Texto publicado no jornal Público a 2 de Julho de 2013
Crónica 25/2013
Secretário adjunto do ministro adjunto quer conversas off-the-record com os jornalistas
1. A trapalhada da passagem de informação entre o Governo anterior e o actual sobre os swaps detidos pelas empresas públicas é um bom exemplo da política no seu pior.
O que ficámos a saber, depois das declarações de Teixeira dos Santos e do actual “ministério das Finanças” ter enviado um comunicado à Lusa sobre o tema, foi que a afirmação da (então) secretária de Estado do Tesouro Maria Luís Albuquerque à Comissão Parlamentar de Inquérito, segundo o qual “na transição de pastas, nada foi referido a respeito desta matéria" é falsa.
É verdade que não se sabe se a ainda secretária de Estado mentiu ou se estava apenas mal informada. E é também verdade que, se estava mal informada, não sabemos se foi porque Vítor Gaspar se esqueceu de lhe contar ou se foi porque este achou que, sendo os swaps um bom negócio para os bancos, era melhor deixar correr o marfim. Mas a verdade é que sabemos hoje que os swaps foram abordados entre Teixeira dos Santos e Vítor Gaspar não apenas de fugida mas numa manhã e numa segunda reunião à tarde e que o Governo anterior tinha mesmo pedido uma informação sobre o assunto à Direcção-Geral do Tesouro e das Finanças que foi entregue ao Governo de Pedro Passos Coelho logo em Julho de 2011. É difícil dizer que foram apanhados de surpresa.
Ontem, a ainda secretária de Estado do Tesouro insistiu no que disse antes mas com nuances: disse que “não recebeu” informação sobre swaps na pasta de transição passada pelo anterior secretário Estado. É diferente de dizer que “nada foi referido a respeito desta matéria", mas já se percebeu que, a partir daqui, as meias-verdades rendilhadas ocuparão o centro do palco. Para a semana, outro comunicado do “ministério das Finanças” poderá dizer que é falso que Vítor Gaspar tenha recebido qualquer informação sobre o assunto numa pasta verde e poderemos todos conjecturar sobre a cor da pasta. Seria divertido se não fosse grave.
2. As últimas declarações da ainda-secretária-quase-ministra Maria Luís Albuquerque sobre a questão dos swaps foram feitas no decorrer da bizarra instituição de que o secretário de Estado adjunto do ministro adjunto Pedro Lomba é o orgulhoso protagonista e que dá pelo nome de briefing-ora-em-on-ora-em-off.
Segundo Lomba, há dois tipos de discurso político que estão a alimentar “o sentimento anti-política”: “De um lado, um discurso técnico-político, difícil de perceber e de interpretar; do outro lado, um discurso superficial e vazio que não se compromete com nada e que nada assume.”
Para combater o “discurso técnico-político, difícil de perceber e de interpretar”, Pedro Lomba vai oferecer "informação correcta e explicada”, pedindo nomeadamente aos jornalistas que lhe enviem previamente as perguntas que lhe querem fazer para ele poder estudar as questões.
Para combater o “discurso superficial e vazio que não se compromete com nada e que nada assume” Pedro Lomba propõe-se ter conversas informais off-the-record com os jornalistas, de forma a poder dizer o que lhe apetece em nome do Governo sem ter de se comprometer com nada nem de assumir nada. Confusos? Não estejam. É o que acontece quando uma pessoa se torna adjunto do adjunto de Pedro Passos Coelho.
É admissível que Pedro Lomba não saiba nada de jornalismo, apesar da sua experiência como cronista. Mas, se perguntasse, ficaria a saber que a figura do off-the-record não deve ser um travesti para intoxicação anónima de jornalistas mas é algo a usar apenas quando é necessário proteger as fontes de alguma forma de retaliação. O Livro de Estilo do Público, por exemplo, diz: “O anonimato e o off-the-record devem ser considerados excepções e só existem para proteger a integridade e liberdade das fontes, não são formas de incitamento à irresponsabilidade das fontes. O jornalista deve sempre confrontar a fonte que exige o anonimato ou o off-the-record com a real necessidade de tal exigência, não aceitando com facilidade a evocação prévia de tais compromissos sobre assuntos em que a fonte nada tem a temer.”
Claro, não é?
Lomba diz, para se justificar, que há briefings em on e em off “noutras democracias consolidadas”. É verdade. Mas também há políticos que têm sexo com menores e escutas sem mandado judicial “noutras democracias consolidadas” e não é por isso que os queremos imitar. Os briefings off-the-record do Governo, em qualquer país, são uma prática condenável.
Em termos simples: só em casos excepcionais é admissível que um governante fale off-the-record. O uso do off-the-record reduz a responsabilização (accountability) e aumenta a inimputabilidade (deniability) dos políticos. Muitos o fazem? Sim, mas não deviam fazer e os jornalistas não os deviam ouvir.
A aceitação do off-the-record em declarações de um governante promove a irresponsabilidade do governante e do Governo, aumenta a opacidade da política, reduz a liberdade de imprensa e abre a porta ao tráfico de influências. Que alguém que escreveu um livro intitulado “Teoria da Responsabilidade Política” não perceba isto é lamentável. (jvmalheiros@gmail.com)
Sem comentários:
Enviar um comentário