que, há alguns anos, mereceu uma menção pública do ministro da Saúde a ameaças feitas à integridade física de um administrador e da sua família devido às suas tentativas para romper com essa teia de interesses e influências.
Mais: o anterior director clínico do hospital, Miguel Oliveira e Silva, demitiu-se há meses e apresentou queixas às autoridades (ainda não investigadas) devido a irregularidades na compra de material e na realização de obras no hospital. “Não estou surpreendido com as conclusões deste estudo”, foi o seu comentário.
Mais ainda: confrontado com as declarações constantes neste estudo, o bastonário da Ordem dos Médicos declarou: “Tenho dúvidas de que nos outros hospitais [a situação] seja substancialmente diferente.”
E mais ainda: Adalberto Campos Fernandes, que foi presidente do conselho de admnistração do Santa Maria até 2009, a quem foi pedido um comentário, quis apenas declarar-se “solidário com os 95% de trabalhadores da unidade” que considerou idóneos.
Ou seja: existem razões para considerar que a situação no Hospital de Santa Maria, apesar de poder ser melhor do que há dez anos, é ainda profundamente malsã, que existem ineficiências e injustiças no seu funcionamento, corrupção, privilégios de grupos e influências indevidas de interesses privados.
E é infeliz que, perante essas razões, o seu responsável máximo pretenda matar o mensageiro.
Finalmente, é igualmente infeliz que, perante a polémica, a Universidade Nova de Lisboa tenha querido vir a público afirmar que o “estudo é da exclusiva responsabilidade dos investigadores envolvidos e não reflete a posição institucional [daquela] universidade”. Por um lado, trata-se de declarar o óbvio. Mas quando uma universidade faz questão, à cautela, de se dessolidarizar de um investigador que pode ter pisados alguns calos, isso não diz bem do seu carácter. Os hospitais merecem melhores dirigentes e as universidades também.
jvmalheiros@gmail.com
Texto publicado no jornal Público a 2 de Junho de 2015
Crónica 21/2015
Os hospitais merecem melhores dirigentes e as universidades também.
Ninguém gosta de trabalhar numa organização que é acusada de ser sede de actos de corrupção, ainda que sejam “de pequena escala”. Menos ainda quando se diz que esses actos não são esporádicos, mas, pelo contrário, “permeiam toda a instituição”. É natural. Mas, quando surgem acusações desse tipo à luz do dia, seria também natural que os dirigentes da instituição em causa tentassem averiguar da sua veracidade e recolher o máximo de informação, para poder confirmar ou desmentir a acusação e resolver os problemas detectados.
Não foi essa a atitude que entendeu ter o conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, de que fazem parte os hospitais Pulido Valente e Santa Maria, quando, na semana passada, foram publicadas notícias sobre um estudo realizado para a Fundação Francisco Manuel dos Santos que punha em causa o funcionamento do Hospital de Santa Maria e o acusava de ser palco de actos do género e de estar sob a influência de “uma teia de lealdades ideológicas associadas a partidos políticos, a lojas maçónicas e a organizações católicas”.
O conselho de administração, pela boca do seu presidente, Carlos Martins, disse aos media ter recebido estas notícias com "surpresa e indignação" e esclareceu que não descartava a hipótese de processar a Fundação Francisco Manuel dos Santos pelo teor do estudo, da autoria dos investigadores Alejandro Portes, da Universidade de Princeton, e M. Margarida Marques, da Universidade Nova de Lisboa.
Carlos Martins lamentou que “se coloque em causa, perante um país, uma instituição com 60 anos", como se a idade de uma organização a devesse de alguma forma isentar de escrutínio ou lhe concedesse qualquer tipo de privilégio, e terminou insinuando que as críticas ao hospital pelo qual é responsável se poderiam inserir numa campanha política devida ao “momento politicamente mais quente que o normal” que vivemos neste ano de eleições ou a uma campanha interna devido às eleições para a direcção da Faculdade de Medicina.
O administrador poderia ter-nos dado algumas informações relevantes. Poderia ter-nos dito quantas queixas de corrupção ou de irregularidades foram investigadas e concluídas nos últimos anos, quantas sanções foram aplicadas e a quem, que tipo de procedimentos de controlo e auditoria foram adoptados nos últimos anos para os concursos de aquisição de equipamento, de promoção ou de contratação de pessoal e com que resultados, etc. Mas, sobre a matéria substantiva, o administrador preferiu nada dizer.
