por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 30 de Outubro de 2012
Crónica 43/2012
Relvas é um ícone, um farol, um outdoor, um arauto. Relvas serve para nos lembrar a todos que o nosso Governo tem um Relvas
1. Caiu o Carmo e a Trindade por causa de Miguel Relvas ter feito umas cadeiras inexistentes, graças às equivalências da sua actividade partidária e folclórica, quando “frequentou o seu curso” de Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Lusófona. Por mim, acho que esse é não só o menor mal de toda a vida pública de Miguel Relvas como é mesmo o único acto onde ele demonstra alguma imaginação. Ou seria, se o próprio o admitisse. Só que, segundo o ministro, o mérito desta inovação é todo da universidade. As cadeiras inexistentes de que a imprensa lhe deu conta não lhe conseguiram arrancar um “Como? Deve ter havido algum engano!” nem um “Ah, também descobriram isso?” nem um leve rubor. Segundo Relvas, ele fez tudo o que tinha a fazer, fez tudo da maneira que a lei mandava, tem a consciência limpa e, se a universidade lhe deu aprovação em cadeiras que não existiam, lá terá as suas razões.
Recordam-se de que o Expresso já tinha noticiado há meses - identificando e citando declarações de todos eles - que três dos quatro professores que supostamente o tinham avaliado nunca o tinham visto e nem sequer sabiam que ele era seu aluno? Estas cadeiras inexistentes vêm na linha dos professores imaginários. Só que as cadeiras não batem certo: as cadeiras inexistentes não são as que teriam sido ministradas pelos professores imaginários, como faria sentido. A imprensa tem tentado encontrar os três docentes das cadeiras que antes de ser já o eram, até agora sem êxito, mas existe a suspeita de que se poderá tratar do visconde cortado ao meio, do barão trepador e do cavaleiro inexistente.
Por mim, a coisa que me incomoda mais nem é que a Universidade Lusófona lhe tenha dado equivalência a cadeiras que não existiam. Um curso virtual pode ter cadeiras virtuais. O que eu acho chocante é que duas dessas cadeiras sejam Língua Portuguesa III e Língua Portuguesa IV. Como é que isto é possível quando Relvas tem a dificuldade que todos lhe conhecemos para dominar Língua Portuguesa I?
Diga-se porém que, ao contrário dos que acham que Relvas devia sair do Governo, eu penso que ele está a fazer um bom trabalho. Relvas não deve cair e não vai cair da sua cadeira inexistente.
Relvas é um ícone, um farol, um outdoor, um arauto, uma espécie de bandeira portuguesa na lapela dos ministros. Enquanto os pins dos ministros lhes servem para lhes lembrar que são portugueses (nas reuniões internacionais, quando alguém pergunta “O que é esta coisinha que tem aqui na lapela?”), Relvas serve para nos lembrar a todos que o nosso Governo tem um Relvas e que este Relvas é o homem de confiança do primeiro-ministro. Para que não esqueçamos. Pim.
2. Confesso que outra das razões por que as cadeiras inexistentes de Relvas não me suscitam maior aversão é porque, devido a um princípio de equidade (os membros do Governo poderão encontrar a definição da palavra em qualquer dicionário de bolso), se Relvas teve direito a esta benesse, todos os outros cidadãos também têm. E há uma resma de cadeiras inexistentes que eu gostava que me creditassem no meu currículo, de Linguagem Gestual Braille a Arquitectura de Sonhos Avançados, de Poliglotismo I e II a Tecnologias Ódio-Visuais, de Materialismo Histérico e Dialítico a Imagionologia Prodigiosa, da Fenomenologia do Ser Sartre à Panóptica da Ética Lírica, de Perfumenêutica I a Linearidade 3D. E porque não Design de Cadeiras Inexistentes? Há um sem-fim de experiências inimagináveis e até agora inimaginadas à espera de ser degustadas. E por que não, agora que se aproxima o Natal, lançar embalagens com cadeiras inexistentes para oferecer, como aquelas empresas que vendem uma caixas de plástico e lá dentro está um voucher com experiências para experienciar? A ideia é tão exportável como pastéis de nata. Álvaro Santos Pereira, fénix renascida (este nome também dava uma bela cadeira!), podia levar isto para o Canada Dry.
3. Michael Seufert, deputado do CDS, expandindo uma ideia esboçada por Luís Montenegro, diz que “se a Constituição permitiu os níveis de défice e dívida que trouxeram Portugal à situação actual e se bloqueia o caminho para os equilíbrios necessários então já não serve o país”. Leia-se: se as medidas constantes do Orçamento 2013 são inconstitucionais, mude-se a Constituição. Eu tenho uma proposta que segue este mesmo princípio de Filosofia do Direito: como estou um bocadinho em baixo de finanças e me dava jeito palmar umas carteiras, agradeço ao Parlamento que retire o furto do Código Penal, se faz favor. Ah... e se por acaso for proibido atirar fruta fresca a membros do Governo retirem também essa proibição. Obrigado.
4. Na sequência de um texto que publiquei aqui há semanas e onde relatava o que se passava na cabeça de Pedro Passos Coelho, alguns leitores sugeriram que fizesse o mesmo exercício em relação a António José Seguro. Quis fazer isso, mas a direcção do PÚBLICO considerou que seria um desperdício, nestes tempos de crise, publicar aqui uma página vazia. (jvmalheiros@gmail.com)
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