terça-feira, junho 24, 2014

A urgência da justiça

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 24 de Junho de 2014
Crónica 31/2014


Já sabemos que o PS não gosta da pobreza, mas quer reduzi-la ou erradicá-la? E quer fazer isso hoje ou daqui a cem anos?

Há cerca de um ano, no final de um debate organizado pela rede Economia com Futuro sobre a situação do país, que reuniu duas ou três dezenas de economistas nas instalações do ISEG, em Lisboa, Manuela Silva começou a ler as conclusões da reunião. A dado momento, quando enumerava uma série de objectivos que tinham emanado das intervenções e das discussões, lê "Redução da pobreza" e estaca na leitura. Franze o sobrolho, olha o papel que tem na mão com surpresa e diz "Isto aqui está mal. É preciso corrigir isto. Nós não queremos reduzir a pobreza. Nós queremos ERRADICAR a pobreza."

Foi um momento passageiro, de apenas uns segundos, nem sequer um incidente, uma mera errata sem história numa lista de conclusões que talvez até tenha passado despercebida a alguns dos presentes, mas penso que este episódio ficará gravado na minha memória para sempre, pois ele representa o exemplo da exigência ética e da generosidade com que Manuela Silva encara a sua actividade cidadã e representa, ao mesmo tempo, o melhor que a esquerda tem para oferecer.

Este episódio é para mim o perfeito simétrico da única conversa que tive até hoje com Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, onde, em resposta a algumas ideias que eu lhe expunha, ela me disse às tantas, um tudo-nada irritada: "Mas acha que é possível acabar com a pobreza? Não é possível! Sempre houve pobres e sempre haverá. A única coisa que podemos fazer é atenuar um bocado essa pobreza, mais nada."

Se perguntarmos a alguém se é a favor ou contra a pobreza, é praticamente certo que essa pessoa dirá que é contra, seja qual for a sua ideologia, as suas preferências partidárias, a sua instrução, a sua riqueza pessoal e a sua posição social. Mas é fundamental em termos práticos, em termos políticos, conhecer o grau dessa recusa. Há pessoas que acham que se deve tentar reduzir a miséria extrema mas que, a partir daí, cabe às próprias pessoas mergulhadas na pobreza sair dela pelos seus próprios meios, de forma a não criar entre os assistidos fenómenos de "dependência" da ajuda. Há pessoas que acham que o Estado deve ter políticas activas de combate à pobreza, devotando-lhe alguns recursos, mas que fundamentalmente cabe ao desenvolvimento económico, ao disseminar naturalmente pela sociedade a riqueza produzida, pôr fim ao flagelo. E há pessoas que acham que o combate à pobreza, à exclusão e à desigualdade deve ser um elemento central de todas as políticas, porque consideram inaceitável viver numa sociedade onde uma criança passa fome e onde o destino dessa criança é escrito no momento em que nasce, condenando-a à pobreza, à ignorância e à doença apenas por ter nascido naquele bairro e naquela família.

Há pessoas que acham que devemos reduzir a pobreza e há outras que querem erradicar a pobreza. E há pessoas que querem erradicar a pobreza nos próximos cem anos e outras que querem erradicar a pobreza o mais depressa possível, nos próximos anos, já, porque acham que não podemos dizer a uma mãe que a sua filha vai ser pobre e que nunca vai cumprir os seus sonhos mas que a sua neta talvez já não seja.

Há pessoas que acham que devemos resgatar algumas pessoas da pobreza e há outras pessoas que acham que não podemos deixar nem uma única pessoa para trás, porque essa pessoa tem a mesma dignidade, os mesmos direitos e os mesmos sonhos que os nossos filhos e os nossos pais. Somos todos contra a pobreza? Sim. Mas há uns que são mais do que os outros. É uma questão de grau? É. É por isso que "JÁ!" é uma palavra tão importante nos combates da esquerda. Os direitos não podem esperar.

Não levar o combate à pobreza até ao fim significa que aceitamos que milhares de pessoas, milhares de crianças, não sejam o que podem ser, e isso é intolerável porque é aceitar que os direitos só existem para quem tem dinheiro. É dizer que o apartheid é aceitável.

