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quinta-feira, fevereiro 12, 2015

Cavaco ao serviço do interesse nacional... da Alemanha

Post publicado no Facebook

Já estamos habituados. Quando Cavaco Silva fala, envergonha-nos. Envergonha a imagem do país que representa, envergonha-nos a cada um de nós, ultraja a dignidade do Estado, degrada o estatuto presidencial, avilta a política.

Estamos habituados. Mas o facto de estarmos habituados não significa que as suas sandices não nos afectem e não nos escandalizem. Quer dizer apenas que não nos surpreendem.
Cavaco Silva pode estar mentalmente debilitado, mas enquanto não se demitir é o Presidente da República e está obrigado a respeitar um mínimo de decência.
Que um chefe de Estado se ponha despudoradamente ao serviço de um governo sem legitimidade política, repetindo a sua propaganda para fazer uma operação de lavagem ao cérebro dos portugueses, é triste e ilegítimo. Perverte o que devem ser as regras de funcionamento do Estado democrático e viola o estatuto de independência e equidistância que um Presidente da República deve respeitar. O Presidente da República não deveria ser um moço de recados do Governo.
Mas que um presidente se disponha a fazer o trabalho sujo do governo PSD-CDS apenas para que este possa melhor servir os interesses do directório europeu a que obedece e se possa assim dessolidarizar do grupo dos países devedores onde nos encontramos e, em particular, enfraquecer a posição negocial da Grécia, é algo inadmissível e impensável, porque a única posição que defende o nosso país no concerto europeu seria a posição diametralmente oposta.
As declarações de Cavaco, por isso, traem o interesse nacional.
Traem, além disso, e o que não é menos grave, o princípio de solidariedade entre nações sobre o qual foi construída a União Europeia, mas é possível que o conceito seja hoje demasiado abstracto para que Cavaco o consiga apreender.
As "informações" que Cavaco deu sobre os "milhões" que saíram dos bolsos dos portugueses para o bolso dos gregos são uma manipulação dos dados, mas a isso estamos também habituados. O que o PR pretende é criar entre os portugueses exactamente o mesmo sentimento de antagonismo e menosprezo a respeito dos gregos que a Alemanha e outros países tentaram criar a propósito dos portugueses. Seria difícil descer mais baixo.
Que Passos Coelho assuma o papel de lacaio da Alemanha na União Europeia é intolerável. Que o Presidente da República Portuguesa escolha para si o papel de lacaio do lacaio está para além das palavras.


VER: http://www.publico.pt/economia/noticia/cavaco-lembra-saida-de-muitos-milhoes-dos-portugueses-para-a-grecia-1685766

terça-feira, fevereiro 10, 2015

Alemanha brinca com o fogo na Grécia

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 10 de Fevereiro de 2015
Crónica 5/2015

Sempre que existe uma oportunidade para mostrar um lampejo de sentido patriótico, Passos Coelho exibe a sua natureza.


1. Pedro Passos Coelho nunca surpreende. Sempre que existe uma oportunidade para mostrar uma réstea de dignidade pessoal, alguma ténue preocupação com os cidadãos do seu país ou um lampejo de sentido patriótico, Passos Coelho exibe a sua natureza e faz a única coisa que sabe: obedece ao que julga serem os desejos do seu suserano.

Foi assim com a notícia da vitória do Syriza na Grécia, com o anúncio das primeiras posições do Governo grego e foi assim com a proposta grega de uma conferência internacional sobre a dívida. Tudo acontecimentos que qualquer Governo português, independentemente da sua cor política, deveria receber com algum agrado, porque reforçam a nossa posição negocial como devedores no seio da União Europeia, mas que Passos Coelho preferiu criticar ecoando os ditames da voz do dono. O Governo grego quer defender a dignidade e a vida dos gregos e Passos Coelho não suporta esse atrevimento. Passos Coelho nem percebe como é que Tsipras não considera uma honra servir os poderosos deste mundo e lamber a sola cardada das suas botas, deleitando-se na volúpia da submissão. Passos Coelho não é mais papista que o Papa: é apenas mais alemão do que Angela Merkel e mais obsceno do que Miguel de Vasconcelos.

2. Tsipras vai ter de voltar atrás, o Syriza vai recuar, Varoufakis tem de engolir uns sapos, a Grécia vai renegar as suas promessas, aquilo era um conto de crianças, a Alemanha vai-lhes partir as costas, as pernas, os braços, os dentes e Portugal vai ajudar com todo o gosto, a Espanha também e a Itália e a França vão ter medo de se meter ao barulho. Uma parte da imprensa nacional e internacional rejubila com a mais pequena intervenção onde um dirigente do Syriza fale sensatamente porque isso significa que estão “a recuar”.

