terça-feira, outubro 09, 2012

Três notas falsamente alegres para um Governo triste


por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 9 de Outubro de 2012
Crónica 40/2012

Uma taxa de IRS de 100 por cento seria mais simples e tornaria as simulações desnecessárias

1. Ainda que todos lhe reconheçam um raro virtuosismo na arte de subtrair e na arte quase perdida de f-a-l-a-r-m-u i-t-o-d-e-v-a-g a-r-i-n-h-o, Vítor Gaspar não é a pessoa mais imaginativa do mundo, daí que não lhe tenha ocorrido nenhuma forma mais expedita de colmatar o défice, reduzir a dívida e satisfazer os credores que subir o IRS até 54,5 por cento e subir o IMI até 2000% (o “até” é aqui um mero artifício estilístico, visto que o aumento não tem limite, é o que se quiser).

É por isso que me parece importante lembrar ao ministro que há maneiras mais eficazes de atingir os seus objectivos - e que me surpreende que os seus assessores, da doce Maria Luís Albuquerque ao desguarnecido Helder Rosalino, não lhe tenham sugerido.
A medida alternativa que proponho é simples e seria fácil de explicar ao povo: subir o IRS para 100 por cento.

Em vez de andar com rodriguinhos e aumentos sucessivos, com taxas aumentadas às escondidas, com aumentos de impostos disfarçados de sevilhanas, o ministro poderia tomar esta medida de uma vez só, libertando os contribuintes do frustrante exercício de procurar na Internet o simulador de IRS que lhes garante o máximo de rendimento líquido.
Com uma taxa de IRS de 100 por cento seria simples. As simulações seriam desnecessárias, as campanhas informativas simplificadas. Talvez apenas uma campanha televisiva durante os primeiros dias, com Carlos Moedas - um dos papéis mais conseguidos de Manuel Luís Goucha - avançando pelo set com uns sapatos de camurça amarelos, explicando ao povo: “Com o IRS a cem por cento, é fácil. Por cada euro que você ganha (exibe uma moeda de um euro) deve pagar um euro ao estado (empocha a moeda) para podermos respeitar os nossos compromissos internacionais (sorriso aberto). Todos temos de fazer sacrifícios, mas tudo vale a pena se queremos ser bons alunos da Europa (dedo em riste e sorriso de cumplicidade). E, com o IRS a cem por cento, tudo é mais fácil (sorriso aberto)! Já não precisa de usar simuladores de impostos (pisca o olho, fade out)!”.

Uma vantagem colateral seria que uma grande parte dos funcionários do fisco poderia ser dispensada (aqueles que verificam se deduzimos 232,47 de despesas quando só podíamos descontar 210,43) porque não haveria nenhum tipo de deduções.

Imagino já a objecção que alguns possam levantar: se as pessoas tivessem de entregar todo o seu salário ao Estado deixavam de trabalhar. Trata-se de um risco real, mas que tem uma solução fácil num Estado de Direito: seria proibido deixar de trabalhar. Com o IRS a cem por cento, com retenção na fonte e proibição de deixar o trabalho, a dívida poderia ser anulada em dois ou três anos, desde que articulada com o indispensável programa de privatizações. Claro que haveria contestação, mas isso acontece sempre. A bondade da medida acabaria por ser reconhecida e haveria cada vez menos contribuintes a queixar-se. De facto, haveria cada vez menos pessoas para se queixarem. O Governo sabe para onde vai.
2. Contrariamente a algumas vozes aleivosas, que clamam que uma parte crescente dos nossos impostos serve para pagar dívidas que nem sequer sabemos se contraímos, estou em condições de garantir que nem um euro do nosso IRS serve para pagar as dívidas do Estado e menos ainda as dívidas privadas como o BPN, que o Estado decidiu assumir como suas (sim, suas, caro leitor).

Basta consultar o site do Governo (http://www.portugal.gov.pt/pt/para-onde-vao-os-seus-impostos.aspx) para constatar que os nossos impostos vão para a Segurança Social, para a Saúde, para a Educação, para a Habitação, para a Defesa, para apoiar a Economia, mas nem um euro é usado para pagar os juros agiotas que os bancos cobram ao Estado, nem sequer o capital da dívida que o Estado terá contraído. São tudo mentiras.
3. Há quem ache que o facto de os membros do Governo evitarem aparecer em actos públicos ou de, quando aparecem, se esconderem até ao último minuto atrás de uma cortina para depois saírem rapidamente por uma porta lateral à qual está encostado o carro oficial se deve ao facto de terem medo de ser vaiados, insultados, humilhados, agredidos com fruta madura ou  mesmo despenteados por populares em fúria. Penso que nada é mais falso. Por muita distância que haja entre este Governo e os cidadãos, por muito que o Governo tenha assumido como seu objectivo central a destruição dos direitos dos cidadãos e o seu empobrecimento, por muito que o Governo diga estar preocupado com o desemprego quando esse é o seu objectivo principal para poder forçar a descida dos salários, precisamos de nos lembrar que os membros do Governo são seres humanos, que possuem um resto de auto-estima. Se se escondem e evitam actos oficiais públicos fora dos ministérios isso não se deve ao facto de terem medo. Deve-se ao facto de saberem que temos vergonha deles. (jvmalheiros@gmail.com)

2 comentários:

belicha disse...

Como sempre, gostei muito do seu texto.

Os 100/º de IRS teriam ainda a vantagem de extinguir a classe média o que evitaria a contestação nas ruas e toda uma série de problemas que o poder enfrenta actualmente.

Isabel Pimentel

Eduardo Salavisa disse...

O texto, com tom irónico, tem o seu quê de real, pois não nos esqueçamos que já existiu um sistema social parecido com este. No tempo da escravatura, os trabalhadores, os que trabalhavam, o que só alguns é que o faziam, não ganhavam, ou seja, o que "ganhavam" era-lhes descontado no seu sustento.