A referência aos 60 anos de vida do Santa Maria poderia ter algum sentido se, ao longo desse tempo de vida, a instituição tivesse sido regularmente submetida a rigorosas avaliações por entidades idóneas, sempre com excelentes resultados ao nível do desempenho clínico, financeiro e ético e este estudo viesse agora contradizer todos os anteriores. Aí, o administrador teria razão para se declarar surpreendido. Mas essa não é a realidade. Pelo contrário, o Hospital de Santa Maria sempre tem sido referido como estando envolvido numa teia de corrupção, pequena, média ou grande, que tem resistido a diferentes tentativas para a destruir. O Hospital de Santa Maria é aquele hospital que, há alguns anos, mereceu uma menção pública do ministro da Saúde a ameaças feitas à integridade física de um administrador e da sua família devido às suas tentativas para romper com essa teia de interesses e influências.
Mais: o anterior director clínico do hospital, Miguel Oliveira e Silva, demitiu-se há meses e apresentou queixas às autoridades (ainda não investigadas) devido a irregularidades na compra de material e na realização de obras no hospital. “Não estou surpreendido com as conclusões deste estudo”, foi o seu comentário.
Mais ainda: confrontado com as declarações constantes neste estudo, o bastonário da Ordem dos Médicos declarou: “Tenho dúvidas de que nos outros hospitais [a situação] seja substancialmente diferente.”
E mais ainda: Adalberto Campos Fernandes, que foi presidente do conselho de admnistração do Santa Maria até 2009, a quem foi pedido um comentário, quis apenas declarar-se “solidário com os 95% de trabalhadores da unidade” que considerou idóneos.
Ou seja: existem razões para considerar que a situação no Hospital de Santa Maria, apesar de poder ser melhor do que há dez anos, é ainda profundamente malsã, que existem ineficiências e injustiças no seu funcionamento, corrupção, privilégios de grupos e influências indevidas de interesses privados.
E é infeliz que, perante essas razões, o seu responsável máximo pretenda matar o mensageiro.
Finalmente, é igualmente infeliz que, perante a polémica, a Universidade Nova de Lisboa tenha querido vir a público afirmar que o “estudo é da exclusiva responsabilidade dos investigadores envolvidos e não reflete a posição institucional [daquela] universidade”. Por um lado, trata-se de declarar o óbvio. Mas quando uma universidade faz questão, à cautela, de se dessolidarizar de um investigador que pode ter pisados alguns calos, isso não diz bem do seu carácter. Os hospitais merecem melhores dirigentes e as universidades também.
jvmalheiros@gmail.com
segunda-feira, junho 01, 2015
Apresentação de candidatura às eleições primárias do Livre/Tempo de Avançar para as Eleições Legislativas de 2015
Apresentação pessoal
Fui jornalista durante quase toda a minha vida e continuo ainda hoje ligado à comunicação e aos media. Muita gente diz que continuo a pensar como um jornalista e é provavelmente verdade. Tenho a maldição de me interessar por demasiadas coisas e, por isso, o jornalismo, que abracei por acidente, como costuma acontecer, foi uma benção, com a sua possibilidade de saltar de tema para tema. A ciência e a política interessam-me tanto como a poesia e a filosofia. Estudei engenharia electrotécnica no Instituto Superior Técnico mas interrompi o curso quando percebi que, se ficasse, sairia de lá engenheiro. Trabalhei de 1983 a 1989 no Expresso, de onde saí (com Vicente Jorge Silva, Jorge Wemans e outros) para fundar o Público, onde estive vinte anos, desde antes do seu lançamento até 2009, e onde criei e dirigi a secção de Ciência e o site Web do jornal. Os anos em que trabalhei com Vicente Jorge Silva, no Expresso e no Público, foram os mais marcantes e mais gratificantes da minha vida profissional. Depois de deixar o jornalismo mantive a minha actividade como colunista do Público, continuei a dar aulas de comunicação na universidade e tornei-me consultor de Comunicação de Ciência (para mais detalhe consultar a minha página LinkedIn). Sempre tive a sorte de poder trabalhar em temas que me apaixonavam e com pessoas interessantes e não sei trabalhar de outra forma. Sou um amante de palavras. Gosto de ler, de escrever e de conversar. Nasci e sempre vivi em Lisboa.
