por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 25 de Janeiro de 2011
Crónica 4/2011
Crónica 4/2011
Da alegria de ter Aníbal Cavaco Silva como Presidente da República Portuguesa
Agora que já tudo acabou, é tempo de fazer o balanço. E é preciso sublinhar que o balanço não pode deixar de ser considerado positivo.
Como já é habitual, esta eleição, muito personalizada, contou com um escol de candidatos que, apesar das naturais diferenças ideológicas, de estilo e de percurso, possuíam em comum um inegável leque de competências políticas e éticas. Todos ofereciam garantias de exercício de uma presidência empenhada no reforço da democracia e na redução das desigualdades, no desenvolvimento económico e no combate à corrupção. Foi reconfortante, mesmo antes das eleições, poder ter esta certeza de que, ganhasse quem ganhasse, o próximo mandato presidencial seria exercido de forma sensata e independente, seria um exemplo de um magistério equilibrado, de uma relação de lealdade e exigência com o Governo e os partidos, de uma estimulante intermediação com a sociedade civil e de uma irrepreensível probidade republicana. Mais do que isso, foi tranquilizador constatar que o candidato favorito era alvo, para além das normais críticas do combate político, de um indisfarçável respeito por parte dos seus adversários. Respeito pelo político, mas também pela pessoa. O seu brilhantismo intelectual, a sua lealdade na arena política, a sua visão estratégica, a sua integridade como cidadão foram referências sempre presentes ao longo da campanha e forneceram a todos os eleitores uma sólida confiança no futuro do país, apesar do quadro recessivo e das dificuldades que quase todos encaram.
A campanha constituiu um exemplo de envolvimento cívico e, se não permitiu um esclarecimento perfeito dos eleitores, pelo menos proporcionou interessantes debates sobre a actual situação política e as opções que se abrem aos portugueses. Particularmente importante foi a forma como cada candidato pôde explicar, sem demagogias nem azedume, de que forma iria utilizar a reduzida panóplia de instrumentos políticos do Presidente da República em prol do bem-estar dos portugueses. Surgiram neste debate pérolas de sabedoria e imaginação que são uma inspiração para todos os cidadãos e todos os candidatos.
Foi digna de nota a frontalidade e a disponibilidade com que o actual Presidente e candidato respondeu a todas as questões que surgiram na campanha, muitas das quais objectivamente incómodas e desagradáveis, a transparência com que facilitou toda a informação e satisfez todas as perguntas e, de uma forma geral, o seu empenho em não deixar qualquer dúvida nos espíritos dos eleitores. Particularmente notável foi a sua declaração de que “ninguém está acima da lei: nem os candidatos, nem o presidente” e o seu fair-play ao afirmar que “as campanhas servem precisamente para questionar os candidatos e para esclarecer as dúvidas que possam surgir no espírito dos cidadãos”. Notável também a sua réplica “A imprensa? a imprensa faz o seu papel, que é fundamental numa democracia”.
A eleição contou, como se esperava, com uma afluência recorde às urnas, que já se tornou habitual na grande festa da democracia.
Raras vezes se terá ouvido um discurso de vitória tão elegante como aquele que Cavaco Silva pronunciou na noite das eleições. O presidente-em-exercício-e-presidente-eleito minimizou qualquer acrimónia que pudesse ter emergido durante o confronto eleitoral, cumprimentou os seus adversários e afirmou-se como garante da unidade nacional, acima da trica politiqueira e empenhado numa profícua colaboração institucional entre todos os protagonistas políticos. Soube-se depois que o presidente-eleito conta reunir todos os candidatos num jantar, que oferecerá uma semana depois da sua tomada de posse. O gesto é inédito, mas não surpreende. Cavaco Silva é, acima de tudo, um gentleman.
Em tudo isto, há apenas um senão: o facto de esta ser a única frase verdadeira de todo este texto. (jvmalheiros@gmail.com)