sábado, maio 11, 2013

Malabarismo e matemática: a utilidade das coisas inúteis

Por José Vítor Malheiros
Publicado no site do Programa O Mundo na Escola a 11 Maio 2013
(http://www.mundonaescola.pt/?page_id=6135)


Grandes Aulas: António Machiavelo em Matosinhos

A primeira imagem que aparece no ecrã é a de um documento egípcio, repleto de hieróglifos e com desenhos geométricos. É o papiro de Rhind, escrito há 1650 anos a.C, e que é uma cópia de um outro documento, duzentos anos mais velho, que é o escrito mais antigo que se conhece sobre matemática.

A segunda imagem projectada é um friso de malabaristas, também egípcio, pintado na parede de um túmulo. “É curioso que as primeiras referências históricas que conhecemos ao malabarismo e à matemática datam precisamente da mesma época”, diz o matemático António Machiavelo.

Os mais de duzentos alunos que enchem a sala, o refeitório da Escola Secundária Augusto Gomes, em Matosinhos, que foi esvaziado de mesas para acolher os estudantes e professores que assistem à Grande Aula A matemática e o malabarismo, ouvem, suspensos.

A coincidência pode não passar disso mesmo e a relação entre matemática e malabarismo não é completamente clara, mas Machiavelo vai desfiando os pontos de contacto: há uma enorme quantidade de matemáticos que gostam de fazer malabarismo (muitas vezes sem saber que o passatempo é popular na sua classe) e muitos deles atingiram um nível de excelência, como o matemático Ronald Graham, que chegou a ser presidente da International Jugglers’ Association. Machiavelo é ele próprio malabarista e vai pontuando a aula com demonstrações, usando as várias bolas que estão em cima das mesas. Sempre com três ou quatro bolas. ”É muito difícil fazer isto com cinco bolas. O meu sonho é conseguir chegar lá, mas ainda não consigo”, confessa.

“É curioso que a relação entre a música e a matemática são muito faladas – há muitos matemáticos músicos, muitos estudos matemáticos sobre música -, mas a relação entre matemática e malabarismo está relativamente pouco explorada”, diz-nos Machiavelo antes de começar a aula. “Penso que é por o malabarismo ter um estatuto social menor. Um matemático diz naturalmente que toca piano, mas admite com menos facilidade que faz malabarismo.”

Há outra relação entre malabarismo e matemática, que é tema central desta Grande Aula: o malabarismo é objecto de estudo da matemática, que tenta saber (já sabe) quantas sequências malabares se podem fazer, com quantos objectos em simultâneo, com quantas variações ao nível dos movimentos, etc. e que encontrou formas simples de descrever e codificar sequências malabares, uma expressão que vem da costa malabar, a costa ocidental da Índia, onde a prática parece ter tido muito cultores ao longo dos séculos. Por exemplo: a sequência com três bolas que todos conhecemos, a mais simples, a que os malabaristas chamam “cascata”, tem a designação matemática 333, ou apenas 3, para simplificar.

Machiavelo vai explicando aos alunos de que forma se podem codificar as sequências malabares e como depois, trabalhando apenas com os códigos (que são sequências de números como 5353), se pode saber se uma dada sequência inventada é exequível ou quantas sequências diferentes se podem fazer com um dado número de bolas. Ou inventar novas sequências ou encontrar formas originais de passar de uma para outra. Tudo só com matemática. “Ao contrário do que se pensa, os matemáticos não gostam de fazer contas”, diz Machiavelo, “e estão sempre a tentar encontrar maneiras de simplificar os cálculos, para não terem de fazer muitas contas”.

Há uma maneira simples de ver se uma sequência malabar é exequível: há um site chamado Juggling Lab onde se pode descarregar uma aplicação que permite experimentar diferentes sequências, com um boneco (um malabarista perfeito) a realizar tudo o que lhe pedimos. Machiavelo mostra a aplicação e vai inserindo sequências de números que o boneco executa. A programação do boneco animado usa a matemática que Machiavelo vai explicando e que os estudantes vão treinando na assistência, tentando escrever no papel, com lápis de cores, as sequências malabares cujas fórmulas Machiavelo vai escrevendo no quadro e que ele próprio exemplifica com as bolas.

A paixão de Machiavelo pelo malabarismo começou aos 11 anos, quando ele próprio era aluno desta mesma Escola Secundária Augusto Gomes, muito antes da paixão pela matemática. “Um dia, um amigo meu que sabia malabarismo foi a minha casa e eu fiquei entusiasmadíssimo”, conta-nos. “Comecei a fazer malabarismo com cubos de Lego e continuei a fazer de vez em quando, com laranjas, ou outros objectos. Depois, mais tarde, quando estava a fazer o doutoramento, às vezes experimentava com um melão, uma melancia e uma laranja, porque há uma dificuldade particular quando os objectos têm pesos diferentes.”

Machiavelo diz que, nas suas aulas na Faculdade de Ciências do Porto, explora o paralelo entre matemática e malabarismo de outra forma: dá aos seus alunos uma explicação do que ele chama “malabarismo teórico”. Explica, em palavras e com uma demonstração, como se faz uma sequência malabar. Depois pede aos alunos para imaginarem o que acontecerá se eles não treinarem e se, passado um mês, tiverem de fazer um exame que consiste em executar aquela mesma sequência malabar que ele “explicou”. “Se não treinarem, não aprendem a fazer. Com a matemática, é a mesma coisa. É preciso treinar. Não se aprende de outra forma”, diz.

A Grande Aula acaba com algumas mensagens especiais, em torno daquela pergunta que os cientistas estão habituados a ouvir sobre a sua investigação: “Para que é que isso serve?”

“Para que serve o malabarismo? Serve para fazer crescer o cérebro. Quando aprendemos a fazer coisas novas o nosso cérebro cresce, estabelece novas conexões”, responde. “O poeta alemão Friedrich Schiller dizia que apenas aqueles que têm a paciência necessária para fazer as coisas simples com perfeição adquirem a capacidade de fazer coisas difíceis. Também acredito nisso. Talvez um dia, por causa do malabarismo, se descubram coisas incríveis sobre o Universo. E também acredito que os seres humanos só são capazes de fazer coisas radicalmente novas se forem capazes de fazer coisas que os outros consideram completamente inúteis. Se só fizermos o que toda a gente acha que deve ser feito, provavelmente não faremos descobertas muito radicais.”

Quando a Grande Aula acaba, uma dúzia de alunos e professores mais ousados aceitam o convite de Machiavelo para tentarem executar a “cascata”, com os seus conselhos técnicos, e os mais entusiastas recebem como prémio um conjunto de três bolas.

Mas é provável que todos tenham ficado com uma ideia diferente do que é a matemática, daquilo para que serve, do que faz um matemático e de como as coisas “inúteis” pode ser importantes.

A matemática e o malabarismo
António Machiavelo, matemático
4ª-feira, 8 de maio de 2013
Escola Secundaria Augusto Gomes, Matosinhos

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