Texto publicado no jornal Público a 2 de Setembro de 2014
Crónica 41/2014
O mínimo dos mínimos de informação a que temos direito é o currículo dos detentores de cargos públicos
1. O Governo, através da secretária de Estado do Tesouro, Isabel Castelo Branco, nomeou a 18 de Agosto e exonerou a 29 de Agosto Mário João Coutinho dos Santos para exercer o cargo de coordenador da Unidade Técnica de Acompanhamento e de Monitorização do Sector Público Empresarial. A razão oficial do afastamento são “razões pessoais” alegadas pelo exonerado, as razões não oficiais são o facto de Coutinho dos Santos ter sido, enquanto director financeiro do Metro do Porto, responsável pela subscrição de alguns dos swaps que nos estão a custar a todos uma não pequena fortuna - facto que foi denunciado pela imprensa logo após a nomeação.
O episódio não seria mais sórdido do que muitos outros protagonizados pelo Governo se não se desse o facto de a passagem de Coutinho dos Santos pela direcção financeira do Metro do Porto não constar do currículo anexo ao despacho de nomeação. Coutinho dos Santos diz que enviou um detalhado “currículo com 14 páginas ao Ministério das Finanças”. Só que… desse currículo também não consta a passagem pela direcção financeira do Metro do Porto e o próprio interessado tentou negar ao Público (ver aqui:tinyurl.com/ndcyhog) que tivesse assumido essa responsabilidade.
É possível que uma pessoa se esqueça de boa-fé de um pormenor no seu currículo. Mas ser director financeiro do Metro do Porto “de Julho de 2006 a Abril de 2010”, datas que a própria empresa confirmou ao Público, não é um pormenor. E as tentativas feitas pelo próprio de minimizar a sua responsabilidade nesse período sugerem que a ausência deste item no currículo não terá sido fruto de um lapso.
Os factos são que Coutinho dos Santos escamoteou informação relevante do currículo que entregou ao Ministério das Finanças e que este fez o mesmo na informação que disponibilizou aos cidadãos. São dois factos graves, ainda que não inéditos (lembremo-nos de Rui Machete, Franquelim Alves, Pedro Passos Coelho...).
Acontece porém que o mínimo dos mínimos de informação a que temos direito sobre os responsáveis políticos, os detentores de cargos públicos ou pagos pelo erário público é o conteúdo integral dos seus currículos políticos e profissionais. Sem serem maquilhados pelos assessores do Governo, nem editados pelas agências de informação do PSD, nem expurgados pelos gabinetes de advogados ao serviço dos partidos. Que informação deve ser tornada pública? Toda a informação profissional, os cargos ocupados, remunerados ou não, toda a actividade política e as organizações a que se pertence e pertenceu e os cargos aí exercidos, a informação judicial de carácter público.
Tomemos como exemplo a informação que é fornecida no site do Governo sobre os ministros e secretários de Estado e sobre os deputados da Assembleia da República no site do Parlamento. Trata se de uma gigantesca colecção de mentiras por omissão, uma operação de branqueamento, onde é nítida a preocupação em fazer desaparecer as relações entre ministros e deputados e o poder económico. Paulo Portas, por exemplo, “Fundou e dirigiu um centro de sondagens.” Passos Coelho “conciliou a gestão de empresas - no campo da energia e ambiente - com a docência e a Presidência da Assembleia Municipal de Vila Real.”
Um argumento que já ouvi em favor dos mini-CV é que são mais legíveis. Mas aqui vai uma sugestão: um link. Uma página com o mini-CV e um link para uma página com o CV integral que todos queremos ler. Actualizado.
Os partidos de esquerda podiam dar o exemplo da informação que deve ser fornecida aos cidadãos e começar a divulgar CV detalhados dos seus dirigentes e deputados, como nós gostaríamos de ter para os Coutinhos dos Santos e Passos Coelhos deste mundo. Seria fácil e instrutivo.
2. Infelizmente, não se trata apenas de CV. Os documentos oficiais têm o hábito de desaparecer nas mãos dos homens e mulheres do “arco do poder” e deste Governo em particular. Ou de serem entregues a escritórios de advogados privados por razões nunca explicadas.
Recentemente, ficámos a saber que documentação essencial relativa à compra e ao contrato de contrapartidas dos submarinos não se encontra em lado nenhum. Ninguém sabe onde está, nem onde deveria estar nem à ordem de quem foi guardado ou desapareceu. Este desvio de documentação oficial é um crime que fragiliza a posição do Estado, mas mostra bem até que ponto esse Estado foi sequestrado e está a ser roubado pelos mais negros interesses privados.
É indispensável definir regras (ou clarificar as que existem, que são talvez demasiado confusas para serem cumpridas) quanto à produção e guarda de documentação deste tipo. E, já agora, criar o saudável hábito de fazer e guardar actas das várias reuniões onde se discutem assuntos oficiais e que são em geral tratadas como se se tratasse de conversas de vizinhos no patamar da escada. Percebe-se a informalidade e a repugnância por registos escritos. Eles podem um dia responsabilizar alguém. Essa informalidade e essa repugnância são comuns no mundo do crime organizado. Mas, como se trata do nosso país, da nossa vida e do nosso dinheiro, nós gostávamos que o Governo adoptasse um comportamento diferente.
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