sexta-feira, janeiro 30, 2009

Klaus Schwab - O artista do poder

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público - Suplemento P2 de 30 de Janeiro de 2009


É um dos homens mais influentes do mundo e diz que o seu objectivo é ajudar a encontrar a solução para todos os problemas do mundo, da fome ao terrorismo e da guerra às alterações climáticas. É o patrão de Davos

O que o homem faz é basicamente uma lista de convidados. Só que é uma lista de convidados especial, para um encontro especial. Os convidados deste ano são 2500 e o grupo tem a particularidade de incluir, como sempre, 20 ou 30 das pessoas mais poderosas de cada um dos 96 países representados. São banqueiros, chefes de Estado (este ano são 40), empresários de sucesso, ministros das Finanças e de outros comércios, escritores na berra, dirigentes de organizações internacionais, visionários da estratégia, estrelas do entretenimento, filantropos notórios, celebridades várias, chefes religiosos, líderes de ONG, um leque tutti-frutti ma non troppo de políticos, consultores, académicos e jornalistas (a assistir mas também a participar ou a moderar debates).
A reunião chama-se World Economic Forum ou simplesmente Davos (o nome da estância de esqui suíça onde tem lugar desde 1971) e ele, o homem que faz a lista de convidados e que garante que "quando se vai a Davos se pode ter a certeza de encontrar pelo menos metade dos dez ou 20 players de topo da economia, da política e dos negócios de cada país", é Klaus Schwab, um engenheiro mecânico e economista de 70 anos de idade, alemão nascido a cavalo na fronteira suíça, fundador, anfitrião, animador, patrão, dançarino exímio e senhor todo- -poderoso da mais influente das reuniões internacionais, onde são debatidas (se não inventadas) as ideias que hão-de fazer mexer o mundo. Ou, se não o mundo todo, pelo menos uma parte importante do mundo dos negócios, da finança e da política.
Fora
Para ter o direito de entrar em Davos é preciso pagar - além do fee da reunião (um pouco mais de 13.000 euros), há empresas associadas que pagam quase 30.000 euros por ano, o que lhes garante um lugar na reunião anual. Mas não se pense que basta ter dinheiro. O principal papel de Schwab é podar os ramos menos interessantes e muitos são os pretendentes mas poucos os escolhidos. Schwab apenas quer as pessoas que contam, as que vão ter o poder, a imaginação, a riqueza e a oportunidade de moldar o mundo e isso requer um staff dedicado de olheiros, uma rede internacional de contactos que cobre as principais instituições do mundo, rigor na análise, intuição e uma mão impiedosa no momento de desferir a estocada mortal. Todos os anos há umas dezenas de empresas que, como Schwab diz, "deixam de preencher os critérios" para pertencer ao clube e às quais é preciso pedir para sair. Schwab diz que é "uma das tarefas mais duras que lhe compete" mas todos reconhecem que o faz sem contemplações. Davos tem de reunir, em cada momento, ano após ano, la crème de la crème, e as corporações que deixam de ser sinónimo de inovação e de sucesso não têm lugar entre os escolhidos. E é claro que, para além das empresas (três quartos dos participantes são empresários e gestores), há os convidados. Angelina Jolie, Bono, Claudia Schiffer ou Henry Kissinger não pagam bilhete.
Davos não começou como um World Economic Forum mas como o European Management Forum, uma (relativamente) modesta reunião de 400 empresários europeus. O objectivo do seu fundador era então difundir entre eles as inovadoras técnicas de gestão, nascidas nos Estados Unidos, que Schwab, então professor de Economia, ensinava na Universidade de Genebra. E a escolha de Davos (a montanha mágica de Thomas Mann) deveu-se não só à sua beleza natural, infra-estruturas e localização (próximo do aeroporto de Zurique), mas também ao facto de se tratar de uma pequena aldeia, onde os participantes não seriam tentados pelas atracções de uma grande cidade, para não os afastar dos debates. Hoje, seria difícil imaginar um convidado a fugir a uma sessão e há quem esteja disposto a vender um rim para poder beber um copo no famoso piano-bar ao lado de Gordon Brown ou para ouvir o primeiro-ministro da China trocar umas palavras com Putin.
O objectivo mudou: hoje Davos tem a discreta ambição de resolver os problemas do mundo. Que problemas? Todos: da crise financeira ao Médio Oriente, da fome à desertificação, das alterações climáticas ao terrorismo, nenhum objectivo parece demasiado ambicioso para este workaholic e maníaco centralizador, doutorado em Engenharia Mecânica e em Economia, mestre por Harvard, que se sentou pela primeira vez num conselho de administração aos 28 anos e que se orgulha de ainda não sentir o peso dos anos. O objectivo de Schwab é envolver as melhores pessoas do mundo em discussões transdisciplinares sobre os principais problemas do mundo e produzir conhecimento que possa dar origem a programas e iniciativas.