Vem isto a propósito da disputa da liderança do PS onde ambos os contendores se reclamam da social-democracia (como aliás o próprio Passos Coelho y sus muchachos), demonstrando que o rótulo, de tão usado por tanta gente de tão má reputação, não significa hoje absolutamente nada. Mas os próprios objectivos "concretos" definidos pelos políticos em geral e, no caso vertente, pelos rivais do PS, significam muito pouco se não conhecermos o seu grau de urgência. Ser social-democrata deveria ser regular os mercados, instituir um sistema de economia mista, com forte intervenção do Estado e com um papel central da contratação colectiva. Costa vai fazer isso? Já? Ser social-democrata é pôr em prática políticas de erradicação da pobreza e de redistribuição da riqueza. Costa vai fazer isso? Já?

O combate político transformou-se num esgrimir de slogans vazios ("mudança") e num enunciar prudente de objectivos vagos, para captar o máximo de apoiantes ao centro. Mas o país precisa de definir objectivos ambiciosos de justiça social e de os pôr em prática JÁ. Independentemente de eventuais alianças com o PS (uma discussão armadilhada por enquanto) a esquerda à esquerda do PS tem de conseguir consolidar o seu discurso e concretizar uma estratégia de governo alternativa à austeridade que, pelo menos, obrigue o PS a sair do armário e a dizer o que quer. Já sabemos que o PS não gosta da pobreza, mas quer reduzi-la ou erradicá-la? E quer fazer isso hoje ou daqui a cem anos?

jvmalheiros@gmail.com


terça-feira, junho 17, 2014

Pouco pão e muito circo, morte e bocejo

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 17 de Junho de 2014
Crónica 30/2014


É tudo cómico na FIFA, porque todos os dias a FIFA nos espeta com uma tarte de creme na cara.

O poeta espanhol António Machado escrevia, uns anos antes da Guerra Civil, que havia uma Espanha que morria, enquanto outra Espanha bocejava. E acrescentava, profético: "Españolito que vienes/al mundo, te guarde Dios/Una de las dos Españas/ha de helarte el corazón."

Também eu sinto que há um Portugal que morre, enquanto o resto de Portugal boceja. Ou cachecoleja com o Mundial. Ou se mobiliza para o duelo no PS, trocando dichotes. Ou faz contas aos votos das próximas eleições e aos lugares que ficarão sujeitos a licitação. Ou esfrega as mãos de satisfação ao ver como se conseguiu “reduzir os custos unitários do trabalho”, “flexibilizar a legislação laboral e agilizar os licenciamentos” e “promover a requalificação e mobilidade na função pública”.

O bocejo não é um desinteresse de tudo. É apenas um desinteresse por quem morre, pela outra Espanha, pelo outro Portugal, pelos outros, um enorme tédio e desinteresse por quem não aparece na televisão e nas revistas e por quem não contribui para o seu embrutecimento. Por quem é pobre e doente e velho e ignorante e desempregado e por quem quer que seja que pertença às minorias que toleramos.

Há no discurso político uma tal preocupação com a peleja partidária para a mera conquista de terreno e uma tal indiferença pelas coisas verdadeiramente importantes que “o Portugal que morre” morre anónimo e esquecido, calado e cansado. Se retirássemos a retórica e a dissimulação, o que restaria ao discurso político que ouvimos? E quem sobraria no panorama político? Dez pessoas? Três?

Encontrei ontem no Facebook um link para um sketch do humorista britânico John Oliver, que muitos conhecem da sua participação no Daily Show de Jon Stewart. O sketch é sobre o Mundial do Brasil e a FIFA, a corrupção na FIFA, o Mundial de 2022 no Qatar, o egotismo e a boçalidade do seu presidente, Sepp Blatter, a imensíssimamente descomunal lata do seu secretário-geral, Jérôme Valcke, os estádios monstruosos e inúteis no Brasil, o estatuto de “Estado dentro do estádio” que a FIFA possui, ditando as suas leis, criando os seus tribunais especiais, fugindo a todos os impostos, absorvendo fundos que os países podiam e deviam dedicar ao desenvolvimento e ao combate à pobreza, acumulando uma fortuna colossal que foge a todos os escrutínios, como organização internacional e “sem fins lucrativos” que finge ser.

