terça-feira, janeiro 31, 2012

A Europa aqui tão longe

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 31 de Janeiro de 2012
Crónica 5/2012

Na prática, um "comissário do orçamento” é uma coisa muito parecida com um governador colonial

Um diplomata europeu citado por The Economist considerava há dias que o novo pacto orçamental que a Alemanha quer impor aos países do Eurogrupo consistia em assinar “um tratado que torna o keynesianismo ilegal".
Já há muitos anos que os países mais ricos da União Europeia têm vindo a impor aos seus confrades (com maior ou menor diplomacia, com mais ou menor oposição, com maior ou menor publicidade, com maior ou menos compreensão por parte dos cidadãos europeus) medidas que tornam uma política de esquerda ilegal ou impraticável, dificultando de todas as formas possíveis, em nome da defesa do mercado e da livre concorrência, intervenções dos Estados na economia que permitiriam regular determinados sectores e evitar o agravamento de desigualdades na sociedade. Pode-se dizer que todas estas medidas foram adoptadas devido a um consenso - que envolveu tanto Governos de direita como Governos auto-intitulados sociais-democratas - em torno do pensamento neoliberal, que prometeu o bem-estar como resultado mágico do mercado livre. Pode-se dizer que todas estas medidas foram adoptadas em Conselhos Europeus constituídos por Governos democraticamente eleitos. No entanto, o facto persiste que, para levar a cabo uma política minimamente de esquerda num qualquer país da UE, passou a ser necessário não só um Governo maioritário no país em questão como a determinação de combater milímetro a milímetro uma Comissão Europeia e um Conselho Europeu armados de toda a espécie de determinações neoliberais plasmadas em tratados e normas.
Agora, a Alemanha quer tornar ilegal – para já na Grécia, mas é evidente que o país que se segue é Portugal e depois seguir-se-ão outros – o exercício da soberania nacional nos países endividados. Um país com dívidas não tem direito a tomar decisões sobre a sua política interna. Claro que a proposta de Berlim diz apenas respeito às decisões que possam pôr em causa os objectivos financeiros e o pagamento das dívidas - o "comissário do orçamento” nomeado pelo Eurogrupo para a Grécia deveria ter apenas o poder de vetar as decisões do Governo grego com incidência orçamental. Só que é difícil imaginar que medidas governamentais se podem considerar sem impacto orçamental. Na prática, o "comissário do orçamento” seria a coisa mais parecida com um governador colonial, garantindo que os direitos da “metrópole” (leia-se dos credores) se sobreporiam em todas as circunstâncias aos direitos das populações locais. É uma colonização à distância, um telecolonialismo, uma ocupação financeira.
O secretário-geral do PS português considerou que a proposta alemã ofende princípios básicos de soberania e "a própria dignidade dos povos". Tem razão. Mas a proposta vem na sequência de outras atitudes do mesmo tipo - lembram-se da proposta do comissário alemão Gunther Oettinger de pôr a meia-haste nos edifícios europeus as bandeiras dos países endividados?
O presidente do Eurogrupo, o luxemburguês Jean-Claude Juncker, discordou da ideia do "comissário do orçamento”. Mas há chefes de Governo a quem a proposta pareceu interessante. E, mesmo que não seja adoptada por agora (à hora que escrevo não se conhece a decisão da cimeira europeia) ela está no ar do tempo. O trágico é que a União Europeia não só parece ter abandonado toda a ideia de solidariedade e de coesão, toda a ideia de igualdade entre os Estados, como os seus membros mais ricos parecem empenhados na submissão dos mais pobres e na sua exploração através do mecanismo da dívida. A ideia da Europa nunca pareceu tão longínqua.
2. O desemprego acabou por conquistar direito de cidade na cimeira europeia e, em geral, nos debates sobre a crise financeira. Lentamente, a realidade da economia e a praga do desemprego acabou por conseguir ganhar um espaço no discurso, entre o pagamento imperativo da dívida, a inevitabilidade da austeridade, a necessidade de privatizar, a conveniência de reduzir os apoios sociais, o corte de gorduras do Estado. Foi preciso o número de desempregados na UE chegar a 23 milhões (5,3 milhões de desempregados só em Espanha) para o tema se tornar importante. Mas é interessante ver como o tema aparece no discurso dos políticos e nas notícias de política e economia. O desemprego é considerado como preocupante porque afecta as empresas (o retalho sofre) ou porque o elevado número de desempregados (principalmente de jovens desempregados, principalmente de jovens desempregados qualificados) faz recear tumultos generalizados ou mesmo... uma “Primavera europeia”, exigindo não só empregos como democracia.
É pasmoso que o discurso político esteja cheio de preocupação com o desemprego devido aos seus efeitos na economia (ou seja, nas empresas) e não devido ao seu efeito nos próprios desempregados e nas suas famílias, devido ao sofrimento físico e moral que ele lhes causa, devido à miséria a que as famílias são condenadas pelo desemprego, devido à perda de auto-estima e ao desespero a que os desempregados são condenados, à destruição das suas condições de vida, da sua saúde, da sua educação, da sua participação cívica.
O trabalho não é apenas - nem sequer acima de tudo - uma necessidade para a economia. É uma necessidade para as pessoas, para a sua dignidade, para a sua relação com os outros e com a sociedade em geral. É triste constatar que tantos políticos se esqueceram disso. De que mais se terão esquecido? (jvmalheiros@gmail.com)