Apresentação da candidatura
Após anos de austeridade e de hegemonia neoliberal, vivemos um momento em que nenhum de nós se pode eximir de contribuir para defender a causa pública. Vivemos uma época de urgência, onde estamos a fazer escolhas que vão condicionar o nosso futuro de forma profunda e precisamos de mobilizar toda a sociedade para participar nessas escolhas de forma livre e exigente. Vivemos um momento onde, pela primeira vez em séculos, os portugueses (e cidadãos de muitos outros países) não têm razão para acreditar que os seus filhos viverão melhor do que eles. O futuro aparece-nos mais negro do que o presente, com menos bem-estar, mais insegurança, menos direitos, menos democracia, mais desigualdade, mais riscos ambientais. Isto não acontece devido a um problema de escassez de recursos mas devido à supremacia de uma política que abdicou de garantir direitos iguais a todos e instituiu, perante a apatia da maioria, uma sociedade não só profundamente desigual, onde um pequeno grupo concentra cada vez mais riquezas, mas onde a própria desigualdade é apresentada como fonte de competitividade e progresso. Pelo meu lado, não aceito uma sociedade onde uma parte crescente da população não tem os direitos básicos garantidos e vive situações de grave carência material. Não aceito que uma criança não possa ser professora ou pianista apenas porque nasceu no bairro errado e na família errada. Acredito que ser de esquerda é combater essa injustiça de forma eficaz, nomeadamente através da eleição de um governo de esquerda. Apoio o Livre/Tempo de Avançar porque defendo uma esquerda que se indigna e não abdica de protestar, mas que quer governar à esquerda, construindo alianças à esquerda, com generosidade e sem sectarismos, correndo o risco da acção. Recuso a deriva neoliberal da Europa e os espartilhos jurídicos que a institucionalizam e defendo que é necessário encontrar aliados para reconstruir a UE em torno da ideia generosa e mobilizadora da solidariedade, do progresso e da liberdade.
Áreas de intervenção preferenciais
Fui jornalista durante quase toda a minha vida e continuo ainda hoje ligado à comunicação e aos media. Muita gente diz que continuo a pensar como um jornalista e é provavelmente verdade. Tenho a maldição de me interessar por demasiadas coisas e, por isso, o jornalismo, que abracei por acidente, como costuma acontecer, foi uma benção, com a sua possibilidade de saltar de tema para tema. A ciência e a política interessam-me tanto como a poesia e a filosofia. Estudei engenharia electrotécnica no Instituto Superior Técnico mas interrompi o curso quando percebi que, se ficasse, sairia de lá engenheiro. Trabalhei de 1983 a 1989 no Expresso, de onde saí (com Vicente Jorge Silva, Jorge Wemans e outros) para fundar o Público, onde estive vinte anos, desde antes do seu lançamento até 2009, e onde criei e dirigi a secção de Ciência e o site Web do jornal. Os anos em que trabalhei com Vicente Jorge Silva, no Expresso e no Público, foram os mais marcantes e mais gratificantes da minha vida profissional. Depois de deixar o jornalismo mantive a minha actividade como colunista do Público, continuei a dar aulas de comunicação na universidade e tornei-me consultor de Comunicação de Ciência (para mais detalhe consultar a minha página LinkedIn). Sempre tive a sorte de poder trabalhar em temas que me apaixonavam e com pessoas interessantes e não sei trabalhar de outra forma. Sou um amante de palavras. Gosto de ler, de escrever e de conversar. Nasci e sempre vivi em Lisboa.
