terça-feira, setembro 06, 2011

O Estado amputado

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 6 de Setembro de 2011
Crónica 36/2011

Um Estado mais eficiente deve combater a corrupção e a evasão fiscal, simplificar processos, eliminar actividades e organismos inúteis

1. Quando um médico recomenda a um paciente que perca peso não lhe está a sugerir que ampute uma perna, apesar de isso se traduzir numa descida de peso. Há perdas de peso onde reduzimos a gordura em excesso e beneficiamos a nossa saúde, mas há outras que nos debilitam e aumentam os riscos de doenças e de morte.

O caso das chamadas gorduras do Estado é semelhante. Quando se sugere que se emagreça o Estado, pretende-se duas coisas em simultâneo: reduzir o seu consumo de recursos e melhorar o seu desempenho. Pretende-se que faça o mesmo que faz agora ou mais e melhor, mas gastando menos. As pessoas continuam a compreender e a querer que o Estado se ocupe da Segurança Social e proporcione serviços de Educação e Saúde aos seus cidadãos – para além da defesa, da segurança e da justiça.

Quando se ouvem vozes reclamando a redução das despesas do Estado as pessoas sensatas falam disto: de um emagrecimento que torne o Estado mais eficiente, que reduza a corrupção, que corte despesas inúteis, que elimine redundâncias, que simplifique processos. É difícil porque isso só se faz com conhecimento das organizações e dos processos, com transparência e mobilização de vontades. É fácil reduzir gastos às cegas, mas é como obter uma perda de peso por amputação. O resultado não é brilhante.

Quando se exigia que o Governo de Pedro Passos Coelho anunciasse a redução da despesa do Estado, em vez de apenas recorrer ao aumento de impostos, os mais optimistas esperavam isso. Que o Governo reduzisse os boys, que combatesse a corrupção e a evasão fiscal que sorve os dinheiros públicos, que anunciasse a simplificação de processos, que provasse a inutilidade de certas despesas, actividades ou instituições e que as eliminasse. Mas o que Passo Coelho fez foi anunciar cortes cegos na Saúde, na Educação e na Segurança Social. É a escolha da amputação. É fácil ser ministro. “É este ficheiro Excel? Como é que selecciono esta coluna? Onde é o Delete, é aqui?”

Que há pessoas a quem estes cortes cegos vão prejudicar, que há economia que vai desaparecer, que há qualidade de vida que vai piorar, parece algo secundário.

Conhecem aquele método de atirar a moeda ao ar em que quando sai cara ganho eu e quando sai coroa perdes tu? É semelhante. O Governo aumenta os impostos com uma mão e reduz os serviços que o Estado presta aos cidadãos com a outra. Não é inesperado, mas não tem nada a ver com redução de gorduras. Essas, vão manter-se. Os boys, a corrupção.

2. A propósito de obrigar os ricos a pagar os impostos que devem, grassa uma enorme confusão de que o Governo se aproveitou. A subida das taxas do IRS foi apresentada pelo Governo (e lida pelo povo, hélas) como uma penalização dos ricos. O povo pobre acha que quem ganha mais de 66.000 euros por ano é rico e exulta. Mas estes não são os ricos. Nem sequer as famílias que ganham 150.000 euros brutos por ano. Os ricos não são os que vivem do seu salário, ainda que seja um excelente salário. São os que detêm os meios de produção, os que possuem património e rendimentos de capital que lhes permitem viver com desafogo – e até sem trabalhar, se quiserem. Enquanto os impostos aumentam para os trabalhadores da classe média, os ricos, com as suas empresas registadas no offshore da Madeira e sem pagar um cêntimo de IRC nem de IRS, sorriem.

3. Um dos argumentos da direita contra a exigência que os ricos paguem impostos como os outros é que, ainda que o fizessem, isso não resolveria o défice. É ridículo ter de o dizer, mas cá vai: os ricos devem pagar não porque isso é preciso para as finanças públicas, mas por uma questão de justiça. A evasão e elisão fiscal dos ricos não é apenas má para as contas do Estado: é imoral. E sobrecarrega os contribuintes cumpridores, que o Estado sobretaxa para poder chegar ao fim do mês. (jvmalheiros@gmail.com)

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