sexta-feira, março 24, 2017

O prazer como pecado mortal - Crónica no Jornal Económico

Por José Vítor Malheiros

Dijsselbloem, e provavelmente muitos outros, sonham com o pecado dos países do sul que não só gastam, como gastam em coisas que lhes dão prazer.

24 Mar 2017 - Crónica no Jornal Económico/1

As recentes declarações do líder do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, a propósito dos povos da Europa do Sul receberam uma invulgar mas justificada condenação de todos os quadrantes políticos da União Europeia.

As declarações de Dijsselbloem, como bem disse António Costa, são “racistas, xenófobas e sexistas” ainda que o mais grave nas suas declarações possa ser, como sugeriu Augusto Santos Silva, o facto de o ministro das Finanças holandês continuar “sem compreender o que verdadeiramente se passou” na crise das dívidas soberanas e preferir continuar a usar a caricatura dos meridionais preguiçosos versus os setentrionais industriosos. De um presidente do Eurogrupo esperar-se-ia mais rigor técnico mas, como sabemos, a caricatura serve melhor os interesses dos grupos financeiros que o Eurogrupo existe para defender. E não se pode esperar excessivo rigor de alguém que declarou na sua biografia ter um mestrado em Business Economics da University College Cork, quando esta universidade não outorga semelhante diploma nem atribuiu qualquer outro grau ao político holandês.

Mas vejamos a imagem escolhida para criticar o comportamento dos países do sul: “Não se pode gastar todo o dinheiro em álcool e mulheres e depois vir pedir ajuda”. É de espantar o sexismo, não só ao identificar “as mulheres” como objectos ou produtos onde “se gasta dinheiro”, a par do álcool, mas também “os homens” como sendo os agentes nestes países em crise. E é surpreendente, como se disse, a redução da crise financeira a um problema de gastos excessivos de um grupo de países, esquecendo problemas intrínsecos à moeda europeia, o comportamento dos países superavitários e os problemas estruturais das economias do sul. Mas é mais surpreendente ainda a identificação do problema como devendo-se não apenas a gastos excessivos mas imaginando-o como devendo-se a gastos hedonistas, ligados à procura do prazer pessoal. Dijsselbloem podia ter falado da escassa formação dos trabalhadores ou da preguiça dos povos do sul, mas preferiu dar livre curso ao moralismo calvinista e criticar estes portugueses, espanhóis, italianos e gregos que bebem vinho e se divertem com mulheres.

Max Weber, numa obra célebre publicada há cem anos, “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, atribuía a ascensão do capitalismo ao apego ao trabalho e à frugalidade e ascetismo protestantes, calvinistas em particular. Dijsselbloem, e provavelmente muitos outros, sonham com o pecado destes países do sul que não só gastam, como gastam em coisas que lhes dão prazer. Conseguem ver a ponta da língua da serpente verde de inveja? Como não sorrir com piedade para Dijsselbloem e dizer-lhe que compreendemos a azia com que nos olha, porque a verdade é que aqui o vinho e as mulheres são de facto maravilhosos.