por José Vítor Malheiros
Texto publicado a 8 Março 2009 no jornal Público, suplemento P2, secção Página de Rosto, Pág. 16
Yann Arthus-Bertrand, fotógrafo, autor de La Terre vue du Ciel (França)
Foi num fim de tarde do Verão de 2000, em Paris, que vi pela primeira vez as fotos de Yann Arthus-Bertrand. Era uma exposição no Jardim do Luxemburgo, não no pequeno museu mas mesmo no jardim, ao ar livre, enormes fotos coloridas de manchas às vezes reconhecíveis, às vezes quase abstractas, penduradas no gradeamento, para serem vistas do lado de fora. Os visitantes-transeuntes deslizavam numa marcha silenciosa pelo passeio, de pescoço esticado para cima e para o lado, hipnotizados pelas imagens, crianças puxavam os pais para lhes mostrar o que tinham descoberto mais à frente, grupos de pessoas paravam à frente de uma fotografia interrompendo o tráfego, envoltos num fascínio que a chuva miúda do fim do dia só conseguia ampliar.
As fotos da exposição pertenciam ao projecto “A Terra vista do céu”, que tinha saído em livro há uns meses e que conheceria um êxito extraordinário em todo o mundo. Eram fotografias tiradas do ar mas muitas delas a baixa altitude, algumas a muitas centenas de metros outras de apenas vinte metros de altura, a partir de helicópteros e balões – a especialidade de Yann Arthus-Bertrand. E mostravam um planeta que, não sendo completamente desconhecido, se revelava dilacerantemente belo e tocantemente frágil, radiosamente selvagem ou tristemente desolado, onde a nova perspectiva tornava surpreendentes as coisas mais familiares, onde terra e plantas e água e homens e casas desenhavam um mosaico de uma variedade e um colorido inesperado e as intervenções humanas adquiriam uma nova dimensão. Não eram apenas as grandes paisagens mas também as catástrofes naturais ou não, os sinais da actividade humana, os campos e os jardins e os bairros mostrados de cima mas a uma escala humana, às vezes as próprias pessoas, acenando, uma caravana de dromedários lançando as suas sombras alongadas no pôr-do-sol, pessoas no meio de uma lixeira, tanques a enferrujar ao sol do Iraque.
O enorme livro, que o Scientific American dizia parecer mais uma coffee table que um coffee-table book (numa crítica aliás entusiástica), conseguiu o efeito que Arthus-Bertrand pretndia, um efeito semelhante àquela fotografia da Terra tirada do espaço na véspera de Natal de 1968, que nos mostrou sozinhos no espaço e que evidenciava tão claramente a nossa fragilidade e como as nossas disputas eram insensatas e mesquinhas.
Arthus-Bertrand, que fará 63 anos dentro de dias, lançou o seu projecto da “Terra vista do céu” em 1994, para assinalar o início do século XXI. O seu objectivo era então fazer o grande fresco do planeta, um recenseamento que mostrasse o estado do nosso habitat. O projecto teve inicialmente dificuldade em encontrar financiamento mas acabou por conseguir o apadrinhamento da UNESCO e, a partir daí, as portas começaram a abrir-se e Arthus-Bertrand acabou por se transformar numa verdadeira estrela global, que muitos países e eventos disputam. O projecto da “Terra vista do céu” deu origem a inúmeras exposições em muitos países, prolongou-se por outros livros, alargou-se a duas séries de documentários de uma hora e meia (Vu du Ciel, exibida em 34 países) – tendo hoje acumulado 300.000 fotos de mais de 150 países organizadas num banco de imagens. Muitas foram mesmo colocadas por Arthus-Bertrand no domínio público e estão disponíveis através da Intenet.
