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sexta-feira, novembro 21, 2014

Os Media como ponta-de-lança do Complexo Político-Financeiro de Manipulação e Persuasão

Comunicação apresentada por José Vítor Malheiros no Colóquio Internacional "Manipulação e persuasão - Discursos e Práticas"
UBI-Universidade da Beira Interior - Museu dos Lanifícios - 20-21 Novembro 2014

Resumo

Os media descrevem e (nos melhores casos), comentam, analisam e criticam a realidade. Esse trabalho de descrição (notícia, entrevista, reportagem), de comentário, análise e crítica constitui um discurso que não é criado de raiz, fruto do desejo ou da imaginação do seu autor, mas usa como matéria-prima um corpus lexical e um conjunto de proposições que são criados pelos principais agentes dos vários acontecimentos que são matéria mediática. Essa limitação constitui um molde ideológico do qual os media, por boas e más razões, têm uma enorme dificuldade em se descolar. Essa descolagem constitui, porém, um imperativo para o jornalismo se este pretende servir a liberdade e a democracia através do alargamento das escolhas sociais disponíveis para os cidadãos e não perpetuar situações de tutela ou de totalitarismo. 

Texto

A ficção e a poesia nascem da cabeça dos seus autores.
O jornalismo não.
Os jornalistas não produzem os textos que escrevem a partir da sua imaginação.
O jornalismo não só tem o dever de descrever o real mas tem o dever de dar voz às pessoas. As histórias que o jornalismo conta, são contadas por outras pessoas. O jornalismo selecciona as histórias que conta, escolhe a forma como as conta e escolhe as pessoas que usa como fonte de informação, mas baseia-se sempre em "fontes".

Os jornalistas recolhem informação através de testemunho directo, através dos seus olhos e dos seus ouvidos, como acontece no caso das reportagens, mas, na esmagadora maioria dos casos, as informações que recolhem e que usam para produzir os seus textos são constituídas por depoimentos de pessoas ou fontes documentais.
Um texto de jornal ou uma peça de rádio ou televisão é sempre o resultado final de um trabalho em cadeia que começa com uma informação primária que vai sendo trabalhada por sucessivas vagas de pessoas e que vai sendo enriquecida com informação de outros afluentes.

Uma das preocupações do jornalista durante o manuseamento da informação que pesquisa, que solicita a outrem ou que lhe é enviada sem que ele a solicite é o RIGOR.
Há quem lhe chame ainda “objectividade”, apesar do debate sobre a inexistência da objectividade, e é evidente que se trata de uma preocupação com a "verdade", mas é mais adequado chamarmos-lhe aqui rigor. Rigor no sentido de “exactidão” e de “disciplina”.
Em que consiste este rigor na prática? No cuidado em não corromper a informação primária, em não se afastar dos testemunhos recolhidos e dos textos consultados, em não desvirtuar a informação transmitida pelas fontes.
No jornalismo as fontes são preciosas. Um dos aforismos do jornalismo que todos os jornalistas conhecem é “Não se faz jornalismo sem fontes”.
Só que há um problema, que todos os jornalistas também conhecem bem e ao qual corresponde outro aforismo: “Não há fontes desinteressadas”.
As fontes são sempre parte interessada. Não há fontes puras, inocentes, sem história e sem desejo. As fontes possuem perspectivas próprias, valores próprios, interesses próprios (muitas vezes legítimos, outras vezes menos legítimos) e todas elas (quer se trate de pessoas ou de documentos) tentam convencer os seus interlocutores da bondade das suas teses.

Como se evita o enviesamento da informação devido à parcialidade das fontes?
A principal solução consiste em diversificar as fontes. Por isso se tenta confirmar informação em duas ou mais fontes independentes, para estabelecer “os factos”, para saber “o que aconteceu”, para encontrar “a verdade”. Se houver coincidência nos relatos de duas ou mais fontes independentes, podemos ter um razoável grau de confiança na descrição.

Mas quando se trata de um facto que possui uma única fonte primária? Quando se trata de uma decisão do Governo, que consta de um documento oficial? Quando se trata de uma opinião emitida por uma pessoa, de um discurso, de uma proposta da organização X ou do partido Y? Quando se trata da declaração de greve de um sindicato ou de um alerta da Protecção Civil ou de um aviso do Banco de Portugal? Nestes casos é evidente que há uma e uma só fonte primária. Não há volta a dar. Sempre que se trata de uma decisão, de um anúncio, de uma declaração, da resposta de uma qualquer instituição, de um qualquer poder, basta ter acesso à fonte primária para termos toda a informação. É claro que se podem pedir comentários, críticas ou análises a outrem mas, no que diz respeito à notícia em si, há uma única fonte primária.
E mais: qualquer desvio da fonte primária pode ser lida como um desvirtuamento da informação, uma manipulação indevida, talvez mal-intencionada, um atrevimento.
Em nome do rigor e do não-enviesamento da informação, o jornalista irá provavelmente repetir ipsis verbis o que diz o comunicado, a intervenção parlamentar, a proposta de lei, o entrevistado.

É assim que o discurso do entrevistado, o léxico do documento, a sua estrutura, a sua argumentação lógica, a sua filosofia implícita, os seus valores, vão sendo insensivelmente transpostos para o texto jornalístico.

E é assim que a própria preocupação de rigor, de objectividade, de não comentar, de não dar opinião, de não editorializar, se tornam o principal instrumento do imperialismo lexical e proposicional do poder, dos poderes, um instrumento de propaganda que apenas repete, nos mesmo termos e sem comentários, o discurso do poder, a narrativa do poder.
Há quem pense que isso acontece porque todos ou a maior parte dos jornalistas são de direita. Ou porque foram comprados para repetir o que diz a voz do dono. Ou porque têm medo de exprimir uma opinião divergente. Mas não é preciso procurar tão longe uma explicação. Existem, na própria lógica de produção do jornalismo, mecanismos perversos que facilitam a reprodução da narrativa dominante.

É evidente que a prática jornalística que se refere acima não faz parte das "boas práticas" e existem, nas boas práticas, preceitos e exemplos que permitem evitá-la e fazer diferente. Outros aforismos usados na profissão dizem "o jornalista não é um mensageiro" ou "o jornalista não é um pé de microfone" - para sublinhar que o jornalista não pode limitar-se a registar e repetir o que lhe é dito. O que significa que é possível e desejável fazer de outra forma. Mas é mais difícil fazer de outra forma. E mais arriscado.
É possível fazer mal sem ofender de forma frontal as regras básicas da profissão (repetir um discurso sem a mínima nota crítica) e é muito fácil expor-se a críticas quando se faz bem. Porque fazer bem significa explicar conceitos, desmontar argumentações, apontar ambiguidades, considerar contextos, lembrar antecedentes, denunciar eufemismos, encontrar contradições. 

Dizer "O  ministro garantiu que não haverá despedimentos e que os 697 funcionários da Segurança Social passarão para o regime de requalificação" pode ser formalmente rigoroso, mas é uma mentira. Uma enorme mentira. Mas dizer que serão despedidos também não é absolutamente verdadeiro. Pelo menos não é juridicamente verdadeiro. A verdade encontra-se algures entre as duas formulações. Os funcionários são colocados num limbo onde lhes reduzem drástica e progressivamente os salários, mas esse limbo não tem um nome além do seu nome no léxico da propaganda: "requalificação". E, quando o jornalista fala deste limbo, para que não haja ambiguidade sobre aquilo de que está a falar, para que se perceba que se trata desta situação precisa e não de qualquer outra, é obrigado a usar o eufemismo ambíguo criado pelo poder. Para evitar a ambiguidade no discurso jornalístico, impõe e credibiliza a ambiguidade do discurso do poder.

A situação é particularmente grave porque este discurso dos poderes não tem uma contrapartida por parte dos não-poderes, dos desvalidos, dos pobres, dos desempregados, dos doentes, dos pensionistas, dos velhos, do "homem da rua". E não tem essa contrapartida porque os não-poderes não existem de forma organizada, institucionalizada. Os não-poderes não tem porta-vozes nem documentos pré-formatados, não emitem comunicados nem fazem discursos. Os sem-abrigo não têm porta-voz. O discurso dos não-poderes não existe já feito, tem de ser fabricado laboriosamente desde o início pelo jornalista, peça a peça, palavra por palavra, com o risco de que tem de o construir a partir de contribuições não-legitimadas institucionalmente.

Os trabalhadores sindicalizados são representados por um sindicato, os trabalhados não sindicalizados podem ser representados por uma central sindical, mas quem representa os desempregados, quem pode falar em seu nome? Um jornalista que tente "dar voz a quem não tem voz" (outro aforismo querido da profissão) só pode citar declarações pessoais, narrar casos anedóticos, nunca formalmente representativos, que desaparecem num mar de faits-divers de faca e alguidar. São apenas mais umas quantas histórias "de interesse humano", a somar-se às das telenovelas. Nada para ser levado muito a sério. O poder, esse, tem sempre representação e uma representação formal e legítima. O poder pode sempre ser citado.

O desequilíbrio na autoridade aparente destes discursos é abissal.
Os poderes, para mais, falam muito. Não há poder calado. Há todos os dias declarações de empresas, de partidos, de ministros, de comentadores, de bancos, de polícias, de entidades reguladoras, de organismos comunitários suficientes para encher 24 horas de notícias com as imagens convenientes.