terça-feira, janeiro 24, 2012

Vergonha e desemprego

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 24 de Janeiro de 2012
Crónica 4/2012
Um dos objectivos principais das empresas e do sistema capitalista passou a ser gerar desempregados

1. Cavaco devia ter vergonha de invocar a sua condição de pensionista e de usufruir de duas pensões quando está ainda no activo, a trabalhar a tempo inteiro, como Presidente de República.
Cavaco devia ter vergonha de ter prescindido do seu salário de Presidente da República para poder receber mais uns milhares de euros, quando deixou legalmente de poder acumular as suas pensões com esse ordenado. E de insinuar que o facto de prescindir do salário de PR em favor das suas pensões se deveu a um gesto voluntário, quando a escolha entre os dois rendimentos era um imperativo legal.
Cavaco devia ter vergonha de insinuar que o facto de prescindir do salário de PR em favor das suas pensões se deveu a um gesto de abnegação, quando a escolha que fez consistiu apenas em escolher o maior rendimento possível.
Cavaco devia ter vergonha de referir a sua pensão de 1300 euros como se fosse a sua única ou principal fonte de rendimento, quando não é. E de escamotear o montante da sua pensão como funcionário do Banco de Portugal, dizendo não saber exactamente qual é. Cavaco devia ter vergonha de dizer “aos senhores jornalistas” que poderiam inteirar-se facilmente do valor da sua pensão do BdP, quando sabe que essa informação não é fornecida pela instituição nem seria fornecida por ele próprio.

Cavaco devia ter vergonha de esconder o facto de, apesar de não receber salário como PR, ter as suas despesas pessoais pagas pela Presidência da República.

Cavaco devia ter vergonha de se queixar da sua situação financeira quando conhece a situação de fragilidade da esmagadora maioria dos portugueses, quando sabe que em Portugal o salário médio é de 800 euros líquidos, que um quinto das famílias vive abaixo do limiar de pobreza, quando conhece a situação miserável em que vive a maioria dos verdadeiros pensionistas, com pensões de 200 e 250 euros (devido aos diplomas que ele próprio promulga), quando sabe que existem em Portugal um milhão de desempregados, muitos dos quais sem subsídio.

Cavaco devia ter vergonha de se recusar a esclarecer cabalmente os seus negócios com o BPN e a compra da sua casa em Albufeira e de tentar intimidar quem pede os esclarecimentos a que todos temos direito. Cavaco devia ter vergonha de dizer que já esclareceu tudo o que há para esclarecer sobre as suas finanças quando apenas publica notas crípticas a propósito de metade dos factos que todos os portugueses gostariam de conhecer.

Cavaco devia ter vergonha de ter uma tal duplicidade de critérios que considera a sua pensão de 1300 euros como miserável, mas as pensões muito inferiores de muitos outros cidadãos como adequadas. 

Cavaco devia ter vergonha de se apresentar como um pobre pensionista com dificuldades quando possui uma situação de total desafogo financeiro e de objectivo (e compreensível) privilégio. Cavaco devia ter vergonha de estar em tal dessintonia com o país e com os portugueses que diz representar.

Cavaco devia ter vergonha. Mas não tem. Cabe-nos a nós ter vergonha por ele.

2. O “acordo de concertação social” assinado na semana passada vem aumentar o número de dias de trabalho, liberalizar os despedimentos e reduzir os apoios aos despedidos e desempregados. Como o Governo, os patrões e a troika pretendiam. O acordo é sustentado por um discurso oficial que diz que estas medidas promovem a “competitividade da economia” e fazem “crescer o emprego”. Mas é apenas uma táctica para facilitar despedimentos e pauperizar os desempregados. Os trabalhadores vão ganhar menos, ser mais maltratados nos seus empregos, postos na rua mais facilmente, despedidos por razões arbitrárias ou por delito de opinião, vão ter indemnizações mais baixas, subsídios de desemprego mais reduzidos e durante menos tempo e, quando encontrarem outro emprego, vão ser mais mal pagos e mais maltratados que no emprego anterior. E os desempregados que deixarem de ter direito a subsídio vão aceitar condições de trabalho mais “competitivas”, constituindo uma pressão poderosa para baixar os salários de todos. Os patrões chamam a isto “competitividade” mas avisam que esta não chega. E vão continuar a exigir mais “competitividade” até termos os salários e as condições de trabalho da China ou da Nigéria.
O que este acordo deixa claro é que, cada vez mais, o objectivo principal das empresas e do sistema capitalista passou a ser gerar desempregados. Isso é visível na Bolsa, quando vemos as cotações das empresas que despedem milhares de trabalhadores a subir. Os mercados gostam de desempregados. Claro que os patrões dizem que despedem em nome da eficiência e garantem que, se houver mais competitividade, o emprego vai “retomar”. Mas sabemos que não é assim. Os patrões também não gostam do emprego.

