terça-feira, junho 16, 2015

Confiança e estabilidade para um futuro diferente

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 16 de Junho de 2015
Crónica 22/2015


Este é um daqueles momentos históricos em que não há razão para temer correr riscos, porque o status quo representa um enorme risco.

Confiança. Estabilidade. Não é por acaso que as campanhas eleitorais, em Portugal e em outros países, batem tanto nestas teclas. Os eleitores prezam estes valores e os partidos acreditam que serão premiados nas urnas se parecerem garanti-los.

É verdade que alguns partidos falam de inovação e de rupturas, de grandes apostas e grandes reformas e conquistam uma parte do eleitorado, mas as eleições, diz o senso comum da política, “ganham-se ao centro”. Porquê? Porque é aí que estão os que podem ser ganhos, os indecisos, os que ficam no meio porque não sabem se devem ir para um lado ou para o outro. Daí que os partidos do “centrão” adoptem uma linguagem por vezes estranhamente próxima, que tenta apelar ao espírito conservador do centro. Quem está na oposição ensaia um discurso onde aparece a palavra “mudança” mas essa mudança nunca é apresentada como uma viragem brusca mas apenas como uma reorientação no sentido justo. E o partido no poder, que quer ser reeleito, usa a palavra “renovação “ ou “relançamento” que acaba por sustentar um discurso não muito diferente. E, se por acaso a oposição defender uma viragem de 180 graus, lá estará o partido no poder, usando a vantagem de jogar em casa, para a considerar aventureirista, catastrófica, jogando de novo no medo, usando a chantagem.

Mas… e quando o status quo é o desemprego, a crise financeira, o aumento dos impostos e a perda de direitos, o retrocesso, a pobreza, a degradação da democracia, a destruição da saúde e da educação, o êxodo dos jovens, uma dívida crescente, a humilhação dos pobres e a subserviência aos ricos? Será “estabilidade” a destruição das empresas, das famílias, das escolas, dos laboratórios de investigação, das poupanças e do investimento? Será que o partido no poder pode chamar “estabilidade” a esta vil tristeza, ao colaboracionismo e ao empobrecimento que promoveu? Pode, se tiver a lata suficiente para defender que os males actuais e passados foram e são rituais purificadores dos quais nascerá uma fénix, como o PSD e o compère CDS tentam fazer.

De facto, a confiança que os partidos tentam merecer é importante para os eleitores porque lhes dá uma informação sobre o que vai acontecer, com base nas garantias e nas promessas dos programas eleitorais e nas declarações dos seus dirigentes. Quanto à estabilidade que os eleitores valorizam ela não deve ser confundida com manutenção do status quo. A estabilidade que os eleitores procuram não é uma garantia de que o futuro será igual ao presente (muito menos nestes anos de chumbo) mas sim uma garantia de que haverá referências e procedimentos que serão respeitados, de que o contrato social não será rasgado nem as leis ignoradas, de que haverá honestidade e transparência, sensatez e competência. Os eleitores querem saber o que podem esperar e têm esse direito natural e constitucional.

Numa época onde caminhámos à beira do abismo e em que vimos milhares e milhares de pessoas precipitarem-se no vácuo é evidente que não queremos continuar a viver a mesma vida.

Os eleitores não querem ser enganados com a descrição de um futuro radioso que sabem que não vai acontecer. Os eleitores querem objectivos claros e justos e querem coerência, determinação, competência, honestidade. Os eleitores até suportam sacrifícios, mas querem escolher a razão por que os fazem. O que os eleitores não suportam é duplicidade.

Este é um daqueles momentos históricos em que não há razão para temer correr riscos, porque o status quo representa um enorme risco. Um momento onde é necessário e justo propor o novo. Este é um daqueles momentos em que se devem fazer escolhas e em que os eleitores percebem as escolhas e querem outra coisa.

Este é o momento em que o PS deveria ter a coragem de escolher e de apontar caminhos em vez de se dirigir ao regaço morno e seguro do centrão, onde às vezes defende a reestruturação da dívida e às vezes não, onde às vezes quer privatizar a TAP e às vezes não. Este é o momento em que a oposição pode e deve apresentar verdadeiras alternativas. Este não é o momento de adoçar a austeridade mas de recusar e combater a austeridade, em Portugal e na UE; de defender e negociar a renegociação da dívida que todos sabemos impagável, para Portugal, para a Grécia e para todos; de recusar a “parceria transatlântica” TTIP que colocará os estados da UE na mão das grandes multinacionais; de defender uma Europa de acolhimento e que não tem receio de defender a paz na cena internacional em vez de fingir que não existe guerra na Líbia nem ISIS. A crise que vivemos ensinou-nos que há muitas coisas a que é preciso dizer claramente que não e é essa a confiança e essa estabilidade que os eleitores querem. Confiança em que os políticos se baterão por um futuro justo. Estabilidade nos princípios que devem reger a acção política.

Com esta confiança e esta estabilidade, suportam-se com alegria todas as tempestades.

jvmalheiros@gmail.com

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