Post publicado no Facebook a 18 de Maio de 2014
Os balouços estão todos ocupados. Há cinco, mas um está estragado há meses e tem as correntes embrulhadas num nó e por isso só há quatro.
Há uma criança que espera a sua vez, encostada a um dos postes dos balouços. Passado um bocadinho há duas. As crianças nos balouços balouçam-se alegremente, tentam tocar nos pés umas das outras e gritam excitadas, indiferentes ao desespero das que esperam. É evidente que tencionam ficar ali horas. Uma das crianças que espera impacienta-se, sem desamparar o poste. "Ó mãããe! Eu quero andar!..." A mãe responde de longe, sentada num banco, num tom de voz estudadamente civilizado, num volume um tudo-nada mais elevado do que seria necessário para a criança ouvir. "Tem de esperar a sua vez. Os outros meninos estão a andar..." A menina sabe perfeitamente que os outros meninos estão a andar. É mesmo esse o problema. Os outros meninos estão a andar e nunca mais param de andar. Ela quer que a mamã TIRE os outros meninos do balouço para ela poder andar e ficar ela ali a balouçar-se e a tentar tocar nos pés dos outros meninos, indiferente ao desespero das crianças que esperam.
Uma terceira criança junta-se às outras duas que esperam e encosta-se timidamente a um terceiro poste. A mãe da criança que falou levanta-se e vai lentamente juntar-se à filha, ao pé do poste.
É uma jogada táctica clássica, que David Attenborough já explicou num documentário sobre as alterações no comportamento das leoas com crias quando a savana aperta. O objectivo é garantir o lugar da filha na fila de espera tácita, que corre o risco de se desordenar com o aumento da procura, e aumentar a pressão sobre os ocupantes do balouço.
Mandam as regras não escritas das relações no interior de parques infantis que nenhum pai diga a uma criança que não é sua filha que já está há tempo suficiente a andar de balouço, porque isso a) poderia ser interpretado como um acto de agressão pelo pai da criança interpelada, levando a uma escalada armamentista e b) porque isso abriria a caixa de Pandora, permitindo que qualquer pai decidisse pôr fim arbitrariamente ao tempo do balouço dos filhos alheios. No entanto, é permitido pressionar os incumbentes através da presença silenciosa e aplicar um olhar persistente às crianças que continuam a balouçar. Passado um minuto, há um pai ou uma mãe ao pé de cada uma das três crianças que esperam o balouço, todos com uma careta de impaciência e braços cruzados sobre o peito, o sinal internacional de que estamos preparados para esperar, mas não muito.
É o momento em que a mãe de um dos balouçantes finalmente se levanta, se aproxima do balouço e sugere ao filho que podia ir agora brincar na outra coisa lá ao fundo. Ele vai e os outros todos também, numa debandada tão rápida que apanha todos os esperantes de surpresa. É por pouco que uma das crianças na fila não é ultrapassada por uma arrivista mais expedita, mas a mãe vigilante não permite o golpe.
Durante uns minutos, a calma rereina no sector dos balouços.
A razão por que não há mais balouços nos parques infantis é um dos grandes mistérios da natureza, que não espanta que perdure para além da descoberta do bosão de Higgs.
Nos parques infantis há balouços, escorregas, estruturas para escalar e outras coisas, mas só há bichas e guerra fria nos balouços. Ja experimentaram sugerir a um guarda do parque que diga aos seus chefes que ponham mais balouços? A resposta é, invariavelmente, "Só há bichas nos balouços porque todos os miúdos preferem os balouços". Se tentarmos um "Mas precisamente! É por isso mesmo que devia haver mais balouços" a resposta é um olhar de profunda piedade pela nossa estupidez. No entanto, a ideia não é completamente estúpida. É apenas radicalmente revolucionária. Mas um dia, quem sabe...
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