Apresentação da candidatura
Após anos de austeridade e de hegemonia neoliberal, vivemos um momento em que nenhum de nós se pode eximir de contribuir para defender a causa pública. Vivemos uma época de urgência, onde estamos a fazer escolhas que vão condicionar o nosso futuro de forma profunda e precisamos de mobilizar toda a sociedade para participar nessas escolhas de forma livre e exigente. Vivemos um momento onde, pela primeira vez em séculos, os portugueses (e cidadãos de muitos outros países) não têm razão para acreditar que os seus filhos viverão melhor do que eles. O futuro aparece-nos mais negro do que o presente, com menos bem-estar, mais insegurança, menos direitos, menos democracia, mais desigualdade, mais riscos ambientais. Isto não acontece devido a um problema de escassez de recursos mas devido à supremacia de uma política que abdicou de garantir direitos iguais a todos e instituiu, perante a apatia da maioria, uma sociedade não só profundamente desigual, onde um pequeno grupo concentra cada vez mais riquezas, mas onde a própria desigualdade é apresentada como fonte de competitividade e progresso. Pelo meu lado, não aceito uma sociedade onde uma parte crescente da população não tem os direitos básicos garantidos e vive situações de grave carência material. Não aceito que uma criança não possa ser professora ou pianista apenas porque nasceu no bairro errado e na família errada. Acredito que ser de esquerda é combater essa injustiça de forma eficaz, nomeadamente através da eleição de um governo de esquerda. Apoio o Livre/Tempo de Avançar porque defendo uma esquerda que se indigna e não abdica de protestar, mas que quer governar à esquerda, construindo alianças à esquerda, com generosidade e sem sectarismos, correndo o risco da acção. Recuso a deriva neoliberal da Europa e os espartilhos jurídicos que a institucionalizam e defendo que é necessário encontrar aliados para reconstruir a UE em torno da ideia generosa e mobilizadora da solidariedade, do progresso e da liberdade.
Áreas de intervenção preferenciais
Democracia. Políticas sociais. Educação. Investigação.
Como pensa interagir com os eleitores?
Encontros regulares com os cidadãos (presenciais e via web). Absoluta transparência na informação sobre toda a actividade parlamentar, decisões e votações. Utilização das redes sociais online para debate com cidadãos.
Círculos pelos quais concorre: Círculo de Lisboa
Como pensa interagir com os eleitores?
Encontros regulares com os cidadãos (presenciais e via web). Absoluta transparência na informação sobre toda a actividade parlamentar, decisões e votações. Utilização das redes sociais online para debate com cidadãos.
Círculos pelos quais concorre: Círculo de Lisboa
Facebook: https://www.facebook.com/jvmalheiros
Site pessoal ou blog: http://versaletes.blogspot.pt/
Proponentes de José Vítor Malheiros
terça-feira, maio 26, 2015
Maioria qualificada e o risco do centrão eterno
por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 26 de Maio de 2015
Crónica 20/2015
No limite, um governo pode ver-se obrigado a cumprir o programa do governo anterior.
A proposta do PS de tornar obrigatória a aprovação parlamentar, por maioria qualificada de 2/3, dos programas plurianuais de investimento em obras públicas parece nascer de uma preocupação genuinamente democrática.
De facto, apesar de o Parlamento (e, por consequência, o governo) ser eleito por um período de quatro anos, acontece que é possível a um governo, ainda que não disponha sequer de maioria absoluta, assumir compromissos de longo prazo em nome do Estado que se alarguem para além do limite temporal da legislatura em que foram eleitos e condicionem a liberdade de acção dos governos subsequentes. Não só esses governos seguintes são obrigados a respeitar compromissos financeiros ou outros assumidos por governos anteriores, como esses compromissos absorvem recursos que o governo em funções não pode usar para executar os programas próprios. No limite, um governo pode assim ver-se obrigado a cumprir o programa do governo anterior e impedido de cumprir o seu, defraudando deste modo as legítimas aspirações do povo soberano e invertendo a própria lógica da escolha democrática. Coloca-se assim um problema que se poderia classificar como de “abuso de confiança” e “abuso de poder”, já que cada governo é eleito para governar apenas quatro anos e não esses e mais uns quantos depois desses.
Isto não é uma excepção: é a regra. Todos os governos assumem nos seus actos de gestão compromissos plurianuais que obrigam governos subsequentes. Só que, como este jogo tem vencedores alternados, há usualmente entre eles uma aceitação tácita deste abuso territorial, que às vezes beneficia uns e outras vezes outros.