Curiosamente, no link que encontrei no Facebook, John Oliver era apresentado como “jornalista” e os comentários cumprimentavam a qualidade do seu “jornalismo”. O facto não é apenas fruto da ignorância: de facto, havia no seu humor mais jornalismo (mais investigação, mais preocupação em aprofundar e contextualizar a história, mais isenção no relato, mais preocupação social, mais urgência de denunciar) do que em muitas peças realmente jornalísticas. O que é espantoso é que a peça era singularmente objectiva. O grosso do “humor” era apenas uma colagem inteligente de notícias sobre a FIFA. O humor nascia do absurdo da prática da FIFA, do gigantesco sem-sentido da sua actuação, do despropósito das declarações dos seus dirigentes, da insensatez da sua existência, da arrogância da sua relação com os Estados. É tudo cómico na FIFA porque o que todos nós permitimos que esta organização faça é totalmente absurdo e sem sentido. The joke is on us! É tudo cómico na FIFA porque todos os dias a FIFA nos espeta com uma tarte de creme na cara e, como sabemos, isso é sempre cómico.

Oliver é humorista e não jornalista, mas é interessante verificar como é cada vez mais frequente que as verdades surjam nos programas de humor e a propaganda nos programas jornalísticos. Sim, eu sei que já foram publicados trabalhos jornalísticos sobre o lado negro da FIFA. O problema é que são infinitamente minoritários e, depois disso, toda a comunidade jornalística continua a tratar a FIFA como uma organização idónea e os seus campeonatos como os mais benignos eventos do mundo e todos os poderosos do mundo continuam a apertar a mão a Sepp Blatter e a Jérôme Valcke.

O que torna a informação sobre a FIFA imensamente divertida é a colagem que Oliver fez e que os media em geral não fazem, apesar da disponibilidade da informação que a Web permite. Porque é que os jornalistas não fazem a mesma coisa? Porque é não nos fazem rir à custa dos poderosos? Porque alguém os convenceu de que devem ter como critério o interesse do público e não o interesse público. E, para metade da população (mundial, portuguesa, brasileira), as preocupações com a corrupção e com as isenções fiscais da FIFA fazem-nos bocejar. E talvez seja mais do que metade. Há brasileiros que pedem menos bola e mais escola? Educação padrão FIFA? Transportes gratuitos? Os adeptos bocejam, enquanto esperam a hora do desafio.

jvmalheiros@gmail.com

terça-feira, junho 10, 2014

Da propaganda neoliberal como uma das belas-artes

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 10 de Junho de 2014
Crónica 29/2014


Um think tank da extrema-direita económica consegue publicar a sua propaganda em milhares de jornais.

Tal como já aconteceu em anos anteriores, vários órgãos de comunicação publicaram na semana passada artigos e reportagens sobre o Dia da Libertação. Só que este Dia da Libertação, apesar de ter caído também no dia 6 de Junho, não era a comemoração do desembarque na Normandia em 1944, nem o dia da vitória sobre a Alemanha nazi que se comemora em muitos países da Europa invadidos durante a guerra, mas sim o Dia da Libertação de Impostos.

Nessas peças jornalísticas, baseadas todas ou quase num despacho da agência Lusa (ainda que muitos não o assinalassem, seguindo uma lamentável tradição nacional), os seus autores explicavam que, até ao dia 6 de Junho, os portugueses tinham trabalhado apenas para pagar impostos e que era só a partir desse dia que estavam, finalmente, a trabalhar “para si”.

Era difícil ouvir estas reportagens sem ficarmos indignados com a ganância deste Estado que nos rouba o dinheiro arduamente ganho e esse era o tom dos entrevistados de rua que vi na televisão. Todos lamentavam que tivessem de dar tanto dinheiro ao Estado e que ficasse tão pouco para eles próprios, incluindo uma mulher que se identificava como funcionária pública, mas que não tinha parado para pensar que era daqueles impostos que vinha a totalidade do seu salário.

As reportagens que vi e os artigos que li dividiam-se entre um tom técnico e factual ou um tom discretamente escandalizado e todos citavam “um relatório”, “uma organização” ou “os autores do estudo”. Todos, porém, eram peças de pura propaganda.

O subtexto de todos eles era cristalino: o Estado é uma entidade parasita, que rouba aos honestos trabalhadores mais de metade do que produzem para o enterrar num buraco negro sem dar nada em troca e, se não fosse assim, todos estaríamos muito melhor.