A situação poderia não ser dramática se as empresas apenas pedissem flexibilidade para mudar os trabalhadores daqui para ali (o que se compreende), ou mesmo para os despedir em certos casos, mas se houvesse uma sólida rede de segurança social para sustentar os desempregados e as suas famílias até ao próximo emprego. Mas os patrões também não querem isso. Mesmo que não sejam eles a pagar. Os patrões querem uma massa de desempregados miseráveis, sem subsídio de desemprego, dispostos a aceitar qualquer trabalho por qualquer preço. O mais grave é que um desempregado não é apenas alguém que não tem trabalho. Um desempregado é alguém que está de facto excluído da sociedade e da política, que condena à pobreza os seus filhos e que ainda é acusado de parasitismo pelos Álvaros desta vida. Vamos mesmo aceitar uma sociedade com uma massa crescente de sub-humanos sem direitos? (jvmalheiros@gmail.com)

terça-feira, janeiro 17, 2012

Filhos e septuagenários ou a política rasca

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 17 de Janeiro de 2012
Crónica 3/2012
Das pequenezas e das misérias de dois ex-ministros das Finanças do PSD

1. Somos um país pequeno, onde todos nos conhecemos, nos cruzamos na rua e temos amigos comuns. Em Portugal não há seis graus de separação. Há só dois. Se há alguém que eu não conheço, há certamente alguém que nos conhece a ambos. Para mais, como somos um país profundamente desigual e classista, com um fosso imenso a separar uma imensa massa de pobres indiferenciados de uma pequena classe média e uma pequena casta de profissionais, estes encontros são ainda mais comuns nestes últimos grupos. Na política e nos negócios (quase a mesma coisa), nas artes e na academia, estamos sempre a cruzar-nos. Os mesmos. É por isso que vemos tantas vezes os mesmos nomes, os mesmos apelidos, relações familiares. Os negócios em Portugal estão na mão de uma só família há cem anos. Estamos todos tão próximos que é quase impossível não contratar um primo, não chocar com um tio, não dar aulas a uma sobrinha. Portugal é pequeno mas, se excluirmos os pobres, que não contam, ainda somos mais pequenos. Somos o Luxemburgo. A Islândia. O Liechtenstein.

É por isso que há tantos filhos e sobrinhos. Um exercício interessante é consultar a formação dos Governos. Ou das administrações das empresas. Os apelidos repetem-se. É normal apresentarmos pessoas como sendo “filhos de”. Para não contar as vezes em que o elemento curricular é sussurrado quando a pessoa volta costas. “É filho de...” “Ah!...” E estamos constantemente a descobrir parentescos, muitas vezes discretamente ostentados. Um dia descobrimos que a Maria Fulana é filha de Fulana de Tal mas não usa o Tal para que toda a gente saiba que não se quer valer do nome. Ou descobrimos que a Maria Fulana passou a usar o Tal porque ele não tinha sido sussurrado a uma certa pessoa, com prejuízo para a sua carreira. Os filhos e os sobrinhos estão por todo o lado. E, se se levanta alguma dúvida sobre o critério da nomeação, do convite, da promoção, logo alguém nos garante que é competentíssimo e cultíssima. Não vale a pena saber se não haverá outro, com outro apelido, também competentíssimo. É provavel, aliás, que ele seja competentíssimo, pois os filhos da oligarquia tem acesso garantido à melhor formação. Podemos apostar que não haverá nos próximos trinta anos um ministro nascido na Cova da Moura, mas a maioria das pessoas não percebe que é essa a nossa desgraça.

O nepotismo é algo tão natural, a oligarquia tão habituada a não ser posta em causa, que o competentíssimo Jorge Braga de Macedo, ex-ministro do PSD, colaborador de Passos Coelho e presidente do Instituto de Investigação Científica Tropical, não se dá sequer ao trabalho de explicar por que razão o nosso instituto (que ele dirige) financiou três exposições da sua filha. E que tal definir critérios prévios para fazer as coisas? Não é difícil e até é parecido. Em vez de consultar o apelido, vê-se se a pessoa, o projecto e o processo respeitam os critérios.