Na realidade, a negociação ainda nem começou de facto e, como é habitual, deverá envolver múltiplos ajustamentos nas posições dos negociadores.

Muitas das vozes interessadas em enfraquecer a posição grega sublinham o facto de os gregos terem deixado de usar a expressão “perdão”, mas isso é irrelevante. A Grécia exige e precisa de renegociar a sua dívida, mas se isso é feito por corte do capital em dívida, por redução dos juros ou por alargamento dos prazos (que pode ser uma transformação de parte da dívida em dívida perpétua) é indiferente. Quanto a dívida perpétua, soubemos nos últimos tempos que a Inglaterra só agora vai pagar dívidas que contraiu no século XVIII e que a Alemanha só em 2010 pagou o que sobrava da sua dívida da I Guerra, havendo ainda hoje contas por acertar – nomeadamente com Portugal.

Em todos os casos, a renegociação da dívida grega, que terá de acontecer se não quisermos aceitar o pior, significará perdas para os credores. Mas a garantia de que irão receber é uma vantagem importante. E a manutenção de alguma concórdia na Europa também.

Como em todas as negociações, nesta é importante que nenhum dos negociadores perca a face e, por isso, é preciso dar algum desconto às declarações das várias partes. A Alemanha precisará de dizer que fez recuar a Grécia e que a obrigou a retirar a exigência de haircut. A Grécia precisa de dizer que conseguiu obrigar a UE a reescalonar pagamentos de acordo com as possibilidades da sua economia. Isto, se tudo correr bem. Mas o que é evidente para quem leia jornais é que há demasiada gente empenhada em que não corra bem e apostada em inquinar a discussão. Gente para quem é importante fazer da Grécia um exemplo para que mais nenhum governo de esquerda seja eleito na Europa, para que mais ninguém se atreva a contestar os credores ou a pôr em causa o poder da Alemanha. Por agora, Merkel tenta apagar um fogo na Ucrânia mas brinca com o fogo na Grécia.

3. Por agora, a posição da Alemanha é de total intransigência. Apesar de saber que a intransigência não permitirá que a Grécia pague a sua dívida mais cedo. Não faz sentido? Faz, se o objectivo for manter a Grécia numa eterna dependência. E, de caminho, todos os outros países devedores, como Portugal. Faz, se o objectivo for transformar a dívida numa renda eterna, de que os alemães irão beneficiar para sempre e que irá escravizar os gregos e os portugueses durante gerações. As invasões das novas guerras já não se fazem com soldados no terreno. Se se quer conquistar um país, é mais fácil escravizá-lo pela dívida.

A Alemanha, último país da Europa a usar mão-de-obra escrava em massa, conhece as vantagens do processo. Muitos dos grandes empórios alemães cresceram assim, sobre o trabalho gratuito de milhões de escravos que, durante a última guerra, chegaram a representar 20% da sua mão-de-obra e cujos sobreviventes só muito recentemente começaram a ser indemnizados com quantias pouco mais que simbólicas. Um empréstimo forçado, sem juros, com longa maturidade, ainda largamente por pagar, que não indigna os comentadores. Milhares de empresas como o Deutsche Bank, a Siemens, a Volkswagen, a Hoechst, a Allianz, a BASF, a Bayer, a BMW cresceram assim. A Alemanha sabe que não o pode voltar a fazer, mas a escravidão da dívida assegura a melhor alternativa.

jvmalheiros@gmail.com

Errata: No segundo parágrafo, emendei a palavra "credores" que aparece por lapso no texto original para "devedores".

Crónica no Público: http://www.publico.pt/mundo/noticia/alemanha-brinca-com-o-fogo-na-grecia-1685576

terça-feira, novembro 15, 2011

A Alemanha abriu alegremente a caixa de Pandora

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 15 de Novembro de 2011
Crónica 46/2011

Precisamos de um discurso europeu alternativo, democrático e transnacional

Sempre ouvimos dizer que a União Europeia (e a Comunidade Económica Europeia que a precedeu, e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço que a precedeu) tinha sido criada, antes de mais, para garantir que uma guerra europeia não se voltaria a repetir. O francês Robert Schuman, criador da CECA e geralmente considerado o “pai da Europa”, dizia que a ideia por trás da criação da organização era tornar a guerra “não só impensável, mas materialmente impossível”. Que guerra? A guerra com a Alemanha, claro, país que tinha estado na origem de dois conflitos à escala continental e cuja ambição imperialista sempre foi difícil conter.

