Por José Vítor Malheiros
Apresentação do boletim de vacinação ou da declaração da oposição dos pais à vacina deveria ser obrigatória no acto de matrícula escolar.
21 Abr 2017 - Crónica no Jornal Económico/3
Entre 1987 e 1989 ocorreram em Portugal 12 mil casos de sarampo, 30 dos quais mortais. Em 2016, a OMS declarou a doença erradicada em Portugal.
A razão da erradicação da doença? A generalização da vacina gratuita e a sua inclusão no Programa Nacional de Vacinação.
Na passada quarta-feira, morreu uma adolescente com sarampo internada num hospital de Lisboa. E os dados da Direcção-Geral de Saúde indicam que houve, nos primeiros quatro meses de 2017, mais casos de sarampo em Portugal (23 casos confirmados) que nos dez anos anteriores. O panorama é semelhante noutros países.
A razão do regresso da doença? A ausência de vacinação causada pelo desleixo ou ignorância dos pais e por um movimento crescente de pessoas que são contra a vacinação (a do sarampo e a vacinação em geral) por considerarem que ela é perigosa ou desnecessária. Uma das principais razões da oposição destes pais à vacinação dos seus filhos é um falso artigo científico publicado em 1998 na prestigiada revista médica The Lancet por um médico britânico, Andrew Wakefield, onde este declarava que a vacina tríplice que tantos de nós tomámos na infância (contra o sarampo, papeira e rubéola) causava autismo. O artigo era comprovadamente fraudulento e foi retirado pela revista, mas continua hoje a ser citado como verdadeiro por muitos dos críticos das vacinas.
O reaparecimento do sarampo e o receio de que a mesma coisa possa acontecer com outras doenças actualmente erradicadas graças à vacinação fez reaparecer o debate sobre a necessidade e a legitimidade de tornar a vacinação obrigatória (não o é em Portugal) com oponentes da obrigatoriedade a invocar o argumento da liberdade individual e os seus defensores a invocar a defesa da saúde pública e o dever da sociedade de proteger as crianças da negligência ou ignorância dos pais.
Não tenho dúvidas sobre a legitimidade do recurso à obrigatoriedade da vacinação (ou “quase obrigatoriedade”, através da sua exigência para efeitos de frequência da escola pública e outros serviços), pelas razões referidas, que são as mesmas que nos levam a decretar outras medidas compulsivas de protecção das crianças, mesmo contra a vontade dos pais. No entanto, antes de chegar a esse ponto, penso que é razoável explorar o modelo actual de não obrigatoriedade, que se tem revelado eficaz e não levanta qualquer dúvida quanto à sua legitimidade.
É necessário no entanto que o modelo seja de facto reforçado, com mais informação disponibilizada aos pais e à população e com, por exemplo, a real obrigatoriedade de apresentação do boletim de vacinação ou da declaração da oposição dos pais à vacina no acto de matrícula escolar.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
Link para o artigo no site do Jornal Económico: http://www.jornaleconomico.sapo.pt/noticias/vacinacao-obrigar-ou-pressionar-148984
sexta-feira, abril 21, 2017
sexta-feira, abril 07, 2017
Uma estratégia ambiciosa para 2023 - Crónica no Jornal Económico
Por José Vítor Malheiros
É pela forma como vivem os seus elementos mais desprotegidos que devemos avaliar a qualidade de uma sociedade.
7 Abr 2017 - Crónica no Jornal Económico/2
O grau de desenvolvimento de uma sociedade não se avalia pela forma como vivem os seus elementos mais afortunados. Os ricos vivem bem em todos os países do mundo e têm sempre acesso a todas as comodidades que a civilização produz. E também não se avalia por indicadores de bem-estar médio, que escondem desigualdades gritantes. É pela forma como vivem os seus elementos mais desprotegidos que devemos avaliar a qualidade de uma sociedade. E isto é assim porque os direitos que uma sociedade democrática visa garantir não se destinam apenas a um grupo de pessoas, nem sequer à maioria das pessoas, mas a todas as pessoas sem excepção. Uma sociedade que não garante a dignidade a todos os seus elementos é uma sociedade que não garante a dignidade de ninguém.