3. Podia acontecer que Manuela Ferreira Leite tivesse aquele problema de ter uma língua mais rápida do que os neurónios, uma condição em que as palavras apenas são submetidas ao escrutínio da mente depois de terem sido enunciadas. Acontece. Muitos políticos parecem sofrer do mal. Nestes casos, porém, mal o cérebro escrutina o que lhe entrou pelos ouvidos, usa em geral a capacidade de corrigir a posteriori o que não teve capacidade para formatar a priori. E dizem-se coisas como “Não era bem isto que eu queria dizer”, “Deixem-me explicar melhor porque receio ter dado uma ideia errada”, “Posso responder de novo e depois vocês apagam a primeira resposta?” etc. - como fazemos todos quando falamos de uma forma irreflectida, ainda que não se sofra da patologia.

No entanto, quando a Dama de Ferro Nacional diz o que disse, em resposta a uma pergunta sobre o que pensava da possibilidade de restrição do acesso à hemodiálise aos indivíduos com mais de 70 anos (“Tem sempre direito, se pagar”) e apenas corrige o que diz depois de uma chamada de atenção do socialista António Vitorino, é provável que tenha dito da primeira vez aquilo que queria dizer. Lembre-se aliás que a pergunta (dirigida a António Barreto mas a que Ferreira Leite quis responder) já trazia suficientes sinais de alarme, porque foi colocada nestes termos: “Não acha abominável que se discuta se alguém que tem 70 anos tem direito à hemodiálise ou não?” Mas Ferreira Leite não só não achou abominável como achou muito bem, porque o SNS não dá para todos e é preciso escolher.

A resposta de Ferreira Leite foi a de uma verdadeira tecnocrata: como o SNS não pode pagar tudo e uma pessoa com mais de setenta anos possui um valor económico negativo (não produz e gasta muito), a decisão mais eficiente é deixar de pagar hemodiálise a esta pessoa - que, no entanto, se tiver meios próprios, poderá fazê-la por sua conta. A proposição, de perfil eugenista e pseudo-justificada com o habitual palavreado de gestão, vai na linha das propostas do PSD em termos de saúde, educação, segurança social e trabalho e demonstra que uma das mentiras mais descaradas da política portuguesa é a auto-definição do PSD como partido humanista.


Manuela Ferreira Leite esteve na origem da expressão “geração rasca”, cunhada numa reflexão de Vicente Jorge Silva quando, numa manifestação de estudantes, alguns decidiram mostrar o rabo à então ministra da Educação. Ferreira Leite provou mais uma vez que uma política rasca pode mostrar coisas muito mais ofensivas. (jvmalheiros@gmail.com)

quinta-feira, janeiro 12, 2012

Projecto PMA-CiênciaViva - Alguns conselhos para o seu projecto multimédia - Janeiro 2012

Projecto PMA-CiênciaViva

Alguns conselhos para o seu projecto multimédia

José Vítor Malheiros



Fase preparatória

Defina os seus objectivos com o máximo rigor possível. Pense bem naquilo que quer transmitir no seu trabalho. Não basta ter uma ideia geral do que quer dizer (Exemplo: “Dar informação às pessoas sobre PMA”). Faça uma lista dos seus objectivos. Seja tão preciso/a e tão exaustivo/a quanto possível. Não deixe nenhum objectivo de fora.

Escreva os seus objectivos em frases simples – uma frase para cada objectivo. Uma boa técnica é usar pequenas folhas de papel ou post-its para fazer isto: uma frase em cada folha de papel.

Espalhe as folhas de papel em cima da mesa e organize os seus objectivos por ordem de importância. Quais são aqueles que são verdadeiramente importantes e quais são os objectivos secundários? Há algum objectivo que seja na realidade uma sub-categoria de um outro? Há algum objectivo que seja de facto irrelevante? Há algum que seja excessivamente ambicioso para os recursos de que dispõe?

Reorganize os seus objectivos de forma hierárquica, eliminando os irrelevantes e
separando claramente as duas categorias de Objectivos Primários ("Must have") e
Objectivos Secundários ("Nice to have"). Escreva-os numa folha de papel. Vai usá-la durante todo o seu trabalho.

Pense nas pessoas a quem se quer dirigir. Quem vai ler/ver o seu trabalho? A quem é que o seu trabalho deve ser útil? Jovens como você e os seus amigos? Pessoas com problemas de fertilidade? A sociedade em geral? Os políticos? Os seus professores?

Tente ser tão selectivo/a quanto possível. Era bom se toda a população portuguesa pudesse ver o seu trabalho, mas há talvez um grupo que, para si, é mais importante e a quem gostaria especialmente de chegar.