Mas, apesar de tudo, se os jornalistas não são coniventes em massa com este estado de coisas, porque não mudam a forma como fazem a cobertura da actualidade? Porque não chamam despedimentos às "dispensas" de trabalhadores e à "libertação" de funcionários públicos, porque não chamam empréstimo ao "resgate", porque não chamam trabalhadores aos "colaboradores", porque não dizem "facilitar despedimentos" em vez de "flexibilizar o emprego" ou de "agilizar licenciamentos", porque não dizem "empobrecimento" em vez de austeridade, porque não dizem CDS, PSD e PS em vez de “arco da governabilidade” ou “arco da governação”? Porque não dizem cortes em vez de "poupanças"?

A razão principal é o processo de proletarização e de precarização a que os jornalistas têm sido submetidos e o processo de pauperização das redacções. Não porque isso tenha aumentado a sua precariedade ou o seu medo, mas porque isso alterou de forma radical a forma de produção do jornalismo.

Por razões que não cabe aqui analisar, as redacções sofreram cortes profundos que reduziram o número de jornalistas e de outros trabalhadores e que reduziram os seus recursos em geral. E o trabalho de jornalista, que tinha sido durante um século um labor intelectual, transformou-se numa actividade industrial, sujeita às exigências da "eficiência", da "produtividade", da "optimização", da "redução de custos" de qualquer outra actividade industrial.

O jornalismo obedece hoje, na esmagadora maioria das redações (há excepções) a regras características do modo de produção industrial.
Isto significa que o consumo de recursos (tempo, deslocações, número de fontes consultadas, tempo dedicado a cada fonte, tempo dedicado a confirmar informações, a procurar contraditório) foi reduzido ao mínimo. E significa que são privilegiadas as notícias que sejam mais fáceis e mais baratas de fazer. A consequência é que aqueles critérios-notícia que nos habituámos a considerar como decisivos (a actualidade, a novidade, a relevância, o impacto, etc.) foram suplantados por outro critério: o custo.
O que significa que a disponibilidade passou a ser o bem mais prezado pelos jornalistas. 

Que disponibilidade? A disponibilidade de imagens e fontes passíveis de ser usadas num texto, a disponibilidade de explicações e citações, à mão de semear, prontas a usar. 
Há um fenómeno que dá pelo nome de "availability bias", que os psicólogos conhecem bem, que significa que todos temos uma tendência para recorrer à explicação mais disponível, mais familiar, para criar uma narrativa que dê sentido ao nosso mundo. A actual situação dos jornalistas reforça de uma forma extrema esse "availability bias". A explicação mais disponível será sempre a mais usada pelos jornalistas. Porque não há tempo a perder. É a "optimização" da produção das notícias.

E o poder, todos os poderes, sabem isto e investem meios consideráveis para criar e disponibilizar explicações prontas-a-usar para que os jornalistas as utilizem. Conceitos sintéticos, ágeis e cheirando a moderno. "Requalificação", "sair da zona de conforto", "compressão das despesas", "corte nas gorduras". Explicações devidamente formatadas, concisas e elegantes, como os jornalistas gostam, como os jornalistas precisam.  "Vivemos acima das nossas possibilidades, agora chegou a hora de pagar." "Não podemos pagar o Estado Social. Se fôssemos ricos podíamos, mas não somos." "O Estado não tem vocação para gerir empresas".
Ou mesmo outras formulações mais brutais, que servem de subtexto a muitas das formulações dos media. "Os desempregados não encontram emprego porque são preguiçosos". "Os trabalhadores velhos estão a roubar os empregos aos desempregados jovens". "Só os parasitas é que vivem de subsídios". Etc. , etc.. Explicações simples, que toda a gente percebe, que vão buscar alimento nos nossos preconceitos, na nossa raiva, na nossa ignorância.
É assim se reproduz um discurso, sempre simplificado, sempre eufemístico e melífluo, secretamente repressivo, que distribui culpas e méritos segundo os interesses do poder. Assim se reproduz o discurso do poder. Que os media amplificam e impõem no discurso social, no nosso discurso. Às tantas, todos falamos como o poder. E até os sindicatos falam de "mobilidade" e "qualificação" quando querem dizer despedimentos.

É possível mudar este estado de coisas? Penso que sim. Existem aliás ainda muito bons exemplos de excelente jornalismo, de verdadeiro jornalismo, como provou recentemente a história dos acordos fiscais secretos no Luxemburgo, publicado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação.

Precisamos, antes de mais, de leitores e espectadores mais exigentes, que exijam saber o que se passa e não apenas o que os poderes dizem. Precisamos de exigir aos jornalistas que fiscalizem de facto os actos do poder em vez de os descrever e que fiscalizem as suas declarações em vez de as repetir. Precisamos de contraditório mas não o contraditório do "este diz isto e aquele diz aquilo", nem o contraditório do "o Governo diz isto e a oposição diz aquilo" (ou melhor: "o Governo diz isto e o maior partido da oposição diz aquilo"). Precisamos de verificar os factos, de "fact checking".
Precisamos de contrapor às declarações do poder, a realidade. O jornalismo não tem como função ser uma caixa de ressonância do poder. O jornalismo tem de descrever o mundo, de fiscalizar os poderes e de mostrar aos cidadãos quais são as escolhas possíveis.

O jornalismo tem como dever descrever o mundo, mas não para nos divertir ou distrair. O entretenimento é uma função nobre, mas não é a função do jornalismo. O jornalismo tem como função descrever o mundo, contar o que se passa e o que se diz, apresentar-nos coisas e pessoas, para nos permitir agir como cidadãos. O jornalismo fornece-nos informação, opinião e debate para nos permitir criar uma opinião que possa sustentar a nossa acção. A função do jornalismo é alargar o leque de escolhas dos cidadãos e mostrar as consequências de cada uma de forma a permitir escolhas informadas. É esse o ethos do jornalismo. O problema é que, na maior parte dos casos, não o está a fazer. 

Ao contrário do marketing e da publicidade, que tentam conquistar "share of mind" para os seus produtos, impor-nos determinados comportamentos e reduzir o nosso leque de escolhas, o jornalismo tem o dever de alargar as opções que temos à nossa frente. Identificando essas opções, trazendo-as para a luz ou desenterrando-as, de forma a mostrar-nos tudo o que é possível. A função do jornalismo é tornar evidente essa diversidade de escolhas a que chamamos democracia. E não matraquear-nos com a cassete do poder, com os chavões da inevitabilidade e da impossibilidade da escolha.

A função do jornalismo é produzir democracia porque a democracia é o regime das escolhas e não é possível fazer escolhas livres e informadas sem jornalismo.
É uma nobre função que os jornalistas têm de assumir com responsabilidade e correndo os riscos necessários.
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terça-feira, outubro 07, 2014

A importância de se chamar

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 7 de Outubro de 2014
Crónica 45/2014

Não sei se o auto-proclamado “Estado Islâmico” contratou um especialista de branding, mas o know-how está lá.

O secretário-geral da Interpol, o americano Ronald Noble, sugeriu há dias que “a comunidade mundial e as organizações policiais” deixassem de usar a designação “Estado Islâmico”, que a organização terrorista islamista que controla grande parte do Iraque e da Síria escolheu para si, e que passassem a usar a sigla CM para os identificar.

CM são as iniciais de “Cowardly Murderers”, o nome que, segundo Noble, deveria passar a ser usado para designar o grupo que se transformou no exemplo máximo da crueldade assassina com as suas decapitações de reféns (não apenas ocidentais), filmadas em vídeo e transmitidas na Internet.

A proposta de Noble não é um mero gesto de propaganda, mas ela pretende combater uma das mais eficazes armas de propaganda destes terroristas: o seu nome.

De facto, ao usar a designação “Estado Islâmico” e previamente “Estado Islâmico do Iraque e da Síria”, que os media rapidamente adoptaram, a organização adquire aos olhos do público uma relevância e uma dignidade que ninguém lhe reconhece (a de Estado) e uma identificação imediata com uma religião (o islão), o que visa reforçar a sua legitimação perante os muçulmanos e, do outro lado, difundir entre os não-muçulmanos a ideia da identificação entre terrorismo e islão, gerando reacções de ódio religioso que são o combustível de que estes terroristas se alimentam.

O nome de Noble pode não ser o mais feliz, mas é evidente que o uso pelosmedia e pelos políticos do nome que a organização escolheu para si constitui uma legitimação e uma colaboração objectiva num acto de propaganda, que actua de cada vez que ele é referido na televisão. “Pergunto à comunidade global”, diz Noble, “por que razão é que devemos deixar que um grupo de terroristas sedento de sangue escolha para si uma designação religiosa como pretexto para justificar os seus crimes hediondos, quando nenhuma religião os poderia justificar?”

A questão é: se a Mafia adoptasse o nome de “Associação Cultural Siciliana” e se a Goldman Sachs se rebaptizasse “Congregação das Carmelitas Descalças de Wall Street” os media deveriam passar a usar essas designações? Ou deveriam considerar que a mensagem transmitida pela designação estava em desacordo com (como dizer?...) a verdade dos factos? Ou acreditariam que as novas designações representavam de facto novas identidades e novos objectivos dessas organizações?

