Texto publicado no jornal Público a 14 de Julho de 2009
Crónica xxx/2009
O "Serviço" possui profissionais altamente qualificados que podem explicar-nos todas as razões por que não temos razão
"A sua chamada é importante para nós, por favor não desligue". A voz tem um tom de enfado. Imagino que devem ter obrigado a senhora a repetir a mensagem até considerarem a gravação perfeita. Não é.
Musiquinha electrónica. "Lamentamos o tempo de espera. A sua chamada é importante para nós. Por favor aguarde." Musiquinha electrónica. O "por favor, aguarde" surge intercalado com o "por favor, não desligue". É para variar e não ser tão chato. É na mesma. Quando aparece finalmente uma ser humana do outro lado do telefone já não me lembro a quem estava a telefonar. Digo e desligo.
A experiência pode ser mais violenta. "Bem-vindo ao Serviço de Clientes da Silva & Silva." Quando uma gravação diz "Bem-vindo" devemos preparar-nos para o pior. Uma empresa que não põe a hipótese que a pessoa que está a ligar seja uma mulher tem uma visão particular do mundo. E se houver uma referência a um "Serviço de Clientes" deve-se fugir sem perder tempo a desligar o telefone. O "Serviço" possui profissionais altamente qualificados que conhecem todas as técnicas que permitem explicar-nos todas as razões por que não temos razão.
Algumas das mensagens foram produzidas para promover a venda de ansiolíticos. São - as - gra - va - ções - que - di - zem - a - men - sa - gem - mui - to - de - va - gar e nos explicam as coisas muito mais detalhadamente do que precisamos: "Se pretender deixar uma mensagem, espere o sinal sonoro que se vai seguir a esta mensagem gravada. Após a emissão desse sinal sonoro, deve gravar a sua mensagem. Quando terminar a gravação da sua mensagem pode desligar o seu telefone carregando na tecla vermelha".
Há as mensagens didácticas, que nos dizem o que precisamos de fazer para podermos saber o que temos de fazer: "Para um melhor atendimento, por favor ouça atentamente as instruções que lhe vamos transmitir e escolha a opção pretendida seleccionando o número que lhe for indicado". As mensagens primas são outra grande categoria. "Para assuntos relacionados com facturação, prima 1. Para assuntos relacionados com promoções ou para adesões ao serviço Gold, prima 2. Para assuntos relacionados com avarias e apoio técnico, prima 3. Para voltar a ouvir esta mensagem, por favor prima 4. Para ser atendido por um operador prima a raiz quadrada de menos 1." E algumas mensagens levam o cosmopolitismo ao ponto de repetir tudo em inglês, neste caso como forma de promoção de antiácidos.
O que tudo isto significa é que as telefonistas estão a desaparecer. Aquelas pessoas que sabiam quem estava onde, o que fazia cada um, quantas secções havia na empresa, que percebiam os clientes, que conheciam os fornecedores, que tomavam nota de recados, que sabiam reconhecer uma urgência e que até sabiam o que a empresa em que trabalhavam fazia, estão a desaparecer. Os gestores dizem que é um sinal de progresso e que uma gravação faz tudo muito melhor. E até certo ponto é verdade, porque agora podemos ser atendidos por uma doutorada em ciências políticas em cuja secretária a chamada caiu e aproveitar para discutir as lacunas da democracia representativa enquanto ela tenta (infrutiferamente, porque também tem de ouvir a gravação) pôr-nos em contacto com o armazém, que era o que nós queríamos. Mas é evidente que seria preciso ser muito estúpido para pensar que uma gravação é melhor que uma telefonista e os nossos gestores são tudo menos estúpidos. A verdadeira razão tem de ser outra. A minha teoria é que as telefonistas estão a ser chacinadas por um serial killer (ou vários) e as gravações são apenas um estratagema para disfarçar a vaga de crimes. É a única explicação sensata. Se concorda, prima 1. Jornalista (jvm@publico.pt)