Uma vez definido o grupo (ou grupos) que quer atingir, imagine uma pessoa concreta que faça parte dele. Pode ser uma pessoa real (a sua tia) ou uma pessoa imaginária.

Pode imaginar várias pessoas. Escreva numa folha de papel uma ficha com as
características de cada pessoa (idade, sexo, ocupação, interesses). Isto permite, quando estiver a concretizar o seu projecto, responder mais facilmente a
perguntas do tipo "Será que isto responde ao que este utilizador procura? Será que isto esclarece as dúvidas desta pessoa? Será que esta linguagem é adequada para esta pessoa?"

Faça, para cada utilizador/a que imaginou, uma lista das perguntas que ele/ela fariam, das suas necessidades de informação, dos seus interesses, das suas curiosidades e dúvidas.

Fase de execução

Comece por planear o seu trabalho. Defina as diferentes fases de produção por ordem cronológica (recolha de informação, escrita, recolha de imagens, etc.) e identifique as fontes de informação que vai utilizar.

Agarre nas folhas onde escreveu os seus objectivos e alinhe-as sobre a mesa. Pense na forma de concretizar cada um deles, nos textos, nas imagens e nas funcionalidades que lhe vão dar forma. Faça uma listagem do conteúdo que lhe irá permitir responder a cada objectivo. Escreva cada item (um texto, uma foto, um vídeo, um inquérito) numa folha separada e distribua todas essas folhas pelos objectivos a que dizem respeito.

Deve ter o cuidado de fotografar as várias fases do trabalho, pois ao longo do projecto vai reorganizar as suas folhas de papel e os seus post-its de várias formas, vai fazer experiências, voltar atrás, e pode acontecer que queira recuperar uma parte do trabalho que já foi alterado.

Agarre nos vários conteúdos que quer produzir e organize-os em categorias ou
secções. Por exemplo: fotos, explicações técnicas, esquemas, inquéritos, FAQ,
moradas e contactos, legislação, problemas éticos, dados internacionais. Há várias formas de organizar estes dados, não há uma receita única. Fotografe o resultado.

Tente organizar as várias coisas que quer dizer num storyboard, numa narrativa, numa história. Por onde vai começar? Como se deve desenrolar a história? Como é a estrutura da história? O seu projecto não serve apenas as necessidades dos
utilizadores que você imaginou. Há algo que você quer transmitir e esse algo deve estar bem definido na sua cabeça. Muitas das pessoas que irão consultar o seu site ou ver o seu projecto não o fazem com uma ideia precisa, nem todos têm uma pergunta que querem ver respondida. O seu projecto deve contar uma história, deve ter uma lógica própria e deve poder interessar uma pessoa curiosa que espreite a primeira página.

Se o seu projecto for um site, deve dedicar a máxima atenção à sua homepage. A homepage é a sua capa, a sua montra, a sua apresentação. A homepage deve possuir uma personalidade e identificar claramente o que é aquele site, o que pretende, a quem se dirige.

Há um compromisso difícil quando se trata de escolher o conteúdo de uma homepage: não se pode dar a mesma visibilidade a tudo e é preciso escolher o que se põe em evidência. Um site tem apenas uma homepage e a homepage deve ter um centro de gravidade. Resista à tentação de dar o mesmo peso a tudo. Escolha. Hierarquize. Seleccione.

Lembre-se de que a homepage não tem de mostrar textos inteiros, mas apenas
destaques, pequenos textos atraentes e explicativos, com imagens e links para o texto integral.

Decida quais são as secções que aparecem na sua homepage. Deve dar o mesmo
tratamento gráfico aos links para secções do mesmo tipo (artigos, galeria de fotos, gráficos), mas deve dar tratamento diferente aos links para páginas de carácter diferente (webmaster, artigos de opinião). É conveniente criar uma barra de navegação (uma barra horizontal na parte superior da página ou uma coluna do lado esquerdo) com os links para as várias secções, que deve aparecer em todas as páginas de forma consistente. A consistência é importante no design. O link para a homepage não pode aparecer numa página do lado direito e noutra do lado esquerdo.

Reúna num único local os links “técnicos”, como o Mail, Contactos, Webmaster, links para partilhar (Facebook, Twitter, etc).

Lembre-se de que um link para a secção de Opinião, por exemplo, não deve levar a um artigo de Opinião, mas sim a um índice de artigos de Opinião. Esse índice, porém, pode e deve ter um ou mais destaques. Uma página apenas com uma lista de títulos e links não é das coisas mais aliciantes e pode não ser evidente qual é o seu conteúdo.

