por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 3 de Março de 2009
Crónica 7/2009
A sociedade aceita sem grandes problemas o homo mas continua a ter alguma dificuldade com o sexual
Não há praticamente nas sociedades democráticas modernas quem recuse, em princípio, um estatuto de igualdade a homossexuais e heterossexuais de ambos os sexos. No entanto, como o actual debate sobre o casamento gay tem revelado, existem domínios onde essa igualdade não é de facto aceite consensualmente, apesar dos avanços verificados noutras áreas - como o trabalho, por exemplo. Há no entanto algo de paradoxal na discussão sobre o casamento homossexual.
Sendo a homossexualidade uma questão de orientação sexual, de preferência por parceiros sexuais do mesmo sexo, ela é eminentemente, ainda que não exclusivamente, sexual.
Os homossexuais não são as pessoas que gostam de trabalhar com pessoas do mesmo sexo, nem aqueles que gostam de fazer jantaradas com pessoas do mesmo sexo, nem os que gostam de viver numa camarata com pessoas do mesmo sexo - ainda que isso tudo possa acontecer com muitos homossexuais, tal como acontece com muitos heterossexuais. Mas não é isso que faz homossexuais das pessoas com essas preferências. As pessoas são homossexuais porque o são na sua sexualidade, nos seus afectos e na expressão desses afectos, na sua intimidade. Não porque se vestem de cor-de-rosa, ou porque gostam de couro ou porque adoptam atitudes ou trejeitos típicos do outro sexo.
Sendo assim, aceitar a homossexualidade dos outros - como aceitar a heterossexualidade - é aceitar essa sexualidade, esses afectos, essa intimidade. Isso significa aceitar que ela existe, aceitar a convivência com ela e atribuir-lhe um estatuto ao nível da sexualidade heterossexual. Não sei se será o mesmo estatuto, se pode ser o mesmo ou se interessa que seja o mesmo, mas terá de estar ao mesmo nível - da mesma forma que não temos de imaginar que as mulheres são iguais aos homens para defender a igualdade de direitos entre géneros.
O que acontece é que muitos dos que dizem (e pensam) aceitar o estatuto de igualdade de homossexuais e heterossexuais conseguem aceitar que exista proximidade e cumplicidade entre dois homens ou duas mulheres, mas recusam de facto a sua intimidade. Como se precisassem de continuar a fingir que o Luís e o João são apenas amigos, que a Maria e a Joana são apenas roommates, que os casais homossexuais que vivem à nossa volta (e que sempre viveram à nossa volta) não são amantes, mas irmãos muito chegados. A verdade é que a sociedade aceita sem grandes problemas o homo mas continua a ter alguma dificuldade com o sexual.
O casamento é - entre outras coisas - a legalização de uma relação sexual e negar o casamento homossexual é defender o último reduto da homofobia, tentar defender a possibilidade de continuar a fingir, continuar a negar a possibilidade de alguém viver a sua intimidade sem mentir (que é diferente de vivê-la em público). A aceitação do casamento homossexual obriga a reconhecer o sexual no homo.
Dizer que se aceita a homossexualidade mas se recusa o casamento homossexual é uma contradição, pois é precisamente no casamento - apenas no casamento, na forma como se casam, como vivem a sua intimidade - que os homossexuais são diferentes dos heterossexuais. Não na paixão por lantejoulas ou num fetiche por tailleurs-calça-e-casaco ou por motas.
Dizer que se aceita a homossexualidade mas se recusa o casamento homossexual é dizer que se aceita a homossexualidade desde que ela deixe de ser... homossexual. É continuar a recusar e a reprimir a homossexualidade.
Jornalista (jvm@publico.pt)
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