Texto publicado no jornal Público a 3 de Agosto de 2004
Crónica 29/2004
Crónica 29/2004
O estilo de Santana Lopes é descontraído e isso é percebido pelos cidadãos como um ganho – e de certa forma é.
Um dos grandes mistérios da governação portuguesa acaba de ser esclarecido graças a uma investigação do jornal “24 Horas”.
Até ontem, ninguém senão os íntimos do poder sabiam o que era uma estranha pulseira que Santana Lopes vinha ostentando no pulso direito. Seria um objecto de joalharia? Um amuleto haitiano? A pulseira de elástico do vestiário da piscina do Tamariz onde Santana teria esquecido a sua roupa? Estaria o primeiro-ministro a testar um modelo de pulseira electrónica para presos preventivos? Estaria Santana Lopes sujeito a uma medida de coação cuja divulgação tinha sido ciosamente defendida da rapacidade dos media? Seria a chapinha metálica que se via no seu pulso o meio de que se estariam a servir alienígenas para comandarem à distância o nosso primeiro-ministro, como defendiam alguns (o que justificaria a latência na leitura dos discursos)?
Ontem o segredo foi desvendado, mostrando mais um traço profundamente humano do homem que se encontra à testa dos destinos nacionais. A pulseira é uma jóia e um amuleto, custa “apenas 20 contos” segundo o “24 Horas”, foi comprada no Hotel Ritz, é de fio de algodão e prata (a rainha de Espanha tem uma igual mas com chapinha em ouro) e protege Santana Lopes desde que a comprou, em Outubro. A história teve honra de manchete (“Desde que a usa só tem tido sucessos na vida”) mas o jornal não diz se Santana usa a jóia por razões estéticas ou pelo seu poder mágico. Diga-se que a última razão não destoaria num Governo cujo ministro da Defesa acha que foi Nossa Senhora de Fátima quem desviou a mancha de crude do “Prestige”.
Toda esta história é naturalmente ridícula mas os gestos de Santana Lopes são-no frequentemente. O que é de notar é que eles são merecedores de notícia (sempre foram, mas são-no mais ainda desde que SL se guindou à testa dos destinos da nação) e que essas notícias se encontram fora do circuito informativo sério, fora do meio do noticiário político, fora do meio dos líderes de opinião. Elas não deixam por isso de influenciar a opinião pública e de criar adeptos que se revêem em alguém cujos gostos conhecem.
É sabido, desde que os americanos reinventaram as eleições, que os políticos precisam de se apresentar ao eleitorado como pessoas, com gostos próprios, famílias, sentimentos, “hobbies” e até fraquezas (vide Clinton). Em Portugal, porém, a vida pessoal dos políticos sempre andou tão afastada dos holofotes noticiosos que muitos dos nossos dirigentes são para a maior parte dos eleitores simples figurantes de telejornal. Atrevemo-nos no Verão a perguntar-lhes a que praia vão e qual o restaurante preferido e pouco mais. E, no entanto, é normal que os eleitores queiram saber que autores lê o primeiro-ministro, de que música gosta, que amigos tem, o que mais o irrita e o que faz nas férias. Porque tudo isso revela a pessoa e afinal votamos em pessoas.
Um dos políticos portugueses de quem conhecemos os gostos pessoais é Mário Soares (e não à custa de devassa, mas da transparência da sua vida social, de uma acção cívica sempre ligada a uma vida cultural intensa) e isso explica bem a proximidade que tantos portugueses sentem do ex-presidente.
Santana Lopes não tem vida cultural mas tem pulseiras e festas e óculos de sol e uma vida sentimental que as pessoas pensam conhecer e isso basta para criar um sentimento de proximidade.
Não interessa se isso é feito de uma forma pimba ou refinada, se incendeia a imaginação de intelectuais ou caixeiras. Interessa que vende e tem seguidores. Como a música pimba. O estilo de Santana Lopes é descontraído e isso é percebido pelos cidadãos como um ganho – e de certa forma é.
Tudo isto tem consequências políticas. A alternativa política a Santana Lopes não pode apresentar-se no plano eleitoral com uma sisudez franciscana de gato-pingado (para demonstrar que é diferente e séria), nem pode tentar bater Santana no palco do “entertainment” (para demonstrar que pode ser igual e divertida). Há que encontrar uma posição que seja alternativa em política e que consiga simultaneamente aproximar-se do eleitorado.
Algo que já seria um ganho seria, por exemplo, um líder político alternativo que usasse uma pulseira da moda mas sem poderes mágicos.
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