Lembre-se que todas as páginas devem ser devidamente identificadas. Se um
utilizador entrar na página de um artigo de Opinião do seu site, deve saber que artigo está a ler, deve saber que se encontra na secção de Opinião e deve saber em que site está. E deve poder sempre regressar a homepage e, se existir, à página índice da secção onde está.

Lembre-se de que todos os textos e todas as imagens devem ter uma data. Quem
visitar o seu site dentro de cinco anos tem o direito de saber em que altura um dado texto foi escrito.

Incite os seus leitores a enviar-lhe críticas, sugestões e comentários. O feedback dos leitores é a ferramenta mais importante que existe para melhorar o seu site. Coloque links de mail em locais visíveis.

Agarre nos post-its onde escreveu os seus conteúdos e espalhe-os pela mesa.
Organize-os numa árvore, cujo tronco é a homepage. Coloque por baixo da folha de papel que representa a homepage, numa linha horizontal, todas as páginas a que é possível aceder a partir de links existentes na homepage. Coloque por baixo de cada uma destas páginas secundárias todas as páginas a que se pode aceder a partir de links existentes nelas.

Não crie um esquema muito complexo. Deve ser possível aceder a qualquer página do seu site a partir da homepage com um máximo de três cliques.

Teste a navegação... com os seus dedos. Imagine um dos seus utilizadores
imaginários. Se essa pessoa entrar na homepage do seu site e quiser encontrar
informação sobre o tema x, como deve fazer? A navegação parecer-lhe intuitiva?
Reajuste o que for necessário.

Escreva os seus textos. Não se esqueça de pensar nos destaques que devem aparecer na homepage.

Releia os seus textos. Simplifique tudo o que puder. A linguagem está adaptada
ao/s grupo/s que pretende atingir?

Publique num domínio de acesso restrito ou publique mas sem divulgar o endereço. Peça comentários a um pequeno grupo de utilizadores, aos seus amigos.

Corrija os erros que foram detectados e faça as adaptações necessárias.

Publique. Divulgue.

Leia, analise e responda rapidamente ao mail dos utilizadores. Uma resposta rápida satisfaz o utilizador e aumenta a credibilidade do seu site. O utilizador sente que há alguém a ouvir o que ele tem a dizer.

Adapte o site de acordo com o feedback dos utilizadores mas seja prudente. Não se precipite. Avance com pequenos passos. Atenção: não pode estar sempre a mudar a estrutura do seu site. As grandes mudanças são raras, devem ser muito pensadas e discutidas, comunicadas com antecedência e bem explicadas.

Boa sorte.
José Vítor Malheiros
Janeiro 2012

terça-feira, janeiro 10, 2012

Será a Maçonaria o maior partido português?

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 10 de Janeiro de 2012
Crónica 2/2012

Em democracia, não é admissível que um político jure lealdade e obediência a uma organização secreta

Há um lado em mim que simpatiza com a ideia da Maçonaria. Simpatizo com os ideais republicanos e igualitários que estiveram na origem da moderna Maçonaria, com a sua crença na educação e na cultura como instrumentos de promoção do bem-estar social, com o princípio da solidariedade entre os seus membros e uma prática de entreajuda nos casos de necessidade, com o culto de uma certa ideia de honra, que preza de forma particular a palavra e o compromisso.

Há um lado infantil em mim que simpatiza até com a clandestinidade da Maçonaria. Com a ideia de segredo e do conhecimento privilegiado associado a esse secretismo. Com o mistério e com a promessa de aventuras que oferece a pertença a uma tal irmandade. Com o poder insuspeito que o segredo dá. E não só com isso: também com as senhas secretas, os apertos de mão secretos, os sinais secretos, os símbolos secretos, as reuniões secretas.

Há também um lado em mim que antipatiza profundamente com a ideia da Maçonaria. Com o seu esoterismo serôdio, com a piroseira hollywoodesca dos rituais (já viram aqueles aventais?), com aquela confusão de crença racionalista e de Supremos Arquitectos para todos os gostos. Com a sua cultura misógina e machista. Com as disputas entre lojas e obediências, as discussões sobre ritos e tradições, as cisões e os grupos irregulares, que fazem qualquer partido trotskista parecer um exemplo de solidez.

E, para além destas reacções perante a ideia de Maçonaria, sinto uma profunda aversão pela prática da Maçonaria. Se havia ideais de liberdade, igualdade, fraternidade, generosidade e abnegação na origem da Maçonaria, eles hoje parecem estar tão presentes nas lojas maçónicas como em qualquer fast food. Claro que há muitas Maçonarias e não se pode falar como se a Maçonaria fosse uma única, mas há uma teoria e uma prática predominantes. Dizer que não se pode falar de Maçonaria porque ela representa uma realidade plural é tão sem-sentido como dizer que não se pode falar de Igreja Católica ou de socialismo ou da cidade de Lisboa pela mesma razão.