Não sei se o auto-proclamado “Estado Islâmico” contratou um especialista debranding para escolher o seu nome, mas o know-how está lá. O que é mais dramático constatar é que esta manipulação dos nomes e dos conceitos está por todo o lado e envenena o discurso dos media, descredibiliza o discurso político e cria uma profunda sensação de impotência nos cidadãos. As coisas deixaram de ter os nomes que deviam ter, que aprendemos e que os dicionários lhes dão e ganharam novos significados, conferidos pelo poder, que retiram significado e tornam difícil dizer onde está a verdade porque ela é redefinida de acordo com o interesse de quem controla o discurso público. Passos Coelho foi pago pela Tecnoforma? Não, recebeu reembolsos de despesas do Conselho Português para a Cooperação. O CPPC tinha como objectivo a cooperação com os PALOP. O CPPC era uma organização não-governamental sem fins lucrativos. A intervenção da troika em Portugal visou o “ajustamento”. O governo não quer baixar salários mas apenas reduzir os custos unitários do trabalho. Avaliação, flexibilidade, produtividade, bolsa de horas, fundo de garantia, excelência, média ponderada, transtorno nos tribunais, sustentabilidade das contas públicas, reformas estruturais, líder social-democrata, Novo Banco. A manipulação das designações, o novo léxico do poder, está por todo o lado e tem um tal exército de megafones ao seu serviço que invade mesmo o discurso dos observadores mais atentos e mais críticos. E no entanto os nomes são importantes. São eles que identificam as coisas, as pessoas, as organizações, as políticas, as nossas acções, as nossas escolhas, as nossas ideias. Sem chamar os bois pelos nomes não podemos falar, o discurso torna-se uma pasta eufemística onde deixa de haver um terreno comum, um espaço público lexical que permite a comunicação, uma língua comum.

Existe esta ideia, prima da liberdade de expressão e irmã do copyright, de que as pessoas têm o direito de usar para si e para o que fazem as designações que quiserem. Defendo esse direito. Mas o que não existe é o direito de impor essa designação aos outros no discurso público - e os media em particular têm o dever de lhe resistir. É difícil, porque esta corrupções são também simplificações, muitas vezes económicas. Mas os media, que têm como importante função fiscalizar o poder, não devem fiscalizar apenas as suas acções. Devem, fiscalizar também o seu discurso e denunciar as suas perversões - quer se trate do “Estado Islâmico” quer se trate do “Arco da Governação”. Chamar os bois pelos nomes é uma obrigação fundamental dos jornalistas, sem o que a informação se transforma em ficção ou se junta à propaganda.

jvmalheiros@gmail.com

segunda-feira, setembro 08, 2014

Uma crise, muitas crises. Um desafio, muitos desafios - Um novo jornalismo para servir a democracia

Texto escrito a pedido do Gustavo Cardoso para o "Projecto Jornalismo e Sociedade"

José Vítor Malheiros
Agosto 2014


A crise do negócio

Parece claro que o maior problema que afecta o jornalismo hoje na Europa e EUA - e, de forma especialmente aguda, em Portugal - diz respeito à sua sustentabilidade econ ómico-financeira. Os modelos de negócio do passado morreram e o jornalismo encontra hoje uma enorme dificuldade para vender o seu produto, mesmo que não peça mais aos seus clientes do que o preço de custo.
Durante cem anos quase não foi preciso imaginação para equilibrar as contas de um jornal. Somando vendas em banca, assinaturas, anúncios classificados e anúncios comerciais, era possível cobrir os custos da uma redacção, de uma estrutura empresarial e os custos industriais de produção de um jornal. E, se a empresa não tinha sucesso, era simplesmente por insuficiências da gestão ou porque o jornal não tinha conseguido encontrar o seu público, gerador de todas as receitas. Mas onde um jornal fracassava, outro era bem sucedido. O modelo funcionava.
Com o aparecimento da Internet e a profusão de oferta de informação, algo mudou de forma radical. Os jornais, as revistas, as rádios e as televisões perderam o seu monopólio de informar, que foi disseminado por milhões e milhões de produtores e difusores de informação, públicos e privados, amadores e profissionais, particulares e empresas, individuais e colectivos, com ou sem fins lucrativos, de todas as cores e credos, que começaram a disputar a atenção e o tempo dos leitores e lhes ofereciam informação e opinião grátis, muitas vezes de boa qualidade.
O público que cada órgão de comunicação social perdia "para a Internet" foi alimentando um círculo vicioso para o negócio: menos leitores significava menos publicidade e publicidade vendida mais barata, o que significava menos receitas, o que significava menos jornalistas e menos jornalismo, o que significava um produto menos atractivo e menos relevante, o que significava menos leitores...
As tentativas de fazer cobrar o acesso às versões online dos jornais, por seu lado, só muito raramente foram bem sucedidas, com uma maioria de leitores a recusar o pagamento e a prescindir do acesso. Afinal, quando se tem toda a Internet, o que representa um jornal a mais ou a menos?
Muitos jornais continuam, tristemente, a não perceber isto. A não perceber que o seu concorrente deixou de ser "o outro jornal" e "a outra televisão" e passou a ser "toda a Internet" e que a diferenciação se tem de conseguir hoje em relação a "toda a Internet" ou, para ser mais rigoroso, em relação a toda a Internet do mesmo espaço linguístico.
O facto de o jornalismo não gerar suficientes receitas para se financiar a si próprio não é um problema novo. Uma parte considerável das receitas dos jornais sempre se deveu a outros tipos de conteúdos. Comprava-se o jornal não só para ler as notícias mas também para ver o cartaz de cinema ou a programação da televisão, para procurar emprego ou para alugar casa, para ver que tempo faria amanhã e para saber que farmácia estava de serviço. E os anunciantes publicavam anúncios no jornal porque sabiam que iam chegar a todos estes segmentos do público. Só que o jornalismo estava colado aos outros conteúdos. Mas de repente, com a Internet, os jornais clássicos desagregaram-se e surgiram serviços que forneciam toda essa informação por todo o lado, 24 horas por dia, em actualização constante, sem ser preciso comprar um jornal ou pagar a informação. Os compradores diminuíram e, sem essas receitas, o jornalismo tornou-se dificilmente sustentável.
Não cabe aqui tentar encontrar a solução para o problema do novo modelo de negócio dos jornais. Penso que não há uma solução mas muitas soluções. Há jornais bem sucedidos em muitos países, com diferentes modelos, provavelmente não reprodutíveis. Mas é claro que muitos jornais continuarão a desaparecer e que já não há lugar para o "jornal  transatlântico" do passado, uma cidade flutuante com secções para toda a família, para todos os gostos e todos os momentos. Penso que olharemos em breve para esses grandes jornais como olhamos para os dinossauros.

A crise de auto-estima

A crise do negócio trouxe consigo uma crise da auto-estima dos jornalistas. Numa sociedade onde o sucesso se mede em grande medida pelo poder e pelo poder económico, viver com um estatuto de fragilidade, à beira da falência e do risco de extinção, ser incapaz de garantir a independência financeira das suas empresas, tentar sobreviver contrariando um mercado que nos considera irrelevantes e dispensáveis (como organização e como profissionais, apesar da manutenção de uma certa aura social) não era fácil. Para mais quando a esta perda de poder e perda de estatuto como profissionais se somava uma violenta perda de estatuto como trabalhadores, vivendo sob a ameaça da despromoção, do despedimento e do desemprego.
De arrogantes representantes do quarto poder, independentes e influentes, capazes de fazer ouvir a sua voz e de fazer tombar poderosos, os jornalistas 
começaram a sentir-se transformados em entidades negligenciáveis no mundo saturado de informação da Internet.
Por outro lado, os profissionais mais conscientes tinham a perfeita noção de que este não era o jornalismo que tinham sonhado fazer quando escolheram a profissão nem, na maioria dos casos, os jornalismo que tinham aprendido a fazer.

A crise da organização

A crise do negócio teve outras consequências graves ao nível das empresas. As empresas de comunicação social adoptaram estratégias de redução de custos que foram até ao osso: as redacções encolheram drasticamente, geralmente através do despedimento dos jornalistas mais experientes e mais caros; os salários médios desceram; os contratos precários tornaram-se a regra, assim como o abuso de "estágios" não pagos; os gastos da redacção foram reduzidos ao mínimo, nomeadamente em deslocações e reportagens; a formação profissional desapareceu; os jornalistas especializados foram pressionados a tornar-se generalistas, usando o argumento de que um "verdadeiro" jornalista tanto escreve sobre crime como entrevista o ministro das Finanças e foi imposto um ritmo de cadeia de montagem nas redacções. Foi tudo feito em nome da eficiência e da competitividade, da sobrevivência das empresas e da salvação do jornalismo, mas esta revolução produtivista teve duas consequências maiores: a proletarização dos jornalistas, com tudo o que isso significa de descida do nível de vida e de fragilização da classe, e a instauração de um modo de produção industrial naquilo que, durante um século, tinha sido uma actividade eminentemente intelectual.
Em termos simples: nas redacções deixou de haver tempo para pensar, para discutir, para trocar ideias, para investigar, para confirmar, para criticar, para estudar, para ler, num momento onde as apostas deveriam ter sido feitas precisamente num aumento do rigor, na capacidade de análise e na investigação como factores de diferenciação e de competitividade num mundo cada vez mais complexo e submerso em cada vez mais informação. Em vez disso, víamos jornais a disputar ao segundo quem publicava primeiro uma notícia fútil que, passado um minuto, todos os jornais teriam.
A qualidade do jornalismo ressentiu-se, o jornalismo tornou-se mais igual e os leitores castigaram os jornais deixando cada vez mais de os ler. Porquê ler um jornal que traz a mesma notícia que todos os outros, que comete os mesmo erros que todos os outros e que cita as mesmas fontes que todos os outros?
A redacção, por seu lado, amputada no seu papel de rede social, com secções desarticuladas para reduzir o poder reivindicativo dos jornalistas e chefias intermédias desautorizadas e reduzidas a uma função de capatazes, perdeu em grande medida a sua autoridade, o seu papel de comunidade de prática, de entidade formadora, de instância de validação de procedimentos e de reconhecimento de méritos, de repositório de histórias de referência, de lugar de todas as discussões e de fonte da cultura jornalística.
Mesmo nas raras redacções onde estes problemas não se colocaram de forma tão violenta e que não sofreram desestruturações por razões económicas, não foi fácil encontrar soluções organizativas que respondessem aos novos desafios. Como articular a produção para o papel e para o online? Que importância dar ao vídeo? Como proporcionar aos profissionais as novas competências necessárias? Todos os jornalistas devem produzir histórias multimedia? Que tipo de workflow serve melhor uma empresa que produz informação a diferentes ritmos e para diferentes suportes? Como envolver os leitores? Como usar as redes sociais? 
As redacções viram-se assim mergulhadas num absoluto caos onde nenhuma referência (técnica, cultural, ética) parecia segura.

