por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 16 de Abril de 2013
Crónica 14/2013
É lamentável que o CRUP continue a não saber interpretar as suas responsabilidades
A semana passada foi marcada por um raro gesto de dignidade cívica, no meio da maré fétida que invadiu a actividade política e a vida das instituições públicas. Sintomaticamente, o gesto foi rapidamente submergido pela avalanche dos despejos quotidianos dos servidores obedientes do Governo, mas a sua existência merece ser notada.
O reitor da Universidade de Lisboa, António Sampaio da Nóvoa, num comunicado publicado no site da reitoria, reagiu ao despacho de Vítor Gaspar onde este congelou a actividade do Estado como retaliação contra o chumbo pelo Tribunal Constitucional das medidas inconstitucionais contidas no Orçamento de Estado para 2013. Que Vítor Gaspar não tem bom perder já se sabe, que tem reduzidos escrúpulos é evidente, que considera que o Estado deve ser mínimo e apenas deve funcionar quando é necessário extorquir dinheiro aos contribuintes para pagar aos especuladores financeiros sabemo-lo bem demais. Que fosse capaz de levar a sua vendetta contra os portugueses tão longe apenas para mostrar o seu poder e a extensão da sua raiva, não se sabia. Ficou a saber-se agora.
A escassez de reacções institucionais a esta suspensão irracional - que constitui um enorme desperdício de recursos, pois impede que inúmeras estruturas estatais levem a cabo o trabalho que lhes está cometido e condena-as a trabalhar a meio-gás - pode ter parecido surpreendente, mas essa contenção é compreensível, já que as estruturas afectadas se encontram na dependência do Estado e, por isso, estão impedidas de discutir as decisões políticas que as afectam. Por outro lado, os serviços que vêem agora o seu financiamento cortado sabem bem que qualquer atitude crítica será utilizada em seu desfavor na primeira oportunidade. Assim, se excluirmos as pontuais censuras dos comentadores, as críticas oriundas dos serviços públicos que os media veicularam adoptaram na generalidade um tom de grande brandura, contrastante com os desabafos que os dirigentes e funcionários dos serviços afectados vociferavam em privado.
Sampaio da Nóvoa, porém, achou que esta gota tinha feito transbordar o copo e que era forçoso denunciá-la publicamente. No seu comunicado, considerou a medida “cega e contrária aos interesses do país” e “um gesto insensato e inaceitável, que não resolve qualquer problema e que põe em causa, seriamente, o futuro de Portugal e das suas instituições” e, didacticamente, explicou que “é justamente nestas situações [de crise] que se exige clareza nas políticas e nas orientações, cortando o máximo possível em todas as despesas, mas procurando, até ao limite, que as instituições continuem a funcionar sem grandes perturbações”.
O comunicado do reitor prosseguia explicando os prejuízos objectivos que esta suspensão provocava às universidades e, em particular, à sua investigação, acusava a medida de Gaspar de utilizar “o pior da autoridade para interromper o Estado de Direito e para instaurar um Estado de excepção” e concluía afirmando que a Universidade de Lisboa saberia “estar à altura deste momento e resistir a medidas intoleráveis, sem norte e sem sentido”. “Não há pior política do que a política do pior”, rematava.
Seria de esperar que, depois de um toque a rebate destes, a Universidade portuguesa acordasse, fizesse das tripas coração e, num arroubo de dignidade, de cidadania ou do que fosse, em nome dos seus alunos, ou do país ou do futuro ou do que fosse, reunisse a sua coragem e se juntasse a esta tomada de posição para defender o que resta de esperança. Mas não foi isso que aconteceu. Pela voz de António Rendas, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), fez saber que não acompanhava Sampaio da Nóvoa nas suas críticas e que tinha escrito uma carta ao Ministro da Educação para ver se seria possível arranjar uma solução particular para o funcionamento das Universidades. A cartinhazinha de Rendas é o melhor exemplo possível (o pior exemplo, de facto) da forma como a hierarquia da Universidade portuguesa se habituou a funcionar: sempre medrosa, sempre subserviente perante todos os poderes, sempre habituada a jogar a carta da panelinha e do pedido de favor nos gabinetes dos ministros em detrimento de uma posição pública digna e transparente e de uma defesa clara do bem comum.
Perante a degradação da democracia, a degenerescência do Presidente da República, o colaboracionismo do Governo, a promiscuidade do Parlamento, o sectarismo dos partidos, os privilégios da Igreja, a iniquidade da justiça e o descrédito dos media, penso que a universidade é uma das raras instituições com uma réstia de respeitabilidade na sociedade portuguesa e felizmente que existem no seu seio intelectuais de coragem que não alinham pela voz do dono. Mas é lamentável que o CRUP continue a não saber interpretar as suas responsabilidades institucionais e os seus deveres de cidadania e continue a simbolizar o que de pior existe na instituição universitária: o privilégio e a promiscuidade com o poder. (jvmalheiros@gmail.com)
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