A verdade é que a Maçonaria é um grupo (vários grupos) dedicado ao tráfico de influências. Em defesa de algum valor? Em nome de alguma ideia? Em prol de alguma ideia de progresso? Não. Nem sequer isso se pode dizer em seu benefício. A Maçonaria defende a Maçonaria, sem estados de alma. Se, na origem, a ideia de entreajuda servia um interesse maior, porque se tratava de potenciar a capacidade de intervenção social dos “homens bons” em defesa de toda a comunidade, hoje em dia trata-se apenas de defender os interesses pessoais dos elementos do grupo em nome dos interesses pessoais dos elementos do grupo. Uma mão lava a outra, as duas lavam a cara. O cartão do clube garante influência, a jura de segredo reforça laços, a obrigação de entreajuda justifica todos os tráficos. A Maçonaria transformou-se numa máquina para aceder ao poder e influenciá-lo.

António Arnaut pode dizer que quem entra na Maçonaria com intuitos venais não passará de aprendiz e acabará por ser expulso e é possível que as coisas se passassem assim na sua loja, mas a realidade conta-nos outra história: da P2 à Mozart, as lojas da Maçonaria não conquistaram uma boa reputação. A reputação é aliás tão sulfurosa que é estranho que haja verdadeiros homens bons que ainda por lá andem.

Organização assumidamente secreta em tempos, hoje classificada eufemisticamente pelos membros como “organização discreta” ou “organização com segredos”, a Maçonaria é, como os próprios dizem, uma “obediência”. E é por ser uma obediência a certas ordens, por implicar uma lealdade a certas ideias e o apoio a certas pessoas, que não é admissível que um político eleito não reconheça publicamente a sua pertença ao grupo.

A Maçonaria não pertence à vida privada. A Maçonaria é uma organização política, que visa actuar na esfera pública. Que exige lealdade, obediência, segredo, que possui um programa, que milita para atingir certos objectivos. Não está em causa o seu direito à existência, nem o direito a aceitar como sócios as pessoas que bem entenda – desde que nada nos seus objectivos contrarie a lei. Mas os cidadãos têm direito a conhecer as lealdades de todos os que elegem para cargos públicos. Não se admitem lealdades secretas numa democracia. Um deputado não pode ser secretamente membro de uma organização. João Cravinho, maçon, compreende isto e defende que os maçons se identifiquem como tal. Teresa Leal Coelho, vice-presidente da bancada do PSD, acha que não é preciso e justifica que "todos os cidadãos têm interesses privados”. Teresa Leal Coelho não percebe que um deputado – ou um ministro – tem uma obrigação de transparência superior à do cidadão anonimo. E não perceber isso é não perceber o que é a democracia. Um político tem a estrita obrigação de tornar públicos todos os seus interesses e todas as suas lealdades – e não apenas algumas, de forma seleccionada, conforme os interesse do momento, como fazem actualmente nos seus currículos. Um cidadão tem o direito de saber a que organizações pertence um deputado, a que ordens obedece um ministro, que princípios defende o dirigente de um partido. Será que temos estado a eleger deputados da Maçonaria sem o sabermos? Será a Maçonaria o maior partido português? Serão a Maçonaria e a Opus Dei os verdadeiros partidos?

Não penso que o exercício de cargos políticos seja incompatível com a participação na Maçonaria ou noutra organização política ou religiosa, mas a transparência sobre essa participação é uma condição essencial para o exercício de uma actividade política em democracia. (jvmalheiros@gmail.com)

terça-feira, janeiro 03, 2012

Retrato de grupo com o país ao fundo

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 3 de Janeiro de 2012
Crónica 1/2012

Será que os jornalistas da televisão se dão conta do país que é desenhado pelas suas reportagens?

Um acidente de automóvel numa estrada qualquer. Um despiste, o carro caído na valeta. A televisão mostra o carro acidentado, o carro da polícia, a ambulância, a curva da estrada, os bombeiros, entrevista o polícia, o bombeiro, o condutor que ia a passar, a senhora que ouviu o barulho, o homem que viu uma pessoa a sair do carro, a câmara mostra vidros no chão, a casca arrancada da árvore, a vedação destruída, a mancha de sangue se houver. O repórter faz o directo indirecto: “Foi aqui que, há precisamente seis horas atrás…” Foi pena não ter sido preciso desencarcerar ninguém, porque se a equipa de reportagem tivesse chegado seis horas antes e tivesse filmado o desencarceramento isso é que era televisão, mas pronto. Mudança de plano para o parque de estacionamento do hospital onde uma médica fala, grave, do acidentado grave, “estável mas com prognóstico muito reservado”. Por acaso não foi preciso helitransportar ninguém porque isso é que era televisão, mas o INEM está preparado para helitransportar. Cinco ou seis minutos de informações inúteis mas dramáticas.