Isto não acontece apenas nos grandes investimentos. A produção legislativa é igualmente plurianual, feita sem limite temporal. Só que existe uma enorme diferença entre uma lei e um contrato: é fácil mudar a lei, mas é quase impossível alterar o contrato que ela permitiu. A lei protege o contrato, ainda que não se proteja a si própria. Mesmo que seja alterada a lei ao abrigo da qual um contrato foi celebrado, este permanece válido na generalidade dos casos.
Esta superprotecção que a lei confere aos contratos (e acordos, e tratados) tem boas razões para existir, pois tem como objectivo proteger a confiança sem a qual a vida em sociedade seria problemática, mas cria na realidade bolsas de protecção jurídica que permitem que certos actos iníquos escapem, durante longos períodos de tempo, ao escrutínio da política. Veja-se o que acontece aos tratados da União Europeia, assinados por governos em nome dos Estados-membros da UE sem discussão interna e sem um processo democrático prévio, mas que aprisionam no seu espartilho jurídico as vontades dos povos desses países, de facto pouco ou nada soberanos.
Percebe-se bem a preocupação do PS. Como se percebe bem quando se pensa nas parcerias público-privadas celebradas em nome do Estado português (tanto por governos do PS como do PSD), e cuja vigência se estende por vezes por períodos de 30 e 40 anos, com rendimentos garantidos à custa do erário público e sem riscos para as empresas amigas que deles beneficiaram. Ou dos contratos swap, com os mesmos resultados e uma protecção jurídica semelhante.
Porém, se a preocupação do PS parece legítima, há outras considerações que se devem fazer: porquê obrigar a uma aprovação por maioria qualificada apenas as obras públicas? Por que não também as medidas no âmbito da Justiça e das privatizações, como propôs Álvaro Beleza? Ou as políticas de Educação? Ou todas?
É evidente que há matérias em relação às quais deveria ser necessário um consenso alargado (para além da Constituição, que representa esse papel por excelência). Não apenas o consenso dos suspeitos do costume, mas um consenso tão alargado quanto possível — e é também para isso que o Parlamento deveria servir. Não é legítimo que um governo, apenas porque goza de uma maioria provisória, assine um contrato ruinoso que obrigue o Estado durante 40 anos. Mas obrigar demasiadas decisões a maiorias qualificadas pode ter como consequência a paralisia de um governo ou, o que seria ainda pior, a criação de um centrão eterno, em que todas as decisões seriam tomadas e negociadas e objecto de contrapartidas mútuas entre os maiores partidos, porque os colocaria a ambos nas mãos um do outro. A política precisa de consensos, mas precisa iguamente de confronto, de contraditório, de debate, de discussão, de alternativas, de escolhas. A democracia é o regime da escolha livre entre diferentes alternativas e, se não for isso, não será nada. A escolha de um governo ou de um partido deve ser a escolha de algo, em detrimento de outra coisa. Obrigar um partido a diluir a sua identidade, as suas propostas, em nome do consenso ou da maioria qualificada não é, por princípio, a melhor opção, porque reduz de facto o leque de escolhas e, sendo assim, empobrece a democracia.
As outras propostas do PS neste mesmo domínio (transparência, discussão pública, recurso a organizações científicas) parecem muito mais eficazes, do ponto de vista do aprofundamento da democracia, do que esta maioria qualificada.
jvmalheiros@gmail.com
Texto publicado no jornal Público a 26 de Maio de 2015
Crónica 20/2015
No limite, um governo pode ver-se obrigado a cumprir o programa do governo anterior.
A proposta do PS de tornar obrigatória a aprovação parlamentar, por maioria qualificada de 2/3, dos programas plurianuais de investimento em obras públicas parece nascer de uma preocupação genuinamente democrática.