Não vi nem li uma peça onde se referisse, mesmo que à margem, que é com esse dinheiro que se pagam escolas e hospitais, estradas e pontes, salários de enfermeiros e médicos, juízes e polícias, autarcas e bibliotecários, cientistas e professores, a protecção civil e a defesa do património, o apoio aos deficientes e o combate à pobreza, os seguros que nos garantem protecção na doença e no desemprego. Não vi nem uma peça que lembrasse que, até dia 6 de Junho, o que o nosso trabalho cobre, o que os nossos impostos de todo o ano pagam são estas necessidades básicas, sem as quais seríamos, simplesmente, um bando de animais.

É tão relevante ou tão disparatado sublinhar que trabalhamos até dia 6 de Junho para pagar impostos, como sublinhar que trabalhamos três meses por ano para o nosso senhorio, mais dois meses para o Pingo Doce e o restante mês para a EDP e para a Nos, sem que sobre um euro que seja “para nós”.

Todas estas “peças jornalísticas” são peças de propaganda porque, insidiosamente, insinuam que os impostos não são para “nós” mas para “eles”, que os impostos servem interesses e grupos que não são os da comunidade. Mas, curiosamente, estes estudos não referem que trabalhamos mais de um mês por ano para pagar apenas juros (e, aí sim, sem termos absolutamente nada em troca), para além do que temos de trabalhar para pagar a dívida em si.

Como não referem que a organização autora do estudo, a New Direction-The Foundation for European Reform, não é um think tank independente e idóneo, mas apenas um lobby da extrema-direita económica instalado em Bruxelas para impor a agenda neoliberal, que tem como santa padroeira Margaret “There Is No Alternative” Thatcher.

É evidente que é importante conhecer e avaliar a evolução ao longo dos anos da colecta fiscal. E é importante fazer estudos comparativos com outros países. Mas não para estabelecer como objectivo reduzir cegamente a “carga fiscal”. Não se pode avaliar a bondade de uma política fiscal sem saber para quê e como são usados os nossos impostos. Não é apenas o custo que conta: é também o benefício que se recebe em troca.

E é por isso que, entre os países que aceitam as maiores “cargas fiscais” da Europa, vemos países com elevados níveis de bem-estar como a Bélgica, a França, a Áustria ou a Alemanha.

A New Direction-The Foundation for European Reform tem uma agenda e uma estratégia a que se costuma dar o nome de “starve the beast” e que foi a agenda e a estratégia de Thatcher e de Reagan. A “beast” é o Estado (Cavaco chama-lhe “o monstro”, mas é a mesma coisa) que é apresentado como um sorvedouro insaciável de dinheiros dos contribuintes. A estratégia é reduzir drasticamente os impostos, convencendo os cidadãos que lhes estão a “meter dinheiro nos bolsos” e, em seguida, reduzir a oferta de serviços públicos com o argumento de que… não há dinheiro. Segue-se a privatização de serviços públicos que são transformados em negócios para os amigos. Os pobres ficam mais pobres e morrem pobres e os ricos ficam mais ricos e vivem felizes para sempre, comemorando o Dia da Libertação dos Impostos e torcendo-se a rir com gosto.

jvmalheiros@gmail.com

terça-feira, junho 03, 2014

Seguro quer ser o novo Marinho e Pinto e depois morrer de velho

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 3 de Junho de 2014
Crónica 28/2014


Esperar e não dizer nada são coisas que António José Seguro faz muito bem.

Se António José Seguro falasse a sério quando acusa António Costa de fragilizar o Partido Socialista por aparecer agora a disputar a sua liderança, semeando a confusão nas hostes e dando para o exterior uma ideia de divisão do partido quando ele deveria exibir uma coesão de aço, o secretário-geral do PS tentaria pôr fim à “confusão” o mais depressa possível e clarificaria a questão da liderança sem hesitação, aceitando o repto de Costa para o duelo na rua principal.

Ou seja, convocaria um congresso antes que Costa tivesse tempo de dizer “quadratura do círculo”. Isto era o que faria Seguro se considerasse seriamente que esta disputa pela liderança prejudica a capacidade política e a imagem do PS.

