quarta-feira, outubro 28, 2015

Especialistas e não-especialistas (Post no Facebook - 27 Outubro 2015)

Post publicado no Facebook, no mural de Eduardo Rego - 27 Outubro 2015
(https://www.facebook.com/eduardo.rego.52)

Quero fazer um comentário ao seu comentário ao meu comentário a um post do Jorge Buescu e sei que posso confiar na sua abertura para esta discussão. Quando fala da "forma demasiado assertiva, cheia de certezas, que algumas pessoas não especialistas exibem" quando falam sobre economia ou direito (ou outro assunto qualquer) conhecendo muito pouco da matéria em causa, e se depreende a sua incomodidade ou irritação por esse facto, todos sabemos de que fala. Pode de facto ser muito irritante ouvir alguém que tem apenas um conhecimento superficial de um assunto pretender apresentar-se como um profundo conhecedor.
Mas gostaria de fazer algumas observações sobre este ponto:
1- Penso que essa situação é rara. Receio que o que aconteça com frequência, é que, ao ouvirmos alguém falar em público sobre uma questão qualquer e exprimir a sua opinião (sobre a constitucionalidade da formação deste ou daquele governo, por exemplo), consideramos, de forma apressada, que essa pessoa pretende “armar em especialista” quando está apenas a exprimir uma opinião como cidadão ou como comentador generalista. Todos, leigos e especialistas, têm direito a ter, exprimir e defender a sua opinião e fazê-lo, mesmo de forma demasiado assertiva, não significa pretender assumir um estatuto que não se possui. A opinião de uma pessoa leiga, sensata e com um conhecimento superficial da Constituição (para prosseguir com o exemplo que escolhi), não é menos válida que a de um constitucionalista para o debate público - para nos ajudar a considerar várias possibilidades e pensar sobre elas como cidadãos. Digo acima que “receio” porque, implícito naquele julgamento, que fazemos com frequência, está a ideia de que apenas os especialistas devem comentar certos assuntos. Assim, ao ouvirmos um jornalista ou um empresário falar sobre a Constituição, podemos dizer, com demasiada leviandade, que está a “armar em especialista” quando está apenas a fazer o que, como cidadão e como profissional, lhe compete.
Dito de outra forma: acho que estamos, como sociedade, pouco habituados ao exercício da cidadania e ainda achamos demasiado estranho o facto de um simples cidadão, não -especialista, comentar um assunto da esfera social/política/jurídica/económica. Temos dificuldade para lhe reconhecer idoneidade para o fazer, como simples cidadão. No entanto, não existem peritos em cidadania que tenham, sobre esta questão, maior autoridade que todas as outras pessoas.
2 - É verdade que há não-especialistas que falam de "forma demasiado assertiva, cheia de certezas" e que isso pode ser irritante. Mas a mesma coisa acontece, exactamente nos mesmos termos, com os especialistas. Penso que isso acontece até com muito mais frequência entre os especialistas do que entre os não-especialistas e que isso é, não só mais frequente, mas muito mais perigoso. Pode dizer-se “Ah… mas os especialistas têm autoridade para o fazer, porque eles conhecem o assunto de que falam”. Se estivermos a referir-nos a factos sobre genética ou sobre sismos, isso pode ser verdade. Mas certamente que não é (ou apenas raramente o é) quando se fala de política económica ou da interpretação das leis, para prosseguir com o mesmo exemplo.
Penso mesmo que um dos maiores problemas políticos actuais (e, secundariamente, um sério problema de ética científica) é o facto de termos a paisagem mediática invadida por especialistas, técnicos, investigadores, professores, pessoas academicamente certificadas como peritos mas na realidade alinhadas com os poderes que, abusando da sua posição de especialistas e apresentando-se sob a pele de sábios independentes, confundem propositadamente factos com opinião e defendem posições sectárias, por vezes profundamente polémicas e ideológicamente extremas, apresentando-as como “factos científicos” indiscutíveis e consensuais e sustentando assim a famosa TINA.
Basta ouvir um painel de politólogos para perceber do que estou a falar.
Penso que é muito mais pernicioso para a sociedade que o especialista “se arme em especialista” para servir interesses particulares que não revela ou para defender a posição de uma facção política do que que o sindicalista “se arme” em constitucionalista para servir uma posição que é publicamente assumida e que todos sabemos qual é.
3 - As questões de economia ou de direito (ou de defesa, ou de ordenamento do território ou…) têm, evidentemente, um enorme conteúdo técnico, mas são essencialmente questões políticas, de cidadania, que todos devemos discutir e temos capacidade para discutir. Os especialistas de todas essas áreas tem uma responsabilidade maior nessa discussão, deveres mais exigentes, porque devem fornecer toda a informação possível à sociedade (e “informação” inclui dar a conhecer as diferentes opiniões e os debates em curso) mas não possuem nenhum direito particular. As decisões sobre todas estas questões são de ordem política e, para definir o tipo de sociedade que queremos, todos somos especialistas, em pé de igualdade.

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