terça-feira, julho 26, 2011

Isto não é novidade para ninguém

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 26 de Julho de 2011
Crónica 30/2011



Gostava de saber que empregos têm os deputados além do seu part-time em S. Bento? Eu também.

No meio deste Julho agitado, com um ataque terrorista na Noruega, a eterna crise financeira, a morte de Lucian Freud e Amy Winehouse, o “News of the World” e o chuveiro das notícias sili-estivais, passou quase despercebida uma notícia doméstica que não ultrapassou a quota dos seus quinze minutos de fama.
A associação Transparência e Integridade (TI) - correspondente em Portugal da Transparency International - anunciou ter entregue à troika BCE-UE-FMI um documento onde chama a atenção para o risco de que algumas das medidas contidas no Memorando de Entendimento assinado com Portugal sejam uma porta aberta à corrupção.
Algumas das reformas previstas no memorando de entendimento, como as privatizações, a renegociação das parcerias público-privadas ou a reestruturação das Forças Armadas, podem abrir oportunidades para a corrupção, sobretudo dada a forte promiscuidade entre interesses públicos e privados em Portugal e os baixos custos morais e legais associados a transacções ilícitas”, diz a carta.
A posição da TI foi depois detalhada em entrevistas à imprensa dadas por Luís de Sousa e Paulo Morais, respectivamente presidente e vice-presidente da organização, mas a carta esclarece um dos pontos em que consiste esta “forte promiscuidade entre interesses públicos e privados em Portugal”: ”A Assembleia da República parece um escritório de representações”.
Para além dos deputados que acumulam a advocacia com o trabalho parlamentar (um quