quinta-feira, junho 08, 2017

A propósito da entrevista de António Costa à SIC no dia 7 Junho 2017 - Post Facebook

Post publicado no Facebook a 8 de Junho de 2017
Podia ter sido um debate com o primeiro-ministro, mas José Gomes Ferreira não tem qualquer legitimidade política nem estatuto pessoal ou intelectual para debater em pé de igualdade com o primeiro-ministro. José Gomes Ferreira pode pensar isso, porque a notoriedade lhe subiu à cabeça, mas isso é apenas porque José Gomes Ferreira não se enxerga.
Podia ter sido um debate com o primeiro-ministro, mas um jornalista não deve adoptar uma atitude de opositor político nem de porta-voz do governo anterior. José Gomes Ferreira pode pensar que sim, mas isso é apenas porque não distingue a função de jornalista da de propagandista. Acontece muito.
Podia ter sido um debate com o primeiro-ministro, mas esta entrevista não o era, porque um jornalista deve acima de tudo fazer perguntas e obter respostas do entrevistado, para que os cidadãos fiquem a conhecer o pensamento e a acção do entrevistado (é esse o objectivo de uma entrevista). Mas José Gomes Ferreira confunde a função (que um entrevistador deve ter) de confrontar o entrevistado com dados eventualmente em contradição com o seu discurso com a exposição da sua própria visão política e das suas opiniões ("isto para manter Catarina Martins e Jerónimo de Sousa sossegadinhos"). José Gomes Ferreira nunca aprendeu o que é uma entrevista e já não vai aprender.
Podia ter sido um debate com o primeiro-ministro, mas esta entrevista era ainda mais importante que um debate, porque num debate político confrontam-se duas visões pessoais que têm à partida igual peso e numa entrevista um jornalista deve ser a voz das cidadãos e deve conseguir confrontar o entrevistado não apenas com a opinião do interlocutor (como acontece num debate), mas com dados objectivos, com a realidade, com opiniões de outrem. José Gomes Ferreira não percebe o papel do entrevistador, acha que o papel de jornalista é demasiado apagado e quer ser um actor político. José Gomes Ferreira é demasiado vaidoso para fazer entrevistas. Recusa-se a aceitar que, numa entrevista, o entrevistador não é (e não deve ser) a pessoa mais importante. José Gomes Ferreira só devia fazer comunicações ao país.
Podia ter sido um debate com o primeiro-ministro, mas o objectivo de uma entrevista é ouvir o entrevistado (confrontado com verdadeiras questões, de preferência difíceis) e José Gomes Ferreira gosta demasiado do som da sua própria voz para deixar ouvir o entrevistado. José Gomes Ferreira acha que interromper constantemente o entrevistado para dar a sua opinião é sinal de firmeza. Não é. É apenas sinal de nervosismo e falta de profissionalismo.
José Gomes Ferreira pensa que um jornalista deve fazer política e até ter um programa de governo. Não deve, mas José Gomes Ferreira não percebe porquê e nunca percebeu que a única política que um jornalista deve fazer é produzir informação idónea e ser intelectualmente independente.
A grosseria e a falta de profissionalismo de José Gomes Ferreira é tal que chegou a tratar o primeiro-ministro (porque era o primeiro-ministro que estava a ser entrevistado) por “o António" no tom displicente com que trata as personalidades à esquerda e em contraste com a subserviência com que trata os empresários e os poderosos da direita e por lhe lançar tiradas como “Ah, já percebi, andou a estudar jornalismo” com uma grosseria rara em circunstâncias semelhantes.
A entrevista foi útil para os portugueses, apesar de José Gomes Ferreira, porque António Costa esteve tão bem e teve tanta paciência que conseguiu manter um discurso coerente e claro e teve a elevação de não responder a nenhuma das provocações do entrevistador.
Mas José Gomes Ferreira devia ir inscrever-no no PSD do seu coração, deixar o jornalismo e continuar na SIC a fazer comentário político e comunicações ao país.
Em concreto e para já, a SIC deve uma desculpa ao Governo e à pessoa do primeiro-ministro, no mínimo por aquele “o António”.
António Costa desdramatiza a greve dos professores marcada para um dia de exames nacionais do ensino secundário. Em entrevista à SIC, o primeiro-ministro falou também sobre temas como a revisão dos escalões do IRS, o défice, a saída…
EXPRESSO.SAPO.PT

quinta-feira, junho 01, 2017

A propósito do jackpot de 152 milhões de euros que o Euromilhões vai sortear esta semana - Post Facebook

Post publicado no Facebook a 1 de Junho de 2017
Gosto da irracionalidade da lotaria. Gosto do facto de a lotaria ser completamente aleatória e de não depender de qualquer razão. Se a atribuição dos prémios da lotaria fosse racional eu não teria a mínima hipótese de ganhar um prémio, porque não sou certamente nem o mais necessitado nem o mais merecedor. Mas, como a lotaria é irracional, tenho a possibilidade de ganhar, tal como qualquer outra pessoa. É a irracionalidade da lotaria que nos coloca a todos ao mesmo nível, que garante a igualdade de oportunidades que a racionalidade (invocando as melhores razões) nunca permitiria.
De facto, se houvesse critérios racionais para a atribuição destes prémios, para serem justos eles teriam de ser critérios perfeitos e de ser geridos de uma forma perfeita - o que é, na prática, impossível. Que critérios seriam esses? Quais seriam os critérios de escolha dos critérios? Como se poderia garantir a independência da sua definição e da sua gestão? Como se poderiam ter em conta os múltiplos aspectos a considerar, muitos deles provavelmente contraditórios?
A verdade é que existe uma democraticidade na cegueira do sorteio que não existe em nenhum processo racional.
O filósofo norueguês Jon Elster propôs há uns anos que a melhor solução possível para certos problemas era o sorteio. Um exemplo dado era o da tutela de crianças em casos de divórcios litigiosos entre os pais. A proposta foi recebida de início com sorrisos irónicos, mas Elster não brincava. O que acontecia, dizia, era que ou havia uma forte razão (em geral evidente) para recusar a tutela a um dos pais ou o custo da procura da solução óptima entre duas soluções igualmente boas era desmesuradamente grande, nomeadamente para o bem-estar da criança, muitas vezes entretanto retirada do convívio dos pais. Mas, como explicava Elster, temos esta maldição da racionalidade, da procura da solução óptima custe o que custar.
Na democracia ateniense alguns dos cargos políticos eram atribuídos por sorteio e este método era considerado um elemento essencial da democracia, de forma a não restringir à partida as eleições à escolha de pessoas no seio de um grupo pré-determinado por razões de poder, classe ou outra. A escolha dos júris de julgamentos é ainda feita desta forma em muitos países.
Penso que existem boas razões para não descartar à partida o papel igualitário que os sorteios podem ter nos processos de decisão, políticos e outros, associando-os aos processos tradicionais de mediação e representação.
Elster tem razão em criticar a fé absoluta na racionalidade. É por vezes pueril a fé que as sociedades modernas depositam na capacidade para encontrar as soluções óptimas para todas as questões através da razão. Uma pulsão que pode acabar por levar-nos a atitudes contrárias à própria razão.

Temos o vício do sentido, da racionalidade, da causalidade. A evolução foi moldando o nosso cérebro para procurar regras, ordem, padrões, repetições, causas e efeitos. E, por isso, tentamos encontrar sentido, um sentido humano, por todo o lado, mesmo em sítios onde não há razão nenhuma para procurar sentido. Olhamos para uma nuvem e tentamos ver caras e paisagens como se tivesse de haver caras e paisagens nas nuvens. E tentamos encontrar sentido também na vida, como se ela tivesse de ter sentido. Não nos parece plausível que a vida exista sem sentido, sem uma razão, sem uma finalidade. Achamos que temos de ser parte de um enredo, parte de uma história maior, que nos dá sentido, de que nos possamos orgulhar e, talvez, até com um final feliz. É por isso que adoptamos (muitos de nós) respostas de tipo teológico que nos aliviam momentaneamente essa angústia, nos dão a ilusão de dar sentido a uma história que não tem sentido nem tem de ter, porque nem tudo tem de ter sentido e nem tudo tem. Mas acabamos por aceitar com mais conforto o papel de personagens numa narrativa escrita por um demiurgo ex machina qualquer do que de joguetes de um destino aleatório.