por
Artigo de Opinião publicado no jornal Público a 25 de Maio de 2013
Joana Lobo Antunes
José Vítor Malheiros
Sílvia Castro
Sílvio Mendes
(Membros da Comissão Organizadora do Congresso de Comunicação de Ciência - SciCom Portugal 2013)Artigo de Opinião publicado no jornal Público a 25 de Maio de 2013
A comunidade atingiu a massa crítica e enfrenta hoje um risco e um desafio
A investigação científica e tecnológica portuguesa sofreu nos últimos vinte anos um progresso notável, mensurável através do aumento sustentado do investimento em percentagem do PIB, do aumento do número de investigadores, do número de publicações em revistas científicas ou de patentes, do número de doutoramentos realizados e também através de indicadores mais subjectivos, como a visibilidade da investigação portuguesa nos media ou a capacidade de atracção de investigadores estrangeiros de grande qualidade.
Esta evolução do sistema científico e tecnológico foi acompanhada por um crescimento igualmente notável das actividades e do número de profissionais de Comunicação de Ciência, nas suas diversas vertentes. Existem hoje centenas de profissionais que trabalham em centros de ciência interactivos, em museus de ciência ou jardins zoológicos e botânicos; investigadores e ex-investigadores empenhados (em full-time ou part-time) em actividades de divulgação junto das escolas e do público em geral; profissionais que integram gabinetes de comunicação em laboratórios de investigação e Universidades; especialistas em ilustração científica, em vídeo científico ou fotografia científica; jornalistas especializados em ciência, tecnologia, saúde e ambiente; professores do ensino básico e secundário que envolvem os seus alunos em actividades extracurriculares de ciência, visitas de estudo e saídas de campo; um número crescente de investigadores a escrever livros de divulgação para diferentes públicos ou a assinar trabalhos nos media, etc.
Um grupo criado recentemente no Facebook para discutir os problemas da Comunicação de Ciência em Portugal tem actualmente mais de 400 membros e não há escassez de temas para discussão.
É evidente que a comunicação sempre foi uma actividade fulcral na investigação científica mas, durante séculos, esta era uma actividade que se praticava exclusivamente inter pares e intra muros. A Comunicação de Ciência de que falamos hoje é, essencialmente, uma comunicação que transborda as fronteiras das especialidades, das instituições e dos grupos sociais. Muita desta actividade é aquilo que designamos por “divulgação” ou “popularização “ da ciência: uma explicação da ciência proporcionada pelos cientistas à população em geral, motivada pelo seu desejo de reconhecimento social do seu trabalho, pelo seu desejo de partilhar ideias novas e excitantes, pela sua necessidade de prestação de contas pelo uso de recursos públicos ou pelo seu interesse em despertar e recrutar novas vocações científicas. Mas, de forma crescente, este tipo de actividades tem-se alargado para dar lugar a formas mais sofisticadas de envolvimento das populações na actividade científica, envolvendo-as por vezes na própria produção de conhecimento científico, como acontece na chamada “citizen science”, onde centenas de cidadãos podem, por exemplo, fazer o recenseamento das espécies animais ou vegetais das suas regiões.
Não só a quantidade de pessoas e de actividades de Comunicação de Ciencia cresceram nos últimos anos, como cresceu de forma sustentada a sua qualidade: um número elevado de profissionais da área são doutorados, oriundos da investigação científica dura ou das ciências da comunicação, e os cursos graduados e pós-graduados da especialidade têm-se multiplicado nas várias universidades, assim como os próprios projectos de investigação em Comunicação de Ciência, proporcionando um olhar reflexivo e crítico sobre toda esta actividade.
A comunidade de Comunicação de Ciência enfrenta hoje um risco e um desafio.
O risco é o que resulta da actual situação económica e financeira e da política de austeridade: perante a actual situação de escassez de recursos, há o perigo de que as instituições científicas decidam desinvestir nas actividades de comunicação que desenvolveram nos últimos anos, pondo assim em risco o capital de experiência e saber acumulado.
O desafio é o passo no sentido oposto, no sentido do futuro: existe actualmente uma massa crítica de pessoas e experiências, de conhecimento e relações, de casos e de projectos que deveria impulsionar a Comunicação de Ciência e alargar a sua influência. Existe um imenso potencial em todos estes profissionais que se encontra por explorar. Antes de mais, no seio da própria comunidade científica, cuja comunicação interna, entre disciplinas mas também intra-equipas, beneficiaria das competências que a Comunicação de Ciência possui, permitindo aumentar a eficácia dos seus projectos e potenciar os seus resultados. Por outro lado, na comunicação dirigida a determinados públicos (as empresas, os decisores políticos, os movimentos sociais) que é praticamente inexistente ou entregue a cientistas sem competências de comunicação específicas. Finalmente, em projectos que permitam envolver o público de forma mais participativa e responsável na ciência, transformando aquilo que tem sido uma comunicação unidireccional numa verdadeira conversação, onde se fala e se ouve, se debate e se decide em diálogo. A Comunicação de Ciência é uma ferramenta ao serviço da Ciência, mas deve ser e pode ser também uma ferramenta ao serviço da cidadania.
Sem comentários:
Enviar um comentário