De facto, apesar de o Parlamento (e, por consequência, o governo) ser eleito por um período de quatro anos, acontece que é possível a um governo, ainda que não disponha sequer de maioria absoluta, assumir compromissos de longo prazo em nome do Estado que se alarguem para além do limite temporal da legislatura em que foram eleitos e condicionem a liberdade de acção dos governos subsequentes. Não só esses governos seguintes são obrigados a respeitar compromissos financeiros ou outros assumidos por governos anteriores, como esses compromissos absorvem recursos que o governo em funções não pode usar para executar os programas próprios. No limite, um governo pode assim ver-se obrigado a cumprir o programa do governo anterior e impedido de cumprir o seu, defraudando deste modo as legítimas aspirações do povo soberano e invertendo a própria lógica da escolha democrática. Coloca-se assim um problema que se poderia classificar como de “abuso de confiança” e “abuso de poder”, já que cada governo é eleito para governar apenas quatro anos e não esses e mais uns quantos depois desses.
Isto não é uma excepção: é a regra. Todos os governos assumem nos seus actos de gestão compromissos plurianuais que obrigam governos subsequentes. Só que, como este jogo tem vencedores alternados, há usualmente entre eles uma aceitação tácita deste abuso territorial, que às vezes beneficia uns e outras vezes outros.
Isto não acontece apenas nos grandes investimentos. A produção legislativa é igualmente plurianual, feita sem limite temporal. Só que existe uma enorme diferença entre uma lei e um contrato: é fácil mudar a lei, mas é quase impossível alterar o contrato que ela permitiu. A lei protege o contrato, ainda que não se proteja a si própria. Mesmo que seja alterada a lei ao abrigo da qual um contrato foi celebrado, este permanece válido na generalidade dos casos.
Esta superprotecção que a lei confere aos contratos (e acordos, e tratados) tem boas razões para existir, pois tem como objectivo proteger a confiança sem a qual a vida em sociedade seria problemática, mas cria na realidade bolsas de protecção jurídica que permitem que certos actos iníquos escapem, durante longos períodos de tempo, ao escrutínio da política. Veja-se o que acontece aos tratados da União Europeia, assinados por governos em nome dos Estados-membros da UE sem discussão interna e sem um processo democrático prévio, mas que aprisionam no seu espartilho jurídico as vontades dos povos desses países, de facto pouco ou nada soberanos.
Percebe-se bem a preocupação do PS. Como se percebe bem quando se pensa nas parcerias público-privadas celebradas em nome do Estado português (tanto por governos do PS como do PSD), e cuja vigência se estende por vezes por períodos de 30 e 40 anos, com rendimentos garantidos à custa do erário público e sem riscos para as empresas amigas que deles beneficiaram. Ou dos contratos swap, com os mesmos resultados e uma protecção jurídica semelhante.
Porém, se a preocupação do PS parece legítima, há outras considerações que se devem fazer: porquê obrigar a uma aprovação por maioria qualificada apenas as obras públicas? Por que não também as medidas no âmbito da Justiça e das privatizações, como propôs Álvaro Beleza? Ou as políticas de Educação? Ou todas?
É evidente que há matérias em relação às quais deveria ser necessário um consenso alargado (para além da Constituição, que representa esse papel por excelência). Não apenas o consenso dos suspeitos do costume, mas um consenso tão alargado quanto possível — e é também para isso que o Parlamento deveria servir. Não é legítimo que um governo, apenas porque goza de uma maioria provisória, assine um contrato ruinoso que obrigue o Estado durante 40 anos. Mas obrigar demasiadas decisões a maiorias qualificadas pode ter como consequência a paralisia de um governo ou, o que seria ainda pior, a criação de um centrão eterno, em que todas as decisões seriam tomadas e negociadas e objecto de contrapartidas mútuas entre os maiores partidos, porque os colocaria a ambos nas mãos um do outro. A política precisa de consensos, mas precisa iguamente de confronto, de contraditório, de debate, de discussão, de alternativas, de escolhas. A democracia é o regime da escolha livre entre diferentes alternativas e, se não for isso, não será nada. A escolha de um governo ou de um partido deve ser a escolha de algo, em detrimento de outra coisa. Obrigar um partido a diluir a sua identidade, as suas propostas, em nome do consenso ou da maioria qualificada não é, por princípio, a melhor opção, porque reduz de facto o leque de escolhas e, sendo assim, empobrece a democracia.
As outras propostas do PS neste mesmo domínio (transparência, discussão pública, recurso a organizações científicas) parecem muito mais eficazes, do ponto de vista do aprofundamento da democracia, do que esta maioria qualificada.
jvmalheiros@gmail.com
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