A crise da ética jornalística

O modo de produção industrial impõe as suas leis. Se o que se exige aos jornalistas acima de tudo é que escrevam muito em pouco tempo, verifica-se uma inversão dos critérios jornalísticos e uma corrupção das boas práticas. A importância e a relevância são subalternizados como critérios para dar lugar à facilidade de produção. A facilidade de acesso à informação, a disponibilidade dos dados, a proximidade da fonte e a redução ao mínimo do contraditório tornam-se os critérios por excelência. Se todos os elementos relativos a um dado assunto me caírem no mail, é sobre esse assunto que vou escrever. Quando se recebe uma informação bem preparada, bem formatada, sem erros de português, que para mais cita "dados oficiais", quando a fonte institucional está disponível do outro lado do telefone, essa informação terá precedência sobre outra história, talvez muito mais importante para os leitores mas mais confusa, com mais imponderáveis, com hipóteses por confirmar, dados por desenterrar, mais polémica, com diferentes intervenientes com interesses opostos e que será muito mais difícil de confirmar e de escrever.
O modo de produção industrial do jornalismo promove assim um "jornalismo" institucional, sempre ligado ao poder, que foge de problemas que fazem desperdiçar tempo e recursos, um jornalismo de fontes oficiais e dados oficiais, de narrativas pré-formatadas, de "exclusivos" de gabinetes de comunicação, de meetings "off the record" com membros do governo, de comunicados de imprensa e de "conferências de imprensa" com declarações oficiais e sem perguntas. Não se trata de corrupção dos jornalistas, ainda que ela possa existir. Trata-se da corrupção do jornalismo. Trata-se de criar restrições de tempo e de despesa ao trabalho jornalístico, de fragilizar jornais e jornalistas a um ponto tal que estes receiem qualquer confronto, receiem criar inimigos, trata-se de incutir nos jornalistas uma "disciplina profissional" que é de facto um manual de obediência e de prudência, quando não de respeitinho. E de o fazer de forma insidiosa, em nome da "boa gestão", da "produtividade", das boas relações com as fontes.
Muitos jornalistas aprendem assim a sua profissão, como operários de uma cadeia de montagem onde tudo o que possa perturbar o ritmo de produção será mal visto, onde "parem as rotativas" é um crime de sabotagem económica e não um grito de independência e um apelo à cidadania. Onde um jornalista céptico que verifica o que lhe dizem e que gosta de perceber o que se passa antes de escrever dificilmente tem lugar. Chegamos assim à era do fast journalism.

A crise de reputação 

O problema do fast journalism é que não oferece nada de novo nem nada de subtantivo aos leitores/ouvintes/espectadores. Tem algum valor de entretenimento mas não oferece nada daquilo que constitui a razão de ser do jornalismo: informação independente e crítica que nos ajuda a compreender e a agir sobre o mundo.
O cidadão comum pode consumir este jornalismo desde que lho seja oferecido sem custo, mas o cidadão exigente interroga-se. Para que lhe serve este jornalismo que apenas consegue fornecer algum sentido ao mundo se for complementado com a leitura de sites de organizações cívicas, de blogues de comentadores amadores, de publicações académicas, de discussões nas redes sociais? Para que serve um jornalismo que pode ser substituído com vantagem por todas aquelas fontes?
Para que serve um jornalismo que, seja por simpatia ideológica ou por manifesta falta de meios, apenas repete a narrativa do poder?  Para que serve um jornalismo que repete a narrativa do poder mesmo quando é manifesto que ela é falsa?
Para que serve um jornalismo que apenas desmascara os escândalos que já se tornou impossível manter secretos? Para que serve um jornalismo cujo poder, de tão reduzido, nunca atinge os poderosos? Para que serve um jornalismo que distrai mais do que mobiliza, que bajula mais do que critica?
A reputação do jornalismo tem vindo assim a cair. Nos EUA, a guerra do Iraque  ou a crise do subprime marcam dois momentos de descalabro da reputação da imprensa. Dois enormes escândalos que a imprensa deixou passar incólumes, durante anos, até que eles rebentassem por si sós ou desencadeados por instituições do mundo político, policial ou económico mas não pela imprensa. Uma parte da sociedade americana percebeu só nestes momentos que o "balanced reporting"; de que a boa imprensa americana se orgulha tanto, não é mais do que oferecer tempo de antena às duas forças mais poderosas do establishment e abandonar qualquer preocupação de chegar à verdade.
No Portugal recente podemos dar o exemplo da mentira da "sustentabilidade" da dívida pública, apenas desmontada pela imprensa após inúmeras movimentações de organizações cívicas.
Para que serve um jornalismo que não quer chegar à verdade?
Continuamos a ver o "jornalismo" fazer o seu relato "equilibrado" espetando o microfone à frente do Governo e da Oposição e esquecendo os factos, que ficam do lado de fora, a espreitar pela janela. Para que serve um jornalismo pé-de-microfone? Para que serve um jornalismo que não questiona? Para que serve um microfone que só questiona quem está na mó de baixo? Para que serve um jornalismo que ignora as minorias e os atropelos aos direitos? Para que serve um jornalismo que se entende como a voz do "arco do poder" e que se contenta com o pluralismo dos vários elementos do "arco do poder", mesmo quando é evidente que todos mentem? Estas questões, que todos os cidadãos começam a colocar, ferem de morte a reputação do jornalismo, envenenam a dignidade que lhe resta. E os media passam a fazer parte daquelas instituições em que ninguém (ou quase) confia, como os partidos políticos, o Governo, a Justiça, já não watchdog dos poderes mas cão de regaço dos poderosos.

A crise de credibilidade

E não se trata apenas de uma crise de reputação (que pode ser devida a mil factores e até ter razões honrosas) mas especificamente de uma crise de credibilidade. O problema é que não se pode acreditar no jornalismo. O problema é que a informação transmitida pelo jornalismo é tão sectária, tão propagandística, tão subserviente, tão classista, tão sexista, tão sensacionalista, tão pouco rigorosa ou tão descuidada que não merece mais credibilidade que o rumor que se ouve na praça. Não quer dizer que não haja imensas verdades nos jornais. Quero apenas dizer que essas verdades estão imersas num tal mar de mentiras que lhe retiram toda a credibilidade, toda a autoridade moral.
Os jornalistas dão-se conta disto com particular acuidade e sofrimento.

A crise de identidade

Há muito, entre os jornalistas, quem se ofenda com este estado de coisas. Com a redução do papel de fiscalização dos poderes que compete ao jornalismo, com a standardização e a plastificação do fast journalism, com a inexistência de meios para fazer outra coisa. Uma maioria de jornalistas sabe que o infotainment e os faits-divers que enchem os jornais e os telejornais não são o seu trabalho e gostaria de fazer outra coisa.
Mas qual é afinal o papel do jornalista neste mundo? O que é ser jornalista? Qual é o papel do jornalista numa empresa onde o classificam como "produtor de conteúdos" e onde a sua função parece resumir-se a encher um continente chamado "página" ou "site" ou qualquer outra coisa? Qual é o papel do jornalista numa empresa onde lhe dizem que a sua principal responsabilidade é contribuir para a solidez financeira do jornal, mesmo que para isso seja preciso pôr o jornalismo na gaveta, pois sem jornais não haverá jornalismo? Qual é o papel do jornalista quando lhe dizem que, na actual situação de incerteza, um jornal não se pode dar ao luxo de fazer demasiados inimigos?
Qual é papel do jornalista num mundo onde, de repente, todos parecem ser jornalistas e onde a fiscalização dos poderes é feita por organizações como a Wikileaks e onde as reputações se constroem e destroem no YouTube? E como fiscalizar os poderes sem cometer o pecado mortal de parecer militante?
Qual é o papel do jornalista num mundo onde se pode encontrar excelente informação sobre todos os temas em milhões de sites institucionais ou amadores? Para que servimos? Em que somos diferentes dos outros? Ainda somos indispensáveis? Somos sequer relevantes? Somos melhores que os amadores, que os bloggers? Se desaparecêssemos alguém daria por isso? A quem faríamos falta?
A situação de fragilidade das empresas jornalísticas espalhou a confusão no seio dos jornalistas. Em vez de se concentrarem no essencial, muitas empresas jornalísticas começaram a disparar em todas as direcções, fascinadas pelas possibilidades da tecnologia. Outras, sentindo-me ameaçadas pela avalanche de informação, tentaram ganhar o campeonato da quantidade e da rapidez, mesmo quando não tinham meios para tal.
E a esmagadora maioria continuou a fazer sensivelmente a mesma coisa que fazia antes, ignorando um mundo que se alterava radicalmente à sua volta.
Qual deve ser o papel do jornalista hoje em dia é uma pergunta mais urgente do que nunca e, sem encontrar a resposta, não vai ser possível devolver ao jornalismo a alma que ele se arrisca a perder. 