Basta ler qualquer relato de qualquer uma das duas guerras europeias para perceber a motivação dos europeus, nos anos 50 do século passado, em prol da paz. Devido à sua proximidade temporal e à sua maior presença na ficção e no cinema sabemos mais coisas sobre a Segunda Guerra Mundial, mas a Grande Guerra, se foi menos mortífera, não foi menos traumática à época – e muitos dos cidadãos europeus que estavam vivos quando Schuman propôs a CECA lembravam-se de ambas.

É claro que evitar a guerra parece um objectivo importante e sensato. Tão importante e sensato que todos os países (ou quase) e todos os políticos (ou quase) o colocam no topo da sua agenda. Mas também tão óbvio e omnipresente que geralmente nos esquecemos que ele lá está, já que o objectivo parece garantido à partida e para sempre. Quem poderia ser estúpido ao ponto de querer uma nova guerra? Quando dizemos a jovens europeus que o principal objectivo da EU era (e é) evitar a guerra olham-nos como se tivéssemos acabado de chegar de Qo'noS (é o planeta dos Klingons). Guerra na Europa? Só os pais da geração que está hoje na meia-idade se recordam da última guerra europeia (ainda que as guerras coloniais ainda estejam bem vivas). A guerra é algo que acontece em África, no Médio Oriente, na Ásia Menor, não na Europa. A guerra não faz parte da sua história, da sua memória, não está nas suas referências. A guerra é história passada. E no entanto…

Há inúmeras teorias para explicar porque é que as guerras acontecem, mas a existência de uma forte animosidade entre dois ou mais países é uma condição necessária. E uma das coisas que a actual crise financeira tem de surpreendente é – para além da criminosa falta de vontade dos líderes europeus em resolver os problemas existentes – a forma como a Alemanha parece apostada (Selbsthass?) em despertar velhas animosidades e em tirar dos armários todos os cadáveres que ela se empenhou durante as duas últimas gerações em fazer esquecer. Eles aí estão, à luz do dia, em toda a sua aterradora corrupção. E são uma fila infindável de cadáveres.

A caixa de Pandora foi aberta com os comentários xenófobos que não só invadiram os jornais populares alemães como o discurso político desse país e o da chanceler em particular. Comentários inseridos num discurso paternalista e disciplinador e avançados com uma pose de superioridade moral e de árbitro de facto da Europa. O que acontece é que nada na história da Alemanha lhe permite estas veleidades. Nada na sua prática política ou na forma como enriqueceu lhe concede o estatuto de árbitro da moral ou de fiel da economia. E menos ainda lhe confere o poder ditatorial de impor as mudanças de Governo que lhe agradam nos países a quem empresta dinheiro.
A arrogância alemã relativamente aos países preguiçosos e corruptos do sul, que mentem e não honram as suas dívidas e que não merecem a democracia, não podia deixar de trazer à tona algo que a Alemanha tentou fazer esquecer e que, por uma mistura de interesse e de generosidade (que Berlim toma por fraqueza), os países que a Alemanha atacou e ocupou na última guerra fingiram também esquecer: a questão das reparações de guerra, nunca completamente pagas, nomeadamente à Grécia; a devolução das obras de arte roubadas pelos nazis mas que a Alemanha democrática se foi esquecendo de devolver; as indemnizações pelos doze milhões de trabalhadores escravos que enriqueceram duas mil empresas alemãs - muitas das quais ainda hoje florescem sobre essa herança macabra e que foi sempre vergonhosamente minimizada (o chanceler Gerhard Schroder, quando anunciou em 1999 a criação de um fundo de 1700 milhões de dólares para compensar uma parte dos antigos escravos considerou as exigências de reparação uma ”campanha contra a Alemanha”...).
Perante as exigências alemãs, é evidente que é conveniente refrescar a memória de Berlim e lembrar que dívidas a pagar há-as por todo o lado.
Mas se isso pode ser usado como tentativa de reality check para uma Alemanha que caminha mais uma vez orgulhosamente para o abismo, é mais urgente evitar o caminho que a Europa não quer trilhar de novo. É essencial que as forças políticas europeias a quem as acções do directório europeu repugnam por razões morais, políticas e económicas, se entendam e apontem uma via alternativa comum.
Têm sido apresentadas alternativas, mas apenas por forças nacionais ou pessoas isoladas. É absolutamente fundamental que essa alternativa seja apresentada por uma corrente transnacional, que envolva se possível forças políticas de todos os países da UE - “onde está a social-democracia europeia?”, perguntava ontem o ensaísta Jon Bloomfield num artigo do “Social Europe Journal” - para evitar que o nacionalismo que se começa a enquistar no discurso político abafe por completo o ideal da cooperação europeia.
Se isso não acontecer, o sentimento que vai ficar na caixa de Pandora quando a conseguirmos finalmente fechar não vai ser a esperança. (jvmalheiros@gmail.com)

terça-feira, setembro 13, 2011

Alegremente a caminho da Nova Grande Alemanha

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 13 de Setembro de 2011
Crónica 37/2011

