por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 2 de Junho de 2015
Crónica 21/2015
Os hospitais merecem melhores dirigentes e as universidades também.
Ninguém gosta de trabalhar numa organização que é acusada de ser sede de actos de corrupção, ainda que sejam “de pequena escala”. Menos ainda quando se diz que esses actos não são esporádicos, mas, pelo contrário, “permeiam toda a instituição”. É natural. Mas, quando surgem acusações desse tipo à luz do dia, seria também natural que os dirigentes da instituição em causa tentassem averiguar da sua veracidade e recolher o máximo de informação, para poder confirmar ou desmentir a acusação e resolver os problemas detectados.
Não foi essa a atitude que entendeu ter o conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, de que fazem parte os hospitais Pulido Valente e Santa Maria, quando, na semana passada, foram publicadas notícias sobre um estudo realizado para a Fundação Francisco Manuel dos Santos que punha em causa o funcionamento do Hospital de Santa Maria e o acusava de ser palco de actos do género e de estar sob a influência de “uma teia de lealdades ideológicas associadas a partidos políticos, a lojas maçónicas e a organizações católicas”.
O conselho de administração, pela boca do seu presidente, Carlos Martins, disse aos media ter recebido estas notícias com "surpresa e indignação" e esclareceu que não descartava a hipótese de processar a Fundação Francisco Manuel dos Santos pelo teor do estudo, da autoria dos investigadores Alejandro Portes, da Universidade de Princeton, e M. Margarida Marques, da Universidade Nova de Lisboa.
Carlos Martins lamentou que “se coloque em causa, perante um país, uma instituição com 60 anos", como se a idade de uma organização a devesse de alguma forma isentar de escrutínio ou lhe concedesse qualquer tipo de privilégio, e terminou insinuando que as críticas ao hospital pelo qual é responsável se poderiam inserir numa campanha política devida ao “momento politicamente mais quente que o normal” que vivemos neste ano de eleições ou a uma campanha interna devido às eleições para a direcção da Faculdade de Medicina.
O administrador poderia ter-nos dado algumas informações relevantes. Poderia ter-nos dito quantas queixas de corrupção ou de irregularidades foram investigadas e concluídas nos últimos anos, quantas sanções foram aplicadas e a quem, que tipo de procedimentos de controlo e auditoria foram adoptados nos últimos anos para os concursos de aquisição de equipamento, de promoção ou de contratação de pessoal e com que resultados, etc. Mas, sobre a matéria substantiva, o administrador preferiu nada dizer.
A referência aos 60 anos de vida do Santa Maria poderia ter algum sentido se, ao longo desse tempo de vida, a instituição tivesse sido regularmente submetida a rigorosas avaliações por entidades idóneas, sempre com excelentes resultados ao nível do desempenho clínico, financeiro e ético e este estudo viesse agora contradizer todos os anteriores. Aí, o administrador teria razão para se declarar surpreendido. Mas essa não é a realidade. Pelo contrário, o Hospital de Santa Maria sempre tem sido referido como estando envolvido numa teia de corrupção, pequena, média ou grande, que tem resistido a diferentes tentativas para a destruir. O Hospital de Santa Maria é aquele hospital que, há alguns anos, mereceu uma menção pública do ministro da Saúde a ameaças feitas à integridade física de um administrador e da sua família devido às suas tentativas para romper com essa teia de interesses e influências.
Mais: o anterior director clínico do hospital, Miguel Oliveira e Silva, demitiu-se há meses e apresentou queixas às autoridades (ainda não investigadas) devido a irregularidades na compra de material e na realização de obras no hospital. “Não estou surpreendido com as conclusões deste estudo”, foi o seu comentário.
Mais ainda: confrontado com as declarações constantes neste estudo, o bastonário da Ordem dos Médicos declarou: “Tenho dúvidas de que nos outros hospitais [a situação] seja substancialmente diferente.”
E mais ainda: Adalberto Campos Fernandes, que foi presidente do conselho de admnistração do Santa Maria até 2009, a quem foi pedido um comentário, quis apenas declarar-se “solidário com os 95% de trabalhadores da unidade” que considerou idóneos.
Ou seja: existem razões para considerar que a situação no Hospital de Santa Maria, apesar de poder ser melhor do que há dez anos, é ainda profundamente malsã, que existem ineficiências e injustiças no seu funcionamento, corrupção, privilégios de grupos e influências indevidas de interesses privados.
E é infeliz que, perante essas razões, o seu responsável máximo pretenda matar o mensageiro.
Finalmente, é igualmente infeliz que, perante a polémica, a Universidade Nova de Lisboa tenha querido vir a público afirmar que o “estudo é da exclusiva responsabilidade dos investigadores envolvidos e não reflete a posição institucional [daquela] universidade”. Por um lado, trata-se de declarar o óbvio. Mas quando uma universidade faz questão, à cautela, de se dessolidarizar de um investigador que pode ter pisados alguns calos, isso não diz bem do seu carácter. Os hospitais merecem melhores dirigentes e as universidades também.
jvmalheiros@gmail.com
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