Mas antes de “A Terra vista do céu” Arthus-Bertrand já era famoso. Nascido em 1946, Arthus-Bertrand começou por se apaixonar pelo cinema, foi assistente de realização durante três anos, foi actor (no currículo menciona que num dos filmes contracenou com Michelle Morgan). Aos vinte anos torna-se encarregado d eum reserva natural em França. “Foi nessa altura que descobri que queria trabalhar na área do Ambiente”. Aos trinta anos parte para o Quénia com a mulher Anne para fazer um estudo sobre os leões da reserva Massaï Mara. É neste país, onde ficará três anos, que nascem as duas paixões de hoje: a fotografia e o ar. Fotografa os leões, começa a pilotar balões, descobre a beleza dos grandes espaços vistos do céu, lança o seu primeiro livro (Lions). De regresso a França incia uma carreira como fotógrafo de desporto, de aventura, de viagem. Durante uma dúzia de anos a sua vida distribui-se pelo rali Paris-Dakar, pelo torneio Roland Garros, publica na Paris-Match, na Geo, Life, National Geographic.
Em 1991 funda uma agência que reúne especialistas de fotografia aérea de todo o mundo, Altitude.
O seu envolvimento com as questões ambientais e de sustentabilidade faz com que seja visto “cada vez mais como um militante ecologista e menos como um fotógrafo de sucesso”.
Lança e apoia organizações e campanhas ambientalistas (Action Carbone, GoodPlanet, Développement Durable Pourquoi?), lança sites dedicados ao ambiente, apadrinha escolas dedicadas à conservação da Natureza (há sete escolas oficiais primárias e secundárias com o seu nome em França). E vai publicando livros, mais de 50 até agora. E está sempre no terreno, acompanhado de uma equipa que o apoia e transporta os 150 (mínimo) a 450 quilos de material que o seu trabalho exige (20 quilos de máquinas). Para além dos que ficam no quartel-general e asseguram a logística, angariam financiamentos públicos e privados, negoceiam contratos, tratam das relações públicas, tentam obter autorizações de voo. “Em muitos países”, queixa-se Yann no seu site oficial, “a fotografia áerea é proibida e considerada como espionagem”. As negociações exigem investimento e diplomacia. Há 4 anos que espera autorização para sobrevoar a China, por exemplo.
Há dias, toda a equipa foi expulsa da Argentina quando se preparava para fotografar a barragem de Yacyretá, propriedade da Argentina e do Paraguay, devido a uma acusação de não pagamento de uma dívida a uma agência de viagens. O estranho excesso de zelo policial, segundo Arthus-Bertrand diria aos jornais franceses, deve-se simplesmente ao facto de que as suas fotos iriam levantar o problema do impacto ambiental da barragem e dos deslocados causados pela sua construção.
Nos últimos anos o cinema e o vídeo têm atraído a sua atenção. Uma longa-metragem para o cinema, TV, Internet e DVD, Home, produzida por Luc Besson, deve estrear a 5 de Junho. O tema são ainda os desafios da protecção do planeta.
Mas o grande projecto dos últimos anos chama-se “6.000 milhões de outros”, um projecto onde Arthus-Bertrand desde à Terra. Nada menos do que 5.000 entrevistas filmadas, feitas em 75 países a pessoas comuns, por seis realizadores, e que deu origem a uma grande exposição no Grand Palais, em Paris, que terminou no mês passado mas que irá seguir para outras cidades. O projecto nasceu em 2003 mas está a conhecer um novo fôlego na Internet, no site http://www.6milliardsdautres.org, onde se convida pessoas de todo o mundo a filmar-se com a sua webcam ou outro equipamento, a responder a algumas perguntas simples e profundas e a enviar o depoimento para o site. Perguntas como “Qual é a sua primeira recordação?” “É feliz?” “Sente-se livre?” “O que significa Deus para si?” “O que o/a irrita mais?” “O que é o amor?” “O que gostaria de transmitir aos seus filhos?”
A ideia nasceu depois de uma avaria de helicóptero no Mali, ocorrida ainda antes da realização da “Terra vista do céu”, e parece uma página de Saint-Exupéry: “Tive de ficar à espera do piloto e passei uma tarde inteira a falar com um aldeão. Falou-me do seu quotidiano, das suas esperanças, dos seus medos… A sua única ambição era ter comida suficiente para alimentar os filhos”, conta Arthus-Bertrand no seu site. “Estava a trabalhar numa encomenda para uma revista e de repente vi-me mergulhado nestas necessidades elementares. Ele olhava-me nos olhos, sem queixas, sem pedir nada, sem ressentimentos. Tinha ido fotografar paisagens e fiquei cativado pelo seu rosto, pela sua palavra”.
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