Texto publicado no jornal Público a 7 de Abril de 2015
Crónica 13/2015
O que é inaceitável não é que o gestor de conta defenda apenas os interesses do banco. O que é inaceitável é que o faça dizendo que defende os interesses do cliente.
Tive durante muitos anos no meu banco, como muitos milhares de portugueses, um “gestor de conta” que acompanhava a minha “actividade financeira”, me “informava” sobre os diferentes serviços que o banco me podia disponibilizar e me “aconselhava” sobre os “melhores investimentos” que eu poderia fazer. Isto vai tudo entre aspas porque nem a pessoa em causa geria fosse o que fosse, nem nunca me deu qualquer informação minimamente fiável, nem me disse alguma vez qualquer coisa que pudesse ser considerado um conselho e, pelo meu lado, também nunca tive qualquer actividade financeira digna desse nome.
A razão para não identificar aqui o banco em questão é que tudo o que digo sobre o meu banco e o meu “gestor de conta” pode ser dito a propósito de qualquer outro banco e qualquer outro “gestor de conta”. Não se trata de um problema do meu banco, mas de um problema da banca.
Tenho, da experiência com os vários “gestores de conta” que já passaram pela minha conta, um extenso anedotário. Mas, para o que interessa aqui, quero apenas contar um episódio, relativo a um momento em que decidi usar uma quantia que tinha recebido para amortizar uma hipoteca que tinha contraído para compra de casa e em que pedi ao meu gestor de conta (dispenso as aspas, mas elas estão lá) que desse andamento ao meu pedido. Para minha surpresa, ele tentou dissuadir-me a fazer a amortização e pediu uma oportunidade para me apresentar as alternativas. As alternativas eram, simplesmente, investir na bolsa e comprar acções do próprio banco, que ele me garantia que eram um melhor investimento. Foi preciso alguma insistência da minha parte para ele conceder que, de facto, não estava em condições de me dar qualquer garantia de que a compra de títulos seria mais rentável para mim do que a amortização da minha dívida. Mas foi mais do que isso: a existência de um risco, associado à flutuação do valor dos títulos, em momento nenhum apareceu no seu discurso. O subtexto da sua argumentação era claro: só pessoas muito estúpidas é que amortizam as suas dívidas, porque essa opção não lhes permite habilitarem-se aos ganhos extraordinários que a bolsa permite e não lhes permite disporem de liquidez para fazer um investimento se, por acaso, ele lhes aparecer ao dobrar uma esquina. “Nesse caso”, dizia ele, “vai ter de nos pedir novo empréstimo e as condições podem ser muito piores”. “Sim, mas pode acontecer que as condições até sejam melhores, não é?”, dizia eu. “E, de qualquer forma, se investir em acções e quiser vender de um momento para o outro, também posso ter perdas consideráveis.”
Este jogo durou alguns dias, com várias conversas telefónicas e presenciais com o gestor de conta. A dada altura, tentou convencer-me a comprar títulos de um dado fundo de investimento que me apresentou como sendo extremamente seguro. Quando lhe perguntei que investimentos faria esse fundo com o meu dinheiro, respondeu-me que investiria na bolsa. “Em que títulos? De que empresas? Em que países?” Quando percebeu que eu queria saber exactamente que investimentos seriam feitos com o meu dinheiro, sorriu como se fosse a coisa mais idiota que já tinha ouvido. “Não se pode saber onde é que eles investem. O dinheiro circula”, disse, divertido.
Acabei por fazer, de facto, a amortização da minha hipoteca, mas percebi que, para alguém com menos determinação e menos capacidade de argumentação, pode ser difícil resistir à pressão de um gestor de conta.
Tudo isto vem a propósito do caso dos clientes defraudados pelo BES e que foram convidados, pressionados ou obrigados a comprar papel comercial de empresas do GES, com o Banco de Portugal, então como agora, a assobiar para o lado. Muitos não sabiam sequer que o tinham comprado e pensavam ter feito um mero depósito a prazo no BES (o que configura uma situação de abuso de confiança), outros tê-lo-ão comprado fiados em garantias dadas pelos seus gestores de conta (as aspas ainda lá estão).
A questão é que todos os bancos mentem quando afirmam que os gestores de conta existem para defender os interesses dos clientes. Só que há muita gente que acredita nessa mentira. Os gestores de conta têm como únicos objectivos defender os interesses do banco e os seus próprios (muitas destas operações geram comissões e bónus). São vendedores de produtos bancários para quem, de uma forma geral, a situação financeira dos clientes é indiferente e não influi de forma alguma na sua avaliação profissional.
O que é inaceitável não é que o gestor de conta defenda apenas os interesses do banco. O que é inaceitável é que o faça dizendo que defende os interesses do cliente.
O que deve mudar? Alertar os clientes para o verdadeiro papel dos gestores de conta. O Banco de Portugal deveria obrigar os bancos a incluir, em todas as mensagens de email e cartas, na parede dos cubículos onde os clientes são recebidos e sobre as secretárias dos gestores de conta, um aviso como os que alertam contra os perigos do tabaco ou do álcool: “ATENÇÃO: O gestor de conta defende os interesses do banco. Seguir os seus conselhos pode prejudicar seriamente as suas finanças”.
jvmalheiros@gmail.com
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