Mas aconteceram outras coisas no mundo: no Algarve, um bando não identificado assaltou durante a noite uma máquina de tabaco, no interior de um estabelecimento comercial. A câmara mostra a vitrine, os ferros torcidos, vidros partidos no chão, entrevista a empregada da loja, a polícia, torna a mostrar as mesmas imagens da vitrine, dos ferros torcidos. Há imagens captadas pelas câmaras de vigilância, a preto e branco, que mostram homens encapuçados aos saltinhos na filmagem sincopada.

Mas não, ainda não é tudo. Há ainda uma máquina Multibanco assaltada com recurso a uma escavadora. Numa demonstração de grande perícia os assaltantes conseguiram extrair o cofre com um dano mínimo no cubículo que o albergava. A câmara mostra a marca deixada pelos dentes da retroescavadora na parede do edifício. Podemos ver em detalhe cada marca de cada dente na parede e ainda temos tempo para chamar a família. “Ó Guida, vem cá ver o que eles agora fazem com uma retroescavadora!...” Mas não é tudo, há também uma ourivesaria assaltada. A camara mostra a vitrine partida, uns ferros torcidos , entrevista a dona da loja, o polícia, a senhora que viu, o homem que ouviu, outro que não deu por nada, outro que não viu mas foi por pouco porque se tivesse passado uns minutos antes ou depois, outro que comenta estes assaltos que há agora, outro que diz que não há polícia que chegue, outro que diz que não há suficientes camaras de videovigilância, porque se houvesse uma câmara a espreitar pelo rabo de cada cidadão em tempo real poderiam evitar-se todos os crimes e fazer a despistagem do cancro do cólon ao mesmo tempo.

Mas não é tudo. Finalmente uma notícia, sobre uma coisa que interessa a todos: os aumentos em 2012, os aumentos da electricidade, da saúde, dos impostos, dos restaurantes, dos transportes, de tudo. A notícia fala dos aumentos e entrevista “populares”. Há reacções resignadas, sarcásticas e discordantes. Não há ninguém indignado, nem sequer contestatário e muito menos agressivo. A sociedade portuguesa está resignada. Porque é que são os aumentos? Bom, a peça não diz mas percebe-se que é porque tem de ser. Há quem não concorde, mas são aqueles que são sempre do contra. Noutro programa, numa mesa-redonda, o moderador olha com indisfarçado ar de nojo para um sindicalista a quem pergunta com enfado: “Mas não há nestas medidas anunciadas pelo Governo nenhuma com que concorde?” O subtexto é claro: se concordasse com metade das medidas e discordasse da outra metade ainda vá lá! Mas assim… só pode ser porque é um ressabiado de maus fígados.

Mas há boas notícias! Nem tudo é mau. Uns voluntários distribuem sopa e bolo-rei a sem-abrigo durante a noite. Pessoas abnegadas e bondosas, que prescindem do conforto do lar para ajudar o próximo. A apresentadora do noticiário exulta, de sorriso rasgado, está feliz, é Natal! é Natal! A voluntária entrevistada pela repórter que acompanhou os voluntários exulta por esta experiencia de solidariedade que teve oportunidade de viver. Que bom que é haver pobrezinhos que nos dão oportunidade de sermos solidários. Que bom que é ver a sociedade civil a ocupar o lugar que o Estado não pode ocupar. “O Estado não tem vocação para gerir instituições de solidariedade social”, diz o bem-aventurado ministro Pedro Mota Soares, com a boa consciência a transbordar fatias de bolo-rei. Os sem-abrigo aceitam a sopa, o bolo-rei, quase nenhum aceita ser filmado, só do pescoço para baixo. É natural. Têm vergonha. São os únicos que não são voluntários.

Passei uma boa parte da vida a dizer que as manipulações da informação a que assistimos na imprensa – e, com maioria de razão, na televisão - eram na sua maioria acidentais, fruto de incompetências, desleixos. Seria demasiado complicado orquestrar tudo isso.

Mas, seja qual for a razão, será que os jornalistas da televisão se dão conta do retrato que fazem do país? Um país resignado, onde o único discurso pertence ao Governo, onde não há opções políticas, reais discordâncias, debates em pé de igualdade, alternativas, revolta, indignidades, hipocrisias? Onde há apenas assaltos para justificar o medo, acidentes para emocionar, pobres para justificar a caridade e governantes tão generosos que dão sete euros por mês aos mais pobres e que nos explicam que não sobra dinheiro para o SNS depois de pagar o juro das dívidas que meteram nos bolsos dos seus amigos? (jvmalheiros@gmail.com)