A crise narrativa

As novas possibilidades abertas pelo online, pelo multimédia, pelas redes sociais, pelo acesso à massa de informação da Internet trouxeram novos problemas aos jornalistas, independentes de todos os outros mas não menos graves.
Como se escreve uma história quando se têm todas estas ferramentas ao alcance dos dedos? Textos longos ou curtos? Ou diaporamas? Como se escreve um texto quando sabemos que os jovens vêem mais vídeos do que lêem textos e que o telemóvel está a suplantar o computador como suporte de acesso à informação? Como se atrai um leitor (espectador?) quando se sabe que a principal via de acesso a uma notícia é através da referência de um amigo no Facebook? Como usar o Facebook? Que suporte escolher? Como falar com os leitores? Como aproveitar as suas contribuições? Como se explora o acesso às bases de dados para fazer um melhor jornalismo? Usar o Twitter ou fazer dossiers multimédia exaustivos? Tell it first ou tell it better? Textos que façam vender o jornal ou que expliquem o mundo?
Perante uma tal crise de modelo narrativo e perante tantas possibilidades, seria de esperar uma explosão de experiências e elas tiveram lugar de facto... mas só raramente nas empresas jornalísticas. Estrangulados por demasiadas urgências, os jornalistas mais uma vez se deixaram ultrapassar por outros profissionais talentosos (artistas, informáticos) e outras organizações, perdendo uma oportunidade de mostrar ao mundo para que serviam as suas competências próprias.

A crise da verdade

O modelo do jornalismo anglo-saxónico, adoptado como referência na Europa, apostado numa abordagem profissional e não política, preocupado com os "factos" e com a "objectividade" e fugindo do pecado mortal da opinião, acabaria, com a profissionalização dos gabinetes de comunicação em todas as organizações, por evoluir para o modelo do jornalismo "equilibrado", que pretende que a descrição justa de um acontecimento e das suas consequências é a que resulta da combinação dos pontos de vista dos diferentes intervenientes e utiliza ao mínimo as capacidades de interrogar a realidade do próprio jornalista.
Esta visão resulta do debate filosófico sobre a inexistência da objectividade, mas também da visão da democracia como o regime do confronto de interesse e da negociação. O problema com esta visão é que nem todos os interesses possuem a mesma voz e a mesma visibilidade, que nem todos possuem o mesmo peso e nem todos são fáceis ou sequer possíveis de identificar. Tentar explicar a crise financeira através de entrevistas com o ministro das Finanças, o Governador do Banco de Portugal e (em nome do "contraditório") com o porta-voz da oposição, não é o mesmo que tentar explicar a crise citando um sem-abrigo, um desempregado e um sindicalista. A versão "equilibrada", com "contraditório", acaba por ser uma versão institucional de onde se torna flagrantemente evidente, em momentos de crise, que a verdade está ausente.
Com a crise financeira, por exemplo, tornou-se evidente que a versão que mais rigorosamente correspondia ao desenrolar dos acontecimentos (na crise do subprime nos EUA, na crise do euro na UE, na crise do BPN ou do BES em Portugal) era uma narrativa marginal, de sectores de esquerda, que foi sistematicamente abafada na narrativa mediática predominante ou apresentada com uma encenação que a identificava como uma bizarria sem credibilidade.
Este sentimento do jornalismo como uma actividade que, em momento cruciais, não esteve do lado da verdade mas do lado do poder, põe em causa de uma forma particularmente dolorosa a sua razão de ser e obriga-nos a revisitar problemas éticos e técnicos que o jornalismo pensava estarem resolvidos.
O jornalismo tem de correr o risco de tentar apurar factos mesmo (ou principalmente) quando eles não coincidem com as verdades oficiais e tem de correr o risco de construir uma narrativa própria, integrando todos os elementos que honestamente considere relevantes e contrariando as verdades oficiais sempre que necessário.

A crise democrática

A institucionalização de um pensamento hegemónico que o jornalismo não só não combate mas tende a impor ou a tratar com benevolência, mesmo perante a evidência dos seus malefícios, constitui uma das consequências e uma das causas mais graves das crises do jornalismo.
Afinal, a informação serve para fazer escolhas e para formar opinião. Mas, se não é possível uma verdadeira escolha, se o leque de opções é tão estreito como é apresentado pelo jornalismo, se apenas se pode alternar entre dois partidos que são primos direitos, se apenas se pode escolher entre o lume a frigideira, se há tantas escolhas sem alternativa, por que razão me devo incomodar? 
Se o jornalismo não me informa sobre o leque de escolhas, se não alarga o leque de escolhas mas antes o estreita, se não me dá informação para escolher de entre todas as opções possíveis, para que serve?
Por que razão preciso de me informar se, pense eu o que pensar, não posso alterar de forma alguma o que se passa à minha volta?
A ideia hegemónica "there is no alternative" que o jornalismo (activa ou passivamente) tem contribuído para difundir transporta uma sentença de morte para o jornalismo e para a democracia.
Se o jornalismo não dá voz aos que não têm voz, se não conta as histórias que alguns querem silenciar mas antes participa no silenciamento, para que serve?
Se o jornalismo é apenas uma caixa de amplificação das vozes que já se fazem ouvir por todo o lado, para que serve?
A ideia de que o jornalismo é uma asséptica ferramenta de informar as massas e não um instrumento fundamental para a democracia, uma actividade cívica por excelência e política por definição, tem colaborado em larga medida para a degradação do jornalismo.
A ideia do jornalista como mediador entre a realidade e os leitores, entre a sociedade e os cidadãos, foi substituída por uma ideia do jornalismo como mediador entre as organizações e os consumidores. O desejo de fazer um jornalismo de onde o conflito está ausente, um jornalismo defensivo que "apenas relata o que lhe dizem" e não corre riscos é contrária ao próprio jornalismo.

O que fazer?

O que se pode extrair daqui, deste panorama catastrófico?
Penso que a consciência desta situação de grave crise traz consigo um mar de possibilidades e muito mais do que uma réstia de esperança.
Penso que, para os cidadãos, é hoje mais evidente do que há dez anos que há escolhas fundamentais que não podemos deixar de fazer e que o jornalismo é fundamental para as podermos fazer de forma informada.
Gosto de dizer que "o objectivo do jornalismo é produzir democracia" (em geral para pasmo das assistências) e penso que é necessário retomar essa chama.
O objectivo do jornalismo é produzir democracia porque a democracia é o regime das escolhas e apenas se pode escolher quando se sabe quais são as possibilidades, quais são as consequências, os custos e os benefícios de cada uma, quando se sabe quem defende o quê e porquê e quando é possível debater tudo isto. Não se podem fazer escolhas sem ter informação, sem ter opinião, sem ter debate público. E tudo isto são os deveres do jornalismo: informação, opinião, debate público. O papel do jornalismo não é fazer de moço de recados dos poderosos.
O jornalismo é também uma máquina de produção de racionalidade porque interroga e obriga a sustentar um discurso em factos e na razão. Não basta repetir o que diz o Governo, mas é preciso saber por que o diz, porque só o diz agora, porque diz agora o contrário do que disse, porque diz o mesmo que Fulano e o contrário de Sicrano. O papel do jornalismo não é repetir, mas interrogar, confrontar, contrapor, confirmar, desmentir.
E, mais importante, o papel do jornalismo não é apenas perguntar e citar, mas ver, investigar e explorar no terreno.
Este papel interveniente, cívico, activo do jornalismo é esperado por toda a sociedade.
Mas isso não significa tomar partido? Deverá o jornalista fazer isso?
Significa e deve. Deve tomar partido pela verdade, pelos factos, pela democracia, pelos direitos, pelos cidadãos (por todos os cidadãos, mesmo os esquecidos) contra a mentira, contra a propaganda, contra os abusos, contra a manipulação.
Significa correr riscos? Certamente. Nem sempre será fácil escolher o que se diz e o que se publica, mas aqui, como sempre, terá de ser a consciência e a transparência de procedimentos a ditar o curso das acções.
O momento que vivemos, com as ferramentas tecnológicas fascinantes (e também perigosas) que temos na ponta dos dedos, mostram-nos todos os dias que o jornalismo está a mudar de forma drástica. Mas mostram-nos também que é hoje possível fazer muito mais e melhor do que fazíamos há dez anos. É hoje possível envolver o público neste novo jornalismo, apostando no trabalho colaborativo, no citizen journalim, no data journalism. O jornalismo nunca foi tão necessário porque a democracia nunca foi tão urgente como agora. As ferramentas estão aí e o público espera isso dos jornalistas. Não de forma passiva como no passado, mas de forma participativa, o que é melhor. O que esperamos?
FIM

terça-feira, junho 10, 2014

Da propaganda neoliberal como uma das belas-artes

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 10 de Junho de 2014
Crónica 29/2014


Um think tank da extrema-direita económica consegue publicar a sua propaganda em milhares de jornais.

