Texto publicado no jornal Público a 29 de Abril de 2015
Crónica 16/2015
Onde estão os políticos europeus que defendem algo de que nos possamos orgulhar?
“Demasiado pouco, demasiado tarde.” É cada vez mais frequente termos de dizer isto da acção de um Estado, da acção dos governantes.
Pelo menos sempre que se trata de promover a paz e o desenvolvimento; de promover a cooperação internacional; de combater a fome, a pobreza e a desigualdade; de investir na educação, na cultura e na ciência; de proteger o ambiente; de garantir a defesa da liberdade, da democracia e dos direitos humanos. E é cada vez mais frequente, tristemente frequente, sermos obrigados a dizer isto da acção da União Europeia, dessa União Europeia que nos seduziu com sonhos de solidariedade e que gosta de se proclamar campeã dos direitos humanos mas que nos envergonha todos os dias com a sua demissão dos mais elementares deveres perante os mais fracos, com a sua cupidez em favor dos mais ricos, com a sua pusilanimidade perante os mais fortes.
A reunião de quinta-feira passada do Conselho Europeu, onde em teoria os 28 Estados-membros da União Europeia tomaram medidas para evitar a catástrofe humanitária dos refugiados que atravessam o Mediterrâneo para tentar chegar à Europa, é apenas mais um de uma longa lista de lamentáveis exemplos de demissão.
“Demasiado pouco, demasiado tarde.” Às vezes quase nada, tarde demais. Quase sempre medidas para dar títulos de jornal apaziguadores, mas que não atacam as raízes dos problemas e apenas permitem descansar as consciências dos menos exigentes.
Onde estão os políticos europeus que defendem algo de que nos possamos orgulhar? Desapareceram. Mesmo quando parecem existir num dado momento, desintegram-se ao chegar ao primeiro Conselho Europeu. A União Europeia dissolve toda a ideia política e apenas deixa negócios com um cheiro de enxofre no ar.
Onde estão os políticos europeus que defendem essa ideia de uma Europa da solidariedade, dos direitos e do progresso e que têm a coragem de a traduzir em medidas políticas? Que agem por imperativo de consciência, que agem mesmo quando não é possível contentar todos, que não esperam pelos mediapara saber o que devem pensar, que têm convicções que não os envergonham, que não têm medo de desagradar a essa extrema-direita para onde estão a ir tantos votos? Estarão todos mortos? Estarão todos nos partidos emergentes que ainda não chegaram ao poder? Ou estará a vontade política a concentrar-se apenas nos partidos xenófobos da extrema-direita? Será o condomínio fechado com os pobres a tentar escalar o muro o único sonho possível nesta Europa de banqueiros-piratas e de políticos-mordomos?
As medidas tomadas no último Conselho Europeu não são apenas poucas e tardias. São uma vergonha e são ineficazes.
União Europeia triplica orçamento da missão de vigilância do Mediterrâneo, titulava este jornal. Parece bom. Só que as notícias explicam que a “triplicação” da UE fica aquém do orçamento que, no ano passado, a Itália sozinha atribuía às operações de salvamento de refugiados no Mediterrâneo, com a operação Mare Nostrum, terminada em Outubro de 2014 porque a UE não a quis apoiar.
A UE quer reduzir a má imprensa mas sem mexer uma palha, gastando pouco e fazendo menos. O objectivo da maior parte dos países europeus, como o Governo de David Cameron dizia sem vergonha até há pouco, é que continuem a morrer imigrantes em massa no Mediterrâneo, para que a Europa não se torne mais atraente para os que ficam. O abjecto fraseado britânico afirma que o alargamento das operações de salvamento no Mediterrâneo constitui um “pull factor” que encoraja a imigração clandestina para a UE. “Pull factor”. Não se devem salvar pessoas porque isso constitui um “pull factor”. Nem vale a pena argumentar que quando se suspendeu oMare Nostrum a imigração aumentou. Não vale a pena tentar explicar que aquelas crianças que morrem afogadas no Mediterrâneo são de carne e osso como os filhos do senhor Cameron, que a morte de cada um deles é tão trágica como foi a morte do primogénito do senhor Cameron, que cada um deles vale o mesmo que cada um dos nossos filhos. Seria melhor matá-los à vista para os desanimar de virem? A Europa deve condenar à morte as famílias cujos pais querem proporcionar uma vida decente aos seus filhos?
A UE, se tivesse um mínimo de decência ou de vergonha, deveria reconhecer a importância de realizar as necessárias operações de salvamento no Mediterrâneo e não apenas ao longo das suas costas. Deveria discutir seriamente (em casa e com os seus vizinhos de África e do Médio Oriente) uma política de imigração que não deveria ser outra coisa senão generosa e pôr em prática as ferramentas necessárias para fornecer os devidos vistos a refugiados políticos e económicos. E deveria construir uma verdadeira política externa que apoiasse os esforços em prol da pacificação dos países em guerra e do desenvolvimento dos países mais pobres. Devia. Seria uma política externa de que nos poderíamos orgulhar, justa, exaltante e mobilizadora. Mas esta é uma UE da qual não se pode sequer esperar decência.
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