As declarações de Oettinger são o passo que se segue aos estereótipos racistas que a chanceler Merkel lança sobre os preguiçosos países do Sul
 
O comissário europeu da Energia, o democrata-cristão alemão Günther Oettinger, propôs na sexta-feira passada que fosse colocada a meia haste nos edifícios comunitários a bandeira dos países que não cumprem as regras financeiras da União Europeia, os “pecadores do défice”. A proposta, que o próprio considerou “pouco convencional”, seria “apenas simbólica, mas fortemente dissuasora”. Na mesma entrevista ao jornal Bild onde defendeu esta ideia, Oettinger defendeu igualmente que se procedesse a uma substituição por “técnicos qualificados” de outros países da UE dos funcionários dos países incumpridores que têm demonstrado ser “administradores obviamente ineficazes” no que toca à colecta de impostos, à venda de activos do Estado ou à redução da despesa. A proposta da bandeira foi mais citada pelos media, mas a outra não é menos significativa. As propostas de Oettinger têm o mérito de ser claras e de fugir ao hipócrita europês habitual. Todos percebemos o que ele quer dizer mesmo que não se perceba nada de finanças nem da União Europeia, como Jesus Cristo.

Oettinger, porém, não defende a expulsão da Grécia do euro. O político alemão acha que “isso iria dividir a Europa e seria um sinal desastroso”. Oettinger quer que a Europa siga os ditames da Alemanha mas juntinha. Quer apenas humilhar os países que desobedecem à Alemanha e poder nomear os seus regentes de forma que estes administrem os seus estados de uma forma que agrade aos alemães.

As declarações de Oettinger podiam ter sido feitas durante uma prova de vinhos do Reno particularmente irresistíveis, mas parece que não. Também podia ser que o dirigente da União Democrata-Cristã da Alemanha tivesse dado a sua entrevista em inglês - língua da qual tem um domínio profundamente original (vejam tinyurl.com/yck7gwh porque vale mesmo a pena) – mas não. A entrevista foi dada em alemão, a um jornal alemão. Não é crível que Oettinger tivesse avançado as suas originalidades se elas não representassem a visão do partido dirigente na Alemanha e da senhora Merkel. As propostas de Oettinger são o que se chama na política um balão de ensaio. Um teste para avaliar o terreno que se pisa e ver até onde se pode ir sem risco.

Se houvesse alguma noção de decência democrática na Comissão Europeia ou se Durão Barroso fosse mais que um mestre-de-cerimónias, os restantes estados da EU (e, em particular, da zona euro) deveriam distanciar-se destas inaceitáveis declarações colonialistas e convidar a Alemanha a substituir o senhor Oettinger. Mas as declarações de Oettinger são apenas o passo que se segue aos estereótipos racistas que a chanceler Merkel lança sobre os preguiçosos países do Sul e a União Europeia em bloco tem-se vindo a habituar a este lento declive de servilismo.

Já sabemos que a Alemanha tem uma economia eficiente, uma indústria competitiva e uma enorme disciplina financeira. Já sabemos que não perdem tempo a rir e que estão decididos a ultrapassar o sentimento de culpa que os acabrunhou no final do século XX e de cuja origem já não se lembram muito bem. O que não é compreensível nem aceitável é que, a par do seu desenvolvimento industrial e perante uma história que deveria ter sido rica de ensinamentos, a direita alemã continue a evidenciar uma tão profunda displicência moral e um tão grande afastamento de qualquer noção de solidariedade internacional – que não é incompatível com a exigência e o rigor. A indústria e as finanças não servem de nada se não estiverem ao serviço de um projecto político que promova a paz, o progresso e a justiça social. E estes não são alcançáveis a nível nacional. É essa a razão de ser da UE. A Alemanha já atravessou vários períodos de enorme desenvolvimento industrial e de grande acumulação de ouro nos seus cofres. Nem todos são recomendáveis. Por que temos esta incómoda sensação de que a Alemanha, apesar de todas as suas profissões de fé, não percebe isso? (jvmalheiros@gmail.com)