Tal como já aconteceu em anos anteriores, vários órgãos de comunicação publicaram na semana passada artigos e reportagens sobre o Dia da Libertação. Só que este Dia da Libertação, apesar de ter caído também no dia 6 de Junho, não era a comemoração do desembarque na Normandia em 1944, nem o dia da vitória sobre a Alemanha nazi que se comemora em muitos países da Europa invadidos durante a guerra, mas sim o Dia da Libertação de Impostos.

Nessas peças jornalísticas, baseadas todas ou quase num despacho da agência Lusa (ainda que muitos não o assinalassem, seguindo uma lamentável tradição nacional), os seus autores explicavam que, até ao dia 6 de Junho, os portugueses tinham trabalhado apenas para pagar impostos e que era só a partir desse dia que estavam, finalmente, a trabalhar “para si”.

Era difícil ouvir estas reportagens sem ficarmos indignados com a ganância deste Estado que nos rouba o dinheiro arduamente ganho e esse era o tom dos entrevistados de rua que vi na televisão. Todos lamentavam que tivessem de dar tanto dinheiro ao Estado e que ficasse tão pouco para eles próprios, incluindo uma mulher que se identificava como funcionária pública, mas que não tinha parado para pensar que era daqueles impostos que vinha a totalidade do seu salário.

As reportagens que vi e os artigos que li dividiam-se entre um tom técnico e factual ou um tom discretamente escandalizado e todos citavam “um relatório”, “uma organização” ou “os autores do estudo”. Todos, porém, eram peças de pura propaganda.

O subtexto de todos eles era cristalino: o Estado é uma entidade parasita, que rouba aos honestos trabalhadores mais de metade do que produzem para o enterrar num buraco negro sem dar nada em troca e, se não fosse assim, todos estaríamos muito melhor.

Não vi nem li uma peça onde se referisse, mesmo que à margem, que é com esse dinheiro que se pagam escolas e hospitais, estradas e pontes, salários de enfermeiros e médicos, juízes e polícias, autarcas e bibliotecários, cientistas e professores, a protecção civil e a defesa do património, o apoio aos deficientes e o combate à pobreza, os seguros que nos garantem protecção na doença e no desemprego. Não vi nem uma peça que lembrasse que, até dia 6 de Junho, o que o nosso trabalho cobre, o que os nossos impostos de todo o ano pagam são estas necessidades básicas, sem as quais seríamos, simplesmente, um bando de animais.

É tão relevante ou tão disparatado sublinhar que trabalhamos até dia 6 de Junho para pagar impostos, como sublinhar que trabalhamos três meses por ano para o nosso senhorio, mais dois meses para o Pingo Doce e o restante mês para a EDP e para a Nos, sem que sobre um euro que seja “para nós”.

Todas estas “peças jornalísticas” são peças de propaganda porque, insidiosamente, insinuam que os impostos não são para “nós” mas para “eles”, que os impostos servem interesses e grupos que não são os da comunidade. Mas, curiosamente, estes estudos não referem que trabalhamos mais de um mês por ano para pagar apenas juros (e, aí sim, sem termos absolutamente nada em troca), para além do que temos de trabalhar para pagar a dívida em si.

Como não referem que a organização autora do estudo, a New Direction-The Foundation for European Reform, não é um think tank independente e idóneo, mas apenas um lobby da extrema-direita económica instalado em Bruxelas para impor a agenda neoliberal, que tem como santa padroeira Margaret “There Is No Alternative” Thatcher.

É evidente que é importante conhecer e avaliar a evolução ao longo dos anos da colecta fiscal. E é importante fazer estudos comparativos com outros países. Mas não para estabelecer como objectivo reduzir cegamente a “carga fiscal”. Não se pode avaliar a bondade de uma política fiscal sem saber para quê e como são usados os nossos impostos. Não é apenas o custo que conta: é também o benefício que se recebe em troca.

E é por isso que, entre os países que aceitam as maiores “cargas fiscais” da Europa, vemos países com elevados níveis de bem-estar como a Bélgica, a França, a Áustria ou a Alemanha.

A New Direction-The Foundation for European Reform tem uma agenda e uma estratégia a que se costuma dar o nome de “starve the beast” e que foi a agenda e a estratégia de Thatcher e de Reagan. A “beast” é o Estado (Cavaco chama-lhe “o monstro”, mas é a mesma coisa) que é apresentado como um sorvedouro insaciável de dinheiros dos contribuintes. A estratégia é reduzir drasticamente os impostos, convencendo os cidadãos que lhes estão a “meter dinheiro nos bolsos” e, em seguida, reduzir a oferta de serviços públicos com o argumento de que… não há dinheiro. Segue-se a privatização de serviços públicos que são transformados em negócios para os amigos. Os pobres ficam mais pobres e morrem pobres e os ricos ficam mais ricos e vivem felizes para sempre, comemorando o Dia da Libertação dos Impostos e torcendo-se a rir com gosto.

jvmalheiros@gmail.com

terça-feira, janeiro 14, 2014

O sonho evanescente de um jornalismo independente

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 14 de Janeiro de 2014
Crónica 2/2014


Quem quiser saber quais são os impactos desta ou daquela política tem hoje de se dedicar a um trabalho insano

Uma piada que corre há uns anos nos EUA diz que os americanos vêem programas de humor como o “Daily Show” do humorista Jon Stewart para ficarem informados e programas de informação como os da Fox News para se rirem. É verdade que os programas de Jon Stewart são particularmente informativos e fazem uma atenta leitura crítica da realidade poilítica americana e que os programas da reaccionária Fox News são particularmente manipuladores e desonestos, mas o aforismo é verdade em geral e não apenas para os EUA. Humoristas como os americanos Jon Stewart e George Carlin, como os britânicos Monty Python ou Ricky Gervais, como o francês Coluche ou como os portugueses Mário Viegas, Bruno Nogueira ou Ricardo Araújo Pereira tiveram ou têm um papel mais importante na visão crítica da sociedade e na denúncia de injustiças ou de absurdos do que a esmagadora maioria dos media de informação e dos jornalistas profissionais.

Mas não se trata só dos humoristas. Uma das grandes alterações do panorama mediático dos últimos anos, em Portugal e não só, foi a relevância conquistada pelos artigos de opinião. Hoje em dia, uma percentagem elevada de leitores de jornais e sites começa a sua leitura diária pela secção de Opinião e dedica a estes textos um tempo muito superior ao que dedica aos textos noticiosos. O êxito dos blogs na primeira década do século ou das redes sociais nesta década é aliás um reflexo desta valorização da opinião, ainda que produzida por autores muitas vezes comprometidos ou mesmo fortemente sectários. Porque é que essa parcialidade dos pontos de vista não reduz de forma dramática a audiência e a credibilidade dos opinadores? Porque a parcialidade é compensada pela enorme riqueza e variedade de pontos de vista disponível na Internet e pelo controlo que o sistema de comentários consegue fazer, corrigindo erros e compensando exageros.

Nada disto seria um problema se não se desse o facto de que estes cidadãos procuram cada vez mais as crónicas humorísticas e os artigos de Opinião não só para saber o que os seus autores pensam mas principalmente para “saber o que aconteceu”, ou “o que aconteceu de importante” ou “o que quer dizer aquilo que aconteceu” - num cenário onde essa informação já não pode, ou quase não pode, ser extraída da actividade jornalística e das notícias em particular.

De facto, assistimos nos últimos trinta anos (desde o consulado de Margaret Thatcher, também conhecida pelo petit nom “TINA”, de “There Is No Alternative”) a uma investida da agenda neoliberal que se tem traduzido não só na imposição de visões ideológicas da extrema-direita económica pela propaganda partidária mas também numa captura da actividade jornalística, de forma a censurar de facto qualquer veleidade de discurso independente. Este cerco e subsequente conquista do jornalismo (com raras excepções pontuais) foi possível devido ao uso combinado de diferentes armas e ao concurso de algumas circunstâncias fortuitas, mas hoje está quase completamente concluído. Quem quiser saber o que se passa de facto na política portuguesa ou europeia, quais serão os impactos desta ou daquela política, tem hoje de dedicar um tempo insano à leitura de blogs de especialistas e comentadores independentes, de textos de organizações partidárias e profissionais, de estudos académicos. O jornalismo costumava fazer-nos poupar tempo mas deixou de o fazer. O que o grosso do jornalismo hoje nos oferece (e a televisão tem aqui o principal papel) não é mais do que a repetição de um discurso hegemónico, de carácter propagandístico, de direita (defensor da desigualdade), que nos repete que não há alternativa (TINA) ao crescimento da pobreza, à desigualdade, ao enriquecimento dos mais ricos, à destruição do estado social, à degradação do trabalho, à exclusão dos pobres.

Isto não significa que a função de fact checking do discurso do poder não seja feita (esporadicamente) por alguns jornalistas e órgãos de imprensa, mas significa que essa função é silenciada por uma enxurrada de propaganda, que os media repetem, com a desculpa de que estão “a citar o primeiro-ministro” ou outra semelhante e com o argumento (verdadeiro) de que não possuem meios para verificar tudo o que o homem diz.

