segunda-feira, março 02, 2009

Ministério da Saúde lançou concurso público que exclui empresas portuguesas

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público a 2 de Março de 2009
Destaque

Administração Central do Sistema de Saúde admite permitir "a participação das empresas nacionais de maior relevo". Empresários mostram-se espantados e dizem que é inaceitável

A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) abriu um concurso público que apenas permite a participação de empresas que possuam uma certificação que nenhuma empresa portuguesa possui.
O Anexo Técnico do Caderno de Encargos do concurso 2/2009, para fornecimento de serviços de manutenção de aplicações informáticas, não só exige expressamente que as empresas concorrentes possuam a certificação ISO/IEC 20.000, como faz a mesma exigência aos "seus subcontratados". Esta restrição não permite sequer, portanto, que uma empresa estrangeira vencedora venha a subcontratar uma empresa nacional para realizar parte dos serviços contratados.
A ACSS, contactada pelo PÚBLICO, admitiu vir a adoptar uma solução que permitisse "a participação das empresas nacionais de maior relevo" sem especificar qual poderia ser o seu formato. A ACSS é a herdeira do antigo IGIF, o Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde, e tem entre as suas missões a administração dos sistemas de informação do Serviço Nacional de Saúde.
O concurso 2/2009, de âmbito internacional, diz respeito à manutenção de aplicações que integram o Sistema Integrado de Informação Hospitalar - Sonho, instalado na maioria dos hospitais portugueses. O anúncio foi publicado no Diário da República e no Jornal Oficial da União Europeia, nos dias 11 e 12 de Fevereiro, respectivamente, e indica um valor máximo de referência de 1,2 milhões de euros para o contrato, que cobre um período de manutenção de 18 meses.
A exigência da certificação suscitou reacções negativas em várias empresas habitualmente concorrentes a estes fornecimentos.
Espanto
A Novabase, cujo Gabinete de Comunicação nos enviou uma posição formal por escrito, diz ter constatado o facto "com incredulidade": "Não acreditamos que o Ministério da Saúde de Portugal efectue um concurso público a que as empresas portuguesas não possam concorrer, nem para o mesmo ser subcontratadas por outras, e que apenas algumas das suas concorrentes estrangeiras mais directas o possam fazer", diz a empresa. "Sendo assim, a Novabase irá colocar, no prazo destinado à colocação de pedidos de esclarecimento sobre este concurso, perguntas no sentido de esclarecer se este requisito é ou não 'mandatório' para responder ao referido concurso (...)".
Para Lúcia Costa, gestora responsável pela área de Saúde na Link Consulting, do grupo Aitec, a condição constante do concurso 2/2009 "é de todo inaceitável e compromete a livre concorrência". "Tratando-se de um concurso lançado por entidades portuguesas, seria de esperar que as empresas portuguesas pudessem concorrer", diz Lúcia Costa. "Não consigo encontrar qualquer razão para esta exigência, completamente inesperada".
A empresa de consultoria Accenture, por seu lado, disse considerar "prematuro um parecer [seu] sobre a questão da exigência da certificação na norma ISO/IEC 20.000" neste concurso e informou ter já submetido à ACSS um pedido de esclarecimentos, ao abrigo do Código de Contratação Pública. "Pensamos ser essa a via mais adequada para que qualquer interessado obtenha a clarificação desse aspecto concreto", diz a empresa também numa declaração escrita.
Em todos os contactos feitos pelo PÚBLICO o comedimento foi a atitude habitual. Algo compreensível num mercado em recessão e com a diminuta dimensão do português, num sector tão competitivo como a informática e perante um cliente com o peso do Estado. Houve empresas contactadas pelo PÚBLICO que não nos fizeram chegar qualquer reacção.
Ao abrigo da lei que regula a contratação pública, as respostas a pedidos de esclarecimento em concursos deste tipo podem alterar as condições definidas no anúncio original. Essa é, aparentemente, a esperança das empresas reclamantes - e, eventualmente, de outras que nem sequer se deram ao trabalho de preparar uma candidatura ou de pedir esclarecimentos, mas que poderão vir a concorrer, caso as regras de admissão sejam alteradas.
"Não tem sentido"
Não existe entre as empresas que contactámos qualquer oposição de princípio à exigência da norma 20.000 - que certifica a qualidade da manutenção dos serviços ou produtos de Tecnologias de Informação. O que acontece é que este tipo de certificação é moroso, caro e a sua generalização pressuporia algum tipo de apoio oficial. "Seria admissível que se definisse um objectivo nacional de adopção desta certificação num horizonte de alguns anos, mas não se pode impô-la como condição de surpresa, de um dia para o outro", diz-nos um técnico de uma das empresas que contactámos. "Por outro lado, não tem sentido ter esta exigência quando o mesmo cliente nos obriga a instalar sistemas em condições de operação que não obedecem a patamares mínimos de qualidade".
Existem actualmente no mundo 344 entidades com a certificação ISO/IEC 20.000. O país com maior número de entidades certificadas é o Reino Unido (50) seguido do Japão (48), Índia (40), Coreia do Sul (35) e China (34). Tanto a Espanha como França, por exemplo, têm três entidades certificadas, e a Finlândia apenas uma.

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