por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 9 de Abril de 2013
Crónica 13/2013
Se no fim não houver Portugal nem portugueses não faz mal. O que é preciso é pagar.
1. Conhecem aquelas empresas de “consultoria de gestão” que, quando são chamadas para aconselhar uma empresa em dificuldades, com receitas de nove milhões de euros e despesas de dez milhões, sugerem um despedimento de vinte por cento do pessoal, o que faz a última linha do balanço regressar ao azulna folha de Excel e depois cobram 500.000 euros pelo conselho como se tivessem resolvido alguma coisa? Todas têm algo em comum: são empresas experientes no Excel, por vezes hábeis no PowerPoint, e todas têm uma indiferença absoluta pela empresa que os contratou, pela qualidade dos seus produtos, pela satisfação dos seus clientes, pelo bem-estar dos seus trabalhadores, pela sociedade onde a empresa actua e pela dignidade das pessoas em geral. O que irá acontecer no longo prazo à empresa também lhes é absolutamente indiferente. Se algo correr mal, se a empresa se desagregar, se a sua reputação for destruída, se falir, dirão sempre que a responsabilidade foi da execução dos outros. A sua folhinha de Excel estava perfeita.
Estes consultores nunca têm dúvidas e raramente hesitam. Na sua folhinha de Excel é fácil chegar aos lucros. Basta fazer delete de uma coluna, reduzir 10 por cento na outra coluna, aumentar 20 por cento os valores de uma outra e o resultado aparece. Sempre.
Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar são os nossos exemplos caseiros destes tecnocratas de cálculo rápido e escrúpulo escasso. O Tribunal Constitucional chumba algumas medidas do orçamento? Aproveita-se a oportunidade para explicar que isto do Estado de Direito é uma chatice que só prejudica, mas não há problema: corta-se uma percentagemzinha nas colunas da Segurança Social, da Saúde e da Educação e na coluna das empresas públicas põe-se a receita da sua venda. Não há problema. Era o que já estávamos a fazer. Olha, já bateu certo! Cá está: os 1300 milhões do orçamento deste ano, mais os 4.000 milhões que a gente já tinha dito, mais os 1600 milhões que afinal também era preciso porque não eram bem 4.000 milhões... Eu não disse que não era preciso plano B?
Gaspar tinha razão. O plano foi sempre e continua a ser o Estado mínimo, a destruição do Estado Social e a sua substituição pela caridade privada, a alienação do património público, a privatização dos serviços públicos, o empobrecimento da população, a criação de um exército de desempregados disponíveis para aceitar remunerações de miséria. E pagar a dívida e os juros. É para isso que o Governo cá está. E se no fim não houver Portugal nem portugueses não faz mal. É o plano A. Continua a ser o plano A. Sempre foi o plano A.
2. António José Seguro garante estar disponível, pronto e desejoso de governar Portugal, ainda que apenas após eleições. Mas quando interrogado sobre a forma como resolveria o problema do orçamento de 2013 responde que o problema não é seu e que quem criou o problema que o resolva. Alguém pode explicar a Seguro (sei lá, um tio ou um vizinho ou assim) que governar significa ter de resolver todos os problemas do país, incluindo os que o Governo anterior deixou? Ou Seguro, quando for primeiro-ministro, tenciona chamar Passos Coelho para tratar dos dossiers que tenham ficado pendentes?
(Já agora: alguém faz ideia de quem seria o Governo de António José Seguro? Só para termos uma noção.)
3. Na sua comunicação ao país, Pedro Passos Coelho nunca colocou sobre a mesa a possibilidade de uma renegociação da dívida ou dos termos do memorando assinado com a troika, nunca esboçou qualquer atitude de maior firmeza negocial com os credores, nunca sugeriu a mínima intenção de jogar uma cartada que fosse em defesa do país e dos portugueses - quando tudo justificaria que o fizesse, por imperativo de Estado, por razões de táctica política na relação com os restantes países da União Europeia, por razões humanitárias e até por razões de dignidade pessoal. Apesar de ser evidente que a dívida é impossível de pagar, que os esforços nesse sentido apenas pioram a situação financeira e destroem a economia, que os juros sacrificam os portugueses e colocam em causa o futuro do país. Para Passos Coelho, as únicas prioridades são o pagamento da dívida, custe o que custar. Um pagamento que nunca estará concluído e que condena o país a uma escravatura eterna. Para Passos Coelho, os credores mandam, os usurários merecem respeito e os mercados são os únicos senhores. Nunca um primeiro-ministro se mostrou tão servil perante um poder estrangeiro (porque é também de relações entre países que se trata), tão zeloso na sua posição de lacaio dos mais fortes e tão indiferente perante o sofrimento dos mais fracos. Nunca nesta república um primeiro-ministro, que jurou cumprir a Constituição e defender a soberania nacional, desrespeitou de forma tão descarada o seu juramento solene e aviltou desta forma a honra do país que devia servir.
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