Veja-se o que se passa com a invenção do “aumento do emprego” do discurso de Passos Coelho, ou com a aldrabice da “retoma económica” que o Governo tem vindo a repetir, ou com a ficção do “programa cautelar” delicodoce que Cavaco Silva elogia ou com a abjecção da “insustentabilidade das pensões” que PSD e CDS apregoam. Não há pessoas a denunciar estas e outras aldrabices? Há, e há-as da esquerda radical à direita democrata-cristã (a sério) e as vozes que o dizem são reconhecidamente competentes e respeitadas. Mas são vozes singulares num mar de discurso propagandístico avassalador que repete a voz do dono e onde as televisões ocupam a parte de leão. Este é o cancro que se encontra no centro do problema político das sociedades actuais. (jvmalheiros@gmail.com)

terça-feira, novembro 19, 2013

Quando o discurso jornalístico reproduz a propaganda

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 12 de Novembro de 2013
Crónica 42/2013


Usar a expressão “arco da governabilidade” é equivalente a proclamar um direito natural do PS, PSD e CDS a governar


É interessante fazer uma pesquisa. “Arco da governação”: 132.000 resultados no Google. “Arco da governabilidade”: 90.300 resultados.

O que quer dizer “arco da governação”? A expressão foi inventada por Paulo Portas e representa os três partidos políticos mais à direita no espectro parlamentar: o CDS, o PSD e o PS. Os três partidos que assinaram o memorando da troika.

Para o CDS a expressão vale ouro. Num sistema que funciona garantindo a alternância entre PS e PSD, o “arco da governação” foi a sua maneira de meter o pé na porta e garantir a entrada na primeira divisão. “Eu também! Eu também sou da governação!” E é verdade. O CDS tem estado em coligação em vários governos, ajudando o PSD ou o PS a garantir a maioria que lhes forneceu apoio parlamentar.

Depois do “arco da governação“ Portas lançou o “arco da governabilidade”, esticando um pouco mais a corda. Se o “arco da governação“ podia ser definido como o conjunto dos partidos que “têm governado” nos últimos anos, o “arco da governabilidade” é o conjunto dos partidos que “podem governar”, os partidos que podem garantir que o país é governável.

O problema com estas expressões é que são ambas expressões de propaganda, que têm o objectivo de excluir do panorama político e mediático as forças mais à esquerda.

Usar a expressão “arco da governabilidade” para representar a tríade PS-PSD-CDS é equivalente a proclamar um direito natural destes partidos a governar e a proclamar a não-naturalidade da participação de outros partidos no Governo. Um Governo com o PCP? Com o BE? Hmmm… não sei… não fazem parte do “arco da governação”, pois não?

A colagem de epítetos aos partidos sempre fez parte do debate político, com o intuito de criar divisões ou forçar alianças, de promover ou atacar esta ou aquela força. O que é novo e surpreendente é o facto de expressões deste tipo, politicamente marcadas, criadas para ser usadas no combate político, carregadas de uma intenção de segregação de uma parte do espectro político, serem usadas por pivots de telejornais, por jornalistas e comentadores de jornais, por académicos e responsáveis políticos mesmo quando possuem um dever de neutralidade e mesmo quando pensam estar a ser equidistantes. A questão é que, por banalizada que a expressão esteja, ela continua a transmitir os seus valores e a condicionar de forma subconsciente o comportamento e as atitudes dos cidadãos. Quando um jornalista refere o “arco da governação” está a manipular os seus leitores.

O jornalismo está cada vez mais cheio destes chavões. Expressões curtas, às vezes bem gizadas, que instilam um insidioso pensamento sectário e disseminam uma determinada visão do mundo.
Uma que nos últimos dias (a propósito do chamado “Guião para a reforma do Estado”) encheu os jornais foi “a regra de ouro”. Quem é que não gosta de uma regra de ouro? Não é evidente que uma regra de ouro é sempre absolutamente boa e perfeita e nos orienta no caminho do bem, da verdade e da felicidade? Não é a regra de ouro da moral (“faz aos outros como queres que te façam a ti”) que se encontra na base da ética de reciprocidade sobre a qual construímos o nosso direito e as nossas sociedades?

Só que esta “regra de ouro” que agora emergiu é a “regra de ouro orçamental” e representa a inscrição de limites à dívida e ao défice na Constituição. Quem teve a desfaçatez de lhe chamar “regra de ouro”? Os estrategas que inventaram o tratado orçamental claro, ou os publicitários ao seu serviço. Mas isso não evita que, para a maioria dos jornalistas e comentadores, esta “regra de ouro”, altamente discutível para não dizer criminosa, que representa uma opção política com riscos cada vez mais claros, que serve determinados interesses e espezinha direitos, seja… a “regra de ouro”. Para quê pensar quando se tem um computador à frente que faz copy-paste? E neste momento há milhões de portugueses sem perceber por que razão há pessoas que são contra algo tão bom como tem de ser uma “regra de ouro”.

É também assim que os media nos dizem que o “PS recusa participar em qualquer diálogo com a maioria” (esquecendo-se de acrescentar “à margem do Parlamento”) só porque o líder parlamentar do PSD usou aquelas mesmíssimas palavras.

Ou dizem que os “Pais aprovam serviços mínimos nos exames“ só porque a direcção de uma associação de pais o disse. Pequenas simplificações que nos convencem de que o mundo é um sítio diferente daquele que é na realidade.

Os jornalistas devem usar as palavras das suas fontes quando fazem citações. Mas apenas quando fazem citações. Quando relatam acontecimentos ou os comentam, têm, por imperativo deontológico, de se distanciar do discurso das suas fontes porque este é sempre parcial e frequentemente manipulador. A imposição do léxico da direita no discurso mediático é a maior vitória que essas forças políticas poderiam almejar. Mas estão a consegui-lo. Utilizar o discurso do Governo para fazer notícias não é fazer notícias, mas sim fazer propaganda. Se o jornalista o faz conscientemente, comete uma falha ética grave. Se não o faz intencionalmente faltam-lhe competências técnicas básicas para fazer jornalismo. (jvmalheiros@gmail.com)

terça-feira, novembro 13, 2012

A propaganda neoliberal e a demissão dos media

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 13 de Novembro de 2012
Crónica 45/2012

A maior vitória do neoliberalismo é esta, os ataques que os pobres desferem uns contra os outros

Agora é raro o dia sem uma petição. É rara a semana sem uma manifestação. Causas urgentes e necessárias, causas justas, às vezes questões de vida ou de morte, questões de direitos, de liberdade, de dignidade, de futuro. As petições não custam nada, é só assinar no computador. As manifestações são mais complicadas, é preciso ir, organizar o dia à volta da manifestação, saber onde é, por onde passa, quem convoca, que transportes apanhar, vencer a resistência a participar - não por comodismo, mas porque quase nunca estamos de acordo com tudo o que representa uma manifestação. É preciso negociar connosco próprios, ceder, defender o essencial e esquecer o acessório, pensar nos fins sem nunca esquecer os meios, medir vantagens e benefícios, participar na contestação mas não banalizar a contestação, mobilizar as pessoas mas não cansar as pessoas.


Agora todos os dias são dias de luta, mas esta luta atomizada em manifestações e petições, em debates e reuniões de trabalho, em artigos para os jornais e fotografias e posts e comentários nas redes sociais não tem um sentido definido. Muitos dos que contestam a austeridade quando ela lhes chega ao bolso concordam que gastámos acima das nossas possibilidades e que é preciso pagar e, se continuarmos a conversa, ainda defendem que o Estado corte nos gastos sociais dos outros. Muitos dos discursos de rua que começam a criticar este Governo e o anterior e os anteriores estendem rapidamente o seu ódio a todos os políticos, a todos os partidos e à própria política e acabam a criticar a democracia que entregou o poder aos arrivistas corruptos. Muitos dos que começam a criticar a falta de democracia na União Europeia acabam a demonizar os estrangeiros que só nos querem roubar o pouco que temos e a defender o isolacionismo.


A maior vitória do neoliberalismo é esta, os ataques que os pobres desferem uns contra os outros. O maior ataque ao Estado Social é este, o que se ouve nas conversas dos cidadãos comuns, que criticam os que beneficiam de apoios do Estado porque obrigam o Governo a aumentar os impostos. Que criticam as famílias que recebem o RSI e levam as crianças ao café para comer bolos, como se comer bolos fosse um direito dos nossos filhos mas não dos filhos dos outros. Que criticam os grevistas dos transportes, porque prejudicam quem quer ir trabalhar e não pode. Que criticam a classe média que vai aos hospitais públicos e gasta recursos do Estado mas tem dinheiro para ir aos hospitais privados. Que até são capazes de concordar com o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, que explica que acabar com os descontos no passe social é justo porque evita que Belmiro de Azevedo ande de autocarro a beneficiar dos nossos impostos.


Uma das coisas mais tristes desta crise é ser bombardeado com as mensagens-correntes de mail onde se denunciam os pretensos privilégios e os grandes salários de alguns. Nalguns casos, raros, a indignação é legítima. Há gastos excessivos, sumptuários, onde devia haver contenção e frugalidade no uso de dinheiros públicos. Mas em muitos casos a indignação é não só disparatada mas cirurgicamente orientada para desviar as atenções das benesses de que goza o capital. Enquanto umas centenas de ingénuos se indignam com os salários de certas estrelas da televisão (“Envia esta mensagem a vinte dos teus amigos!”), não dizem uma palavra contra os juros cobrados a Portugal pela “ajuda externa”, contra o escândalo do BPN e das PPP, contra os benefícios escandalosos concedidos aos bancos, as isenções fiscais das grandes empresas, a fuga legal aos impostos dos grupos económicos com sede na Holanda, o desvio de dinheiros para paraísos fiscais, os impostos inexistentes sobre os rendimentos do capital. Tudo isso é escamoteado pelo cachet de José Carlos Malato ou de Catarina Furtado.