Se Seguro o tivesse feito logo, imediatamente, sem hesitação, sem sequer consultar os “notáveis” que o aconselham, com determinação e com confiança, sem pôr as sobrancelhas em acento circunflexo (e sem aquele ricto perturbador que exibe quando está pouco à-vontade, o que é quase sempre), até seria possível que algumas das pessoas que duvidam da sua capacidade de liderança revissem a sua posição e se perguntassem se não teriam afinal julgado injustamente o homem.

Mas acontece que Seguro não fez nada disso e decidiu fazer precisamente o contrário, escolhendo a solução que mais tempo vai arrastar a disputa. Tanto tempo, aliás, que nem sequer há fim à vista. A escolha de Seguro demonstra que ou (contrariamente ao que diz) não acha que um período prolongado de disputa interna seja um problema para o PS ou que se está relativamente nas tintas para o que seja bom ou mau para o PS desde que a solução consiga garantir a sua própria sobrevivência ou, no pior dos casos, adiar o seu fim inevitável.

Pode acontecer que Seguro se ache, sinceramente, o melhor líder possível para o PS. Mas, nesse caso, por que tem ele, de quem se diz que domina o aparelho, uma tal falta de confiança no congresso e nas estruturas do partido? E por que tem uma tão grande confiança nas primárias dos militantes+simpatizantes? E por que decidiu de repente aderir a umas primárias que sempre rejeitou? E por que decidiu avançar com uma proposta de resolução da disputa de liderança totalmente à margem dos estatutos (para não dizer contra os estatutos) depois de ter tentado bloquear o avanço de Costa com argumentos puramente administrativos? E por que decidiu avançar já com a proposta de primárias apesar de ela estar ainda tão pouco amadurecida que pediu a Maria de Belém para ver como é que essa coisa das primárias se fazia nos outros países para depois a gente ver como é que vai fazer por cá?

A resposta a todas estas perguntas pode muito bem ser a mesma: Seguro quer ganhar tempo. Mas ganhar tempo para quê?, perguntarão os leitores sagazes, que sabem que uma evolução de um Seguro para uma espécie politicamente interessante levará, segundo as leis de Darwin, cerca de 14.000 anos. A resposta é: para dar tempo ao Neo-Seguro de sair da casca.

Quem é o Neo-Seguro? O Neo-Seguro já tem espreitado por diversas vezes pela frincha da cortina mas fez a sua aparição em nudez frontal na última Comissão Nacional do PS, para vir propor (a despropósito) uma redução do número de deputados para 180. Esta é uma das várias medidas que, segundo Neo-Seguro, o PS irá incluir na proposta de lei eleitoral que o partido irá apresentar ao Parlamento. Outras novidades serão a possibilidade do eleitor escolher o deputado em que vota e a criação de círculos uninominais. Em que data será esta proposta apresentada? Neo-Seguro garante que será antes de 15 de Setembro. Um bocadinho antes das primárias, altura em que os simpatizantes do PS já deverão ter percebido que não só Neo-Seguro quer mesmo aproximar os cidadãos da política como quer reduzir o número de calões que andam a viver à conta do pagode sem fazer outra coisa que não seja gastar o veludo dos bancos dos Passos Perdidos.

Seguro sabe que é preciso aguentar porque foi assim que chegou a secretário-geral do PS. Aguentar sem dizer nada de substantivo para não assustar ninguém e para não ser confrontado com eventuais contradições. E estas duas coisas – esperar e não dizer nada – são coisas que Seguro faz muito bem. É mesmo provável que, como dizia Brecht de não sei quem, que Seguro se saiba calar em várias línguas, o que poderia fazer dele um funcionário internacional em potência.

Mas Seguro sabe ainda uma outra coisa: sabe que Marinho Pinto teve mais de sete por cento nas últimas eleições apresentando-se numa plataforma justiceira e subtilmente “antipolíticos”. Seguro pensa que estes votos são de “simpatizantes” do PS ou de pessoas que poderão vir a “simpatizar” e vai pedir a Maria de Belém que não se esqueça de os registar a todos, mas quer ter alguma coisa na mão para lhes acenar.

É provável que a campanha dentro do PS vá ficar feia, mas Seguro ainda nos pode surpreender. É possível que ele seja ainda pior do que nos tem mostrado.

jvmalheiros@gmail.com