Schwab sublinha sempre porém que o World Economic Forum não visa pôr em prática políticas específicas, mas sim ser uma incubadora de políticas globais, uma plataforma giratória para facilitar encontros e diálogos, em mangas de camisa, sem os constrangimentos das reuniões oficiais. Aqui, toda a gente é encorajada a dizer o que lhe vai na alma e a atirar ideias loucas para cima da mesa, num brainstorming global. O atrevimento é encorajado pelo facto de que o World Economic Forum nunca faz declarações formais finais, não extrai conclusões dos seus debates nem faz recomendações. "Aqui as pessoas sabem que não vão ser manipuladas", explicava Schwab em 1999 numa entrevista à revista Wired. "Não vamos aparecer de repente com uma grande 'Declaração de Davos' que as pessoas não se vão sentir à vontade para subscrever."
O objectivo de Davos é apenas... "melhorar o estado do mundo". Schwab diz que o sucesso de uma reunião se consegue quando cada participante "leva consigo para casa uma ideia que vá ter um impacto considerável no futuro do seu país, fez um contacto que vá ter um impacto considerável no futuro do seu país ou aprendeu alguma coisa que vá ter um impacto considerável nas suas capacidades de liderança".
Pequenos Davos
Schwab nasceu na Alemanha em 1938, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, e diz que a sensação de atravessar a fronteira para a Suíça (o que podia fazer frequentemente, graças à origem suíça dos seus pais) e ter a experiência da guerra e da destruição de um lado e da paz e prosperidade do outro o marcou profundamente. "Bastava atravessar uma linha", conta numa entrevista à CNBC.
A experiência da reconstrução europeia no pós-guerra, por outro lado, revelou-lhe a importância da reconciliação e do diálogo - de que Davos pretende ser um exemplo. Ainda que esse não seja o objectivo da reunião em si, Davos orgulha-se dos contactos aqui havidos entre Frederik de Klerk e Nelson Mandela em 1992, ou entre Shimon Peres e Yasser Arafat em 1994 (que refere como marcos históricos no seu site), assim como de muitos outros passos informais em prol da paz, que terão aberto a porta a negociações relativas a vários conflitos. Schwab tem defendido também que a criação da Organização Mundial do Comércio (e do seu antecessor, o General Agreement on Tariffs and Trade-GATT) se deve à acção do World Economic Forum.
Hoje Davos não é só Davos. Há dezenas de reuniões organizadas pelo World Economic Forum noutros países para discutir questões sectoriais ou regionais que alargam o espectro de acção da organização - e o poder do seu criador. Schwab porém não se vê como um poderoso ele próprio. A maneira como prefere que o vejam é como "um artista" ou "um encenador". Alguém que "escolhe os actores, escolhe o argumento e reúne os espectadores" (Wired). E, tal como um artista, Schwab não se sente obrigado a reformar-se no sentido clássico. "Um artista nunca se reforma. Ao longo da história, os bons artistas continuam a trabalhar até serem incapazes de criar. Eu reformar-me-ei quando já não conseguir fazer o meu trabalho" (CNBC).
Por enquanto, Schwab parece decidido a continuar a pilotar o barco e nos últimos anos inflectiu mesmo o rumo da organização, que passou a privilegiar novas preocupações sociais (e a incluir ONG e activistas) que pareciam distantes das suas motivações há uma década. O cantor Bono (participante regular, ainda que ausente este ano) classificou uma vez Davos como um encontro de "ricaços na neve" e o Forum tem sido objecto de contestação violenta por parte de organizações "antiglobalização" que o vêem apenas como uma organização de ricos empenhada em inventar novas maneiras de enriquecer uns quantos à custa de todos os outros. Schwab contesta as acusações e irrita-se à sugestão de que os seus convidados possam ser parasitas sociais. "Os participantes de Davos não são membros do jet set que passam a vida em leilões da Sotheby's e que por acaso têm imenso dinheiro. São pessoas que construíram alguma coisa", diz.
Apesar da sua forma física - Schwab é um maníaco do fitness e do jogging e até há poucos anos continuava a fazer alpinismo e maratonas de esqui -, a questão da sucessão tem-se colocado de forma crescente nos últimos anos. Schwab pareceu a dada altura disposto a encontrar um sucessor, mas acabou por afugentar os possíveis candidatos. Neste momento, alinha-se como possível herdeira a sua filha Nicole Schwab, 33 anos, dirigente da "organização para a juventude" (menos de 40 anos) do World Economic Forum, os Young Global Leaders.
Apesar da sua influência crescente e da sua reputação - os participantes representam muitos milhões de milhões de dólares de PIB -, Davos tem concorrentes. A Clinton Global Initiative, de Bill Clinton, tem as mesmas ambições de constituir um fórum global para discutir e ajudar a resolver os problemas do mundo e o ex-Presidente americano parece menos empenhado em transformar a organização num empreendimento dinástico do que Schwab. O mesmo Bill Clinton que ontem em Davos foi uma das estrelas da reunião.

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