Tornou-se um lugar-comum dizer que a erradicação da pobreza é uma tarefa impossível, mas o que queremos dizer quando dizemos isso é apenas que a erradicação da pobreza não constitui uma prioridade da nossa política e que preferimos gastar o nosso tempo, recursos e empenho noutras coisas. Os desvalidos não possuem uma capacidade reivindicativa e de auto-organização que lhes permita garantir a defesa dos seus direitos e interesses e, por isso, raramente surgem no radar da política e dos media. Assim, paradoxalmente, os problemas que afectam de forma mais dramática a vida das pessoas são com excessiva frequência esquecidos da política. E, no entanto, é para isso que ela existe. Para organizar a nossa vida colectiva e para solucionar os problemas sociais que enfrentamos. Haverá algum problema mais urgente, para uma família que não tenha casa e que durma na rua, que resolver o seu problema de habitação? Todos os outros problemas (saúde, educação, segurança, emprego, auto-estima) dependem da solução do primeiro para poderem ser resolvidos por sua vez. A única razão para não atribuirmos uma alta prioridade à resolução do problema dos sem-abrigo é o facto de ele não nos afectar a nós, aos que podemos influenciar a tomada de decisões colectivas. Mas o problema é resolúvel, com uma combinação de acções a nível nacional e local.
Este mês, o Governo deverá divulgar e colocar em discussão a sua Estratégia Nacional de Integração de Pessoas Sem-Abrigo (ENIPSA 2017-2023), que deverá retomar o plano anterior (2009-2015) cuja implementação a nível nacional foi suspensa em 2013 pelo governo anterior. Seria positivo que a nova ENIPSA definisse como seu objectivo não apenas a mitigação mas o fim da tragédia dos sem-abrigo e disponibilizasse os instrumentos necessários para o fazer.
Haverá em Portugal 5.000 a 10.000 sem-abrigo. Seria uma bela vitória para um governo apoiado pela esquerda que, em 2023, não houvesse nenhum.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
É pela forma como vivem os seus elementos mais desprotegidos que devemos avaliar a qualidade de uma sociedade.
7 Abr 2017 - Crónica no Jornal Económico/2
O grau de desenvolvimento de uma sociedade não se avalia pela forma como vivem os seus elementos mais afortunados. Os ricos vivem bem em todos os países do mundo e têm sempre acesso a todas as comodidades que a civilização produz. E também não se avalia por indicadores de bem-estar médio, que escondem desigualdades gritantes. É pela forma como vivem os seus elementos mais desprotegidos que devemos avaliar a qualidade de uma sociedade. E isto é assim porque os direitos que uma sociedade democrática visa garantir não se destinam apenas a um grupo de pessoas, nem sequer à maioria das pessoas, mas a todas as pessoas sem excepção. Uma sociedade que não garante a dignidade a todos os seus elementos é uma sociedade que não garante a dignidade de ninguém.
Tornou-se um lugar-comum dizer que a erradicação da pobreza é uma tarefa impossível, mas o que queremos dizer quando dizemos isso é apenas que a erradicação da pobreza não constitui uma prioridade da nossa política e que preferimos gastar o nosso tempo, recursos e empenho noutras coisas. Os desvalidos não possuem uma capacidade reivindicativa e de auto-organização que lhes permita garantir a defesa dos seus direitos e interesses e, por isso, raramente surgem no radar da política e dos media. Assim, paradoxalmente, os problemas que afectam de forma mais dramática a vida das pessoas são com excessiva frequência esquecidos da política. E, no entanto, é para isso que ela existe. Para organizar a nossa vida colectiva e para solucionar os problemas sociais que enfrentamos. Haverá algum problema mais urgente, para uma família que não tenha casa e que durma na rua, que resolver o seu problema de habitação? Todos os outros problemas (saúde, educação, segurança, emprego, auto-estima) dependem da solução do primeiro para poderem ser resolvidos por sua vez. A única razão para não atribuirmos uma alta prioridade à resolução do problema dos sem-abrigo é o facto de ele não nos afectar a nós, aos que podemos influenciar a tomada de decisões colectivas. Mas o problema é resolúvel, com uma combinação de acções a nível nacional e local.
Este mês, o Governo deverá divulgar e colocar em discussão a sua Estratégia Nacional de Integração de Pessoas Sem-Abrigo (ENIPSA 2017-2023), que deverá retomar o plano anterior (2009-2015) cuja implementação a nível nacional foi suspensa em 2013 pelo governo anterior. Seria positivo que a nova ENIPSA definisse como seu objectivo não apenas a mitigação mas o fim da tragédia dos sem-abrigo e disponibilizasse os instrumentos necessários para o fazer.
Haverá em Portugal 5.000 a 10.000 sem-abrigo. Seria uma bela vitória para um governo apoiado pela esquerda que, em 2023, não houvesse nenhum.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
Link para o artigo no site do Jornal Económico: http://www.jornaleconomico.sapo.pt/noticias/uma-estrategia-ambiciosa-para-2023-143622
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