por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 18 de Junho de 2013
Crónica 23/2013
Algumas constatações simples sobre a greve dos professores
1. O Ministério da Educação tinha a possibilidade de resolver a situação causada pela greve de professores com o mínimo de perturbação para os alunos, com o mínimo de confusão nas escolas, respeitando os professores que querem e os que não querem fazer greve, sem pôr em causa o direito à greve, sem atropelar o regulamento dos exames, tratando os alunos com a equidade que a lei exige e dando de si e do Governo uma imagem de sensatez. Bastaria que seguisse a recomendação do colégio arbitral e que adiasse para dia 20 a realização dos exames marcados para ontem. Ninguém poderia dizer que se tratava de uma cedência perante os professores ou de um recuo perante os sindicatos, já que a proposta vem de um colégio arbitral e já que a mudança de data permitiria que os exames se realizassem e - segundo o Ministério - o objectivo dos sindicatos de professores é impedir a sua realização. Seria até fácil apresentar este desvio táctico como uma vitória do Ministério nas declarações de propaganda que se tornaram habituais nos últimos dias (“Conseguimos minimizar o incómodo causado pela greve, conseguimos realizar os exames que os sindicatos queriam impedir, não respondemos a esta provocação, mostrámos que estamos organizados, a nossa prioridade são os alunos, blá, blá blá...”).
Porém, em vez disso, o ministro Nuno Crato preferiu levar o braço-de-ferro com os professores até ao fim e forçar a realização de exames sem que estivessem reunidas as condições mínimas de serenidade para que os estudantes pudessem fazer as suas provas, criar um problema de iniquidade no tratamento dos alunos que não tem nenhuma solução aceitável, praticar uma clara violação do direito à greve ao convocar para o serviço de exames todos os professores possíveis e imaginários (incluindo directores, professores do ensino especial, educadores de infância, professores sem formação específica para acompanhar exames) e lançar uma suspeita insidiosa sobre os sindicatos de que estes se preparariam para fazer greve na nova data se houvesse adiamento do exame - o que, como se sabe, não seria legalmente possível e os sindicatos garantiram que não fariam.
Por que não adoptar aquela que era considerada uma boa solução e preferir a posição oposta, que suscita problemas de todo o tipo e prejudica de forma máxima os alunos?
A resposta: para inventar um novo inimigo interno.É provável que, num caso com este impacto, a decisão não tenha sequer cabido ao Ministério da Educação e tenha sido uma decisão pessoal do primeiro-ministro e dos seus muchachos mais próximos, mas é evidente que, ou se considera que todo o Governo possui um severo défice de inteligência ou se conclui que a confusão que se viveu ontem nas escolas foi sempre o único objectivo do Governo. Esta segunda hipótese - por fortes que sejam os argumentos a favor da primeira - é a que parece mais lógica. O Governo tem estado desde sempre empenhado numa estratégia de dividir para reinar, ainda que tenha aí alcançado um êxito mitigado. O Governo tenta colocar empregados contra desempregados, trabalhadores contra pensionistas, pensionistas “ricos” contra pensionistas pobres, jovens contra idosos, indiferentes contra sindicalistas, mas só tem conseguido acelerar o consenso sobre a sua malevolência e a sua traição ao interesse nacional. Assim, o Governo precisa com urgência de inventar inimigos internos, daqueles a quem possa apontar o dedo e acusar de sabotagem dos objectivos económicos, de incendiar o Reichstag ou do que se lembrar. Como é evidente que uma greve de professores em dia de greve não podia deixar de criar desagrado, o Governo achou que seria uma excelente ideia ampliar a confusão, não aceitar nenhuma solução que pudesse mitigar problemas e tentar acusar do caos os sindicatos de professores.
Nesta linha veja-se, por exemplo, a argumentação do economista João César das Neves, um homem que não pode ser acusado de subtileza retórica, quando sugere que a greve é obra de uma mão-cheia de “agitadores profissionais, que apostam na subversão”. Lembra alguma coisa?
2. Passos Coelho ficou descontente com o facto de o tribunal arbitral não ter fixado serviços mínimos para a greve dos professores e quer mudar a lei. O Governo acha que as greves não devem incomodar ninguém e que, quando têm lugar, deve haver serviços mínimos que garantam que ninguém dê pelo protesto.
É evidente que existem sectores que satisfazem “necessidades sociais impreteríveis”, nos termos da lei, onde os serviços mínimos são imperativos e consensuais (saúde, bombeiros) e que existem outras áreas onde a não existência de serviços mínimos poderia causar estragos desmesurados (equipamentos que não podem ser deixados sem supervisão). Mas, para além destes casos particulares, não existe qualquer razão para a existência de serviços mínimos. Não há razão para que uma greve de autocarros tenha de manter alguns veículos em circulação. A actual lei define de uma forma generosa os serviços mínimos e o Governo tem feito dela uma interpretação pródiga. Mas Passos Coelho sonha com uma lei de serviços mínimos que transforme o direito à greve numa anedota. Como se não tivéssemos já anedotas suficientes. (jvmalheiros@gmail.com)
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