por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 31 de Dezembro de 2012 (excepcionalmente, uma segunda-feira, porque não há edição no dia 1 de Janeiro)
Crónica 52/2012
Texto publicado no jornal Público a 31 de Dezembro de 2012 (excepcionalmente, uma segunda-feira, porque não há edição no dia 1 de Janeiro)
Crónica 52/2012
Seguro para a rua. Passos Coelho para a rua. Esquerda a falar. Programa de esquerda. Eleições. Governo de esquerda. Bom 2013.
Vivemos 2012 com esta mistura de espanto e de indignação, de urgência e de impotência, de revolta e de desespero, de ódio e de vergonha. Sabemos que batemos no fundo em termos de bem-estar, de solidariedade social, de moralidade no Governo, de dignidade na política, de exercício da cidadania, de democracia, de confiança nas instituições, de confiança uns nos outros, de confiança no futuro, de dignidade. Sabemos que começamos a ter vergonha de nos olhar nos olhos na rua, que as costas estão mais curvadas, as roupas mais baças, as expressões mais carregadas. Sabemos também que este fundo em que caímos se vai afundar ainda mais e que novos abismos se vão abrir em 2013 porque a decência deste Governo é inexistente, porque os interesses inconfessáveis que serve não se encontram em nenhuma linha da Constituição.
Sabemos que as coisas podem sempre piorar e que, em 2013, as coisas vão mesmo piorar.
Mas sabemos também que as coisas não podem piorar ainda mais sob pena de ficarem piores para sempre e de condenarmos o país ao desalento e à miséria eterna.
O que fazer?
É evidente que é necessária uma alternativa a esta política e que isso passa por uma alternativa a este Governo. A alternativa a este Governo terá de passar, no quadro institucional, pela queda do Governo por falta de apoio parlamentar, pela demissão do primeiro-ministro ou pela sua exoneração pelo Presidente da República ou pela dissolução da Assembleia da República pelo PR.
Mas é pouco provável que o PR tome qualquer iniciativa sem ser a tal obrigado, conhecida como é a sua aversão a qualquer tipo de acção autónoma e a disposição placidamente contemplativa que adoptou nos últimos anos. E há outro problema: a situação narcotizada do Partido Socialista e o facto do seu secretário-geral se encontrar em estado de vida vegetativa não anima ninguém em seu juízo a tirar o Pedro de S. Bento para lá pôr o Tó Zé.
Há pois algo que o PS precisa de fazer urgentemente, a bem do país: encontrar uma nova liderança que dê aos portugueses a confiança suficiente para se lançarem de forma resoluta na exigência da demissão do Governo. Não tenho dúvidas de que a existência de António José Seguro é, neste momento, um dos grandes apoios do Governo e isto não apenas pela moleza da sua oposição: imaginar um Governo dirigido por António José Seguro é algo que faz um arrepio percorrer a espinha de muitos portugueses. Percebe-se bem. É que Seguro, para além da sua reduzida arte política, da sua tibieza, da sua falta de imaginação e de carisma, da sua verbosidade oca, daria uma terrível reputação à esquerda. Não porque Seguro fosse governar à esquerda, mas precisamente porque não o faria e porque a direita se aproveitaria do facto para repetir que a esquerda, afinal, não tem nada de novo para oferecer senão a mesma política da direita com retoques retóricos.
É fundamental o PS renovar a sua direcção (ou melhor: eleger uma) porque é evidente que, no actual quadro partidário, não é concebível uma alternativa de governo sem o PS, como todos sabem mas alguns se negam a admitir.
Substituir a direcção de António José Seguro é, portanto, a tarefa para 2013 que as pessoas responsáveis que estão no PS têm de levar a cabo. Não através de conspirações nocturnas, mas abertamente, às claras, assumindo responsabilidades, apresentando alternativas e correndo os riscos do combate político.
Também há trabalho a fazer para as pessoas honestas que estão no PSD e no CDS e que, à boca pequena, criticam o governo e se horrorizam com a falta de princípios de Relvas, com os tiques despóticos de Coelho, com o desaparecimento de Portas, com o financeirismo cego de Gaspar, com a falta de política, com o desemprego, com o empobrecimento, com a degradação da educação e da investigação, com a subserviência perante a Alemanha e a falta de política na Europa. Não haverá (além de Pacheco Pereira) mais algum social-democrata no PSD? Não haverá (além de Ribeiro e Castro) mais algum democrata-cristão no CDS?
Também há trabalho para o BE e para o PCP. Falar. Sem agenda. Entre si e também com o PS. Sem compromissos e sem medo. O verdadeiro pavor que a esquerda tem à esquerda, que não é apenas uma questão de escrúpulo ideológico mas que roça o pedantismo, é outro dos grandes apoios objectivos do actual governo. “Ao menos o PSD e o CDS conseguem entender-se. A esquerda é um saco de gatos. O que seria um Governo PS-BE-PCP!” diz a vox populi, mesmo quando as suas simpatias podiam estar à esquerda. A responsabilidade de encontrar alguns pontos comuns de acção pertence à esquerda e é uma tarefa à qual à esquerda tem continuado a fugir devido a pruridos maneiristas. Onde estão as medidas de esquerda que toda a esquerda defende colectivamente?
Também há votos e trabalho para os jornalistas: que em 2013 se dediquem a escalpelizar a actividade do Governo, do PSD, do CDS, das “empresas” e “empresários” que burlam o Estado (no BPN, por exemplo, mas não só) com o mesmo entusiasmo com que se entretiveram a escrutinar a vida de Artur Baptista da Silva. A função do jornalismo é fiscalizar os poderes. Bater no underdog é mais fácil, mas não é mais digno.
Temos muito trabalho para 2013. Bom ano. (jvmalheiros@gmail.com)