A maior vitória do neoliberalismo é esta, é este discurso, uma vitória conseguida a golpes de propaganda repetida sem descanso, com a cumplicidade (frequentemente involuntária e acéfala) dos media.


É por isso que continuamos a ouvir Vítor Gaspar nos telejornais, repetindo as suas fantasias que nenhum raciocínio sustenta. Um dia, ele ou outra marioneta do Governo virá dizer-nos que a Terra é plana e os media, dando provas de equilíbrio e isenção, dirão, “Essa não é porém a posição do geógrafo Fulano de Tal, que sustenta, por seu lado, que...”


A responsabilidade dos media na alimentação deste discurso é central. É por isso que vemos, em movimentos cívicos como o Manifesto contra a Privatização da RTP ou a Iniciativa de Auditoria Cidadã à Dívida Pública ou a Rede Economia com Futuro, a necessidade de produzir e disponibilizar informação que os media deveriam produzir, filtrar, validar e difundir mas que não produzem, não filtram, não validam e não difundem. Os movimentos sociais estão a tentar fazer o trabalho que devia ser dos media mas eles ainda não perceberam, preocupados como estão em colocar o microfone bem próximo dos lábios de Vítor Gaspar. (jvmalheiros@gmail.com)

quinta-feira, outubro 18, 2012

Manifesto: Pelo jornalismo, pela democracia

Manifesto

17 de Outubro de 2012

A crise que abala a maioria dos órgãos de informação em Portugal pode parecer aos mais desprevenidos uma mera questão laboral ou mesmo empresarial. Trata-se, contudo, de um problema mais largo e mais profundo, e que, ao afectar um sector estratégico, se reflecte de forma negativa e preocupante na organização da sociedade democrática.
O jornalismo não se resume à produção de notícias e muito menos à reprodução de informações que chegam à redacção. Assenta na verificação e na validação da informação, na atribuição de relevância às fontes e acontecimentos, na fiscalização dos diferentes poderes e na oferta de uma pluralidade de olhares e de pontos de vista que dêem aos cidadãos um conhecimento informado do que é do interesse público, estimulem o debate e o confronto de ideias e permitam a multiplicidade de escolhas que caracteriza as democracias.  O exercício destas funções centrais exige competências, recursos, tempo e condições de independência e de autonomia dos jornalistas. E não se pode fazer sem jornalistas ou com redacções reduzidas à sua ínfima expressão.
As lutas a que assistimos num sector afectado por despedimentos colectivos, cortes nos orçamentos de funcionamento e precarização profissional extravasa, pois, fronteiras corporativas.
Sendo global, a crise do sector exige um empenhamento de todos - empresários, profissionais, Estado, cidadãos - na descoberta de soluções.
A redução de efectivos, a precariedade profissional e o desinvestimento nas redacções podem parecer uma solução no curto prazo, mas não vão garantir a sobrevivência das empresas jornalísticas. Conduzem, pelo contrário, a uma perda de rigor, de qualidade e de fiabilidade, que terá como consequência, numa espiral recessiva de cidadania, a desinformação da sociedade, a falta de exigência cívica e um enfraquecimento da democracia.
Porque existe uma componente de serviço público em todo o exercício do jornalismo, privado ou público;
Porque este último, por maioria de razão, não pode ser transformado, como faz a proposta do Governo para o OE de 2013, numa “repartição de activos em função da especialização de diversas áreas de negócios” por parte do “accionista Estado”;
Porque o jornalismo não é apenas mais um serviço entre os muitos que o mercado nos oferece;
Porque o jornalismo é um serviço que está no coração da democracia;
Porque a crise dos média e as medidas erradas e perigosas com que vem sendo combatida ocorrem num tempo de aguda crise nacional, que torna mais imperiosa ainda a função da imprensa;
Porque o jornalismo é um património colectivo;
Os subscritores entendem que a luta das redacções e dos jornalistas, hoje, é uma luta de todos nós, cidadãos.
Por isso nela nos envolvemos.
Por isso manifestamos a nossa solidariedade activa com todos os que, na imprensa escrita e online, na rádio e na televisão, lutando pelo direito à dignidade profissional contra a degradação das condições de trabalho, lutam por um jornalismo independente, plural, exigente e de qualidade, esteio de uma sociedade livre e democrática.
Por isso desafiamos todos os cidadãos a empenhar-se nesta defesa de uma imprensa livre e de qualidade e a colocar os seus esforços e a sua imaginação ao serviço da sua sustentabilidade.


Proponentes

  1. Adelino Gomes - Jornalista
  2. Agostinho Leite - Lusa
  3. Alexandre Manuel - Jornalista e Professor Universitário
  4. Alfredo Maia - JN (Presidente do Sindicato de Jornalistas)
  5. Ana Cáceres Monteiro -  Media Capital
  6. Ana Goulart - Seara Nova
  7. Ana Romeu - RTP
  8. Ana Sofia Fonseca - Expresso
  9. Anabela Fino - Avante
  10. António Granado - RTP; Professor Universitário
  11. António Navarro - Lusa
  12. António Louçã - RTP
  13. Avelino Rodrigues - Jornalista
  14. Camilo Azevedo - RTP
  15. Carla Baptista - Jornalista e Professora Universitária
  16. Catarina Almeida Pereira - Jornal de Negócios
  17. Cecília Malheiro - Lusa
  18. Cesário Borga - Jornalista
  19. Cristina Margato - Expresso
  20. Cristina Martins - Expresso
  21. Daniel Ricardo - Visão
  22. Diana Andringa - Jornalista
  23. Diana Ramos - Correio da Manhã
  24. Elisabete Miranda - Jornal de Negócios
  25. Fernando Correia - Jornalista e Professor Universitário
  26. Filipa Subtil - Professora Universitária
  27. Filipe Silveira - SIC
  28. Filomena Lança - Jornal de Negócios
  29. Francisco Bélard - Jornalista
  30. Frederico Pinheiro - Sol
  31. Hermínia Saraiva - Diário Económico
  32. João Carvalho Pina - Kameraphoto
  33. João d’Espiney - Público
  34. João Paulo Vieira - Visão
  35. Joaquim Fidalgo - Jornalista e Professor Universitário
  36. Joaquim Furtado - Jornalista
  37. Jorge Araújo - Expresso
  38. Jorge Wemans - Jornalista
  39. José Luís Garcia - Docente e Investigador (ICS-UL)
  40. José Luiz Fernandes - Casa da Imprensa
  41. J.-M.  Nobre-Correia - Professor Universitário
  42. José M. Paquete de Oliveira - Docente, cronista, ex-provedor do telespectador (RTP)
  43. José Manuel Rosendo - RDP
  44. José Mário Silva - Jornalista freelancer
  45. José Milhazes - SIC / Lusa (Moscovo)
  46. José Rebelo - Professor  Universitário e ex-jornalista
  47. José Vitor Malheiros - Cronista, consultor
  48. Leonete Botelho - Público
  49. Liliana Pacheco - Jornalista (investigadora)
  50. Luciana Liederfard - Expresso
  51. Luis Andrade Sá - Lusa (Delegação de Moçambique)
  52. Luis Reis Ribeiro - I
  53. Luísa Meireles - Expresso
  54. Manuel Esteves - Jornal de Negócios
  55. Manuel Menezes - RTP
  56. Manuel Pinto - Professor Universitário
  57. Margarida Metelo - RTP
  58. Margarida Pinto - Lusa
  59. Maria de Deus Rodrigues - Lusa
  60. Maria Flor Pedroso - RDP
  61. Maria José Oliveira - Jornalista
  62. Maria Júlia Fernandes - RTP
  63. Mário Mesquita - Jornalista e Professor Universitário
  64. Mário Nicolau - Revista C
  65. Martins Morim - A Bola
  66. Miguel Marujo- DN
  67. Miguel Sousa Pinto - Lusa
  68. Mónica Santos - O Jogo
  69. Nuno Aguiar - Jornal de Negócios
  70. Nuno Martins - Lusa
  71. Nuno Pêgas - Lusa
  72. Oscar Mascarenhas - Jornalista
  73. Patrícia Fonseca - Visão
  74. Paulo Pena - Visão
  75. Pedro Caldeira Rodrigues - Lusa
  76. Pedro Manuel Coutinho Diniz de Sousa - Professor Universitário
  77. Pedro Pinheiro - TSF
  78. Pedro Rosa Mendes - Jornalista e escritor
  79. Pedro Sousa Pereira - Lusa
  80. Raquel Martins - Público
  81. Ricardo Alexandre - Antena 1
  82. Rosária Rato - Lusa
  83. Rui Cardoso Martins - Jornalista e escritor
  84. Rui Nunes - Lusa
  85. Rui Peres Jorge - Jornal de Negócios
  86. Rui Zink - Escritor e Professor Universitário
  87. Sandra Monteiro - Le Monde diplomatique (edição portuguesa)
  88. São José Almeida - Jornalista
  89. Sara Meireles - Docente Universitária e Investigadora (ESEC-Coimbra)  
  90. Sofia Branco - Lusa
  91. Susana Venceslau - Lusa
  92. Tiago Dias - Lusa
  93. Tiago Petinga - Lusa
  94. Tomás Quental - Lusa
  95. Vitor Costa - Lusa


Este é apenas o primeiro passo duma iniciativa que pretende ser mais ampla.
Nos próximos dias todos os jornalistas, bem como todos os cidadãos vão ser convidados a assinar e a participar.

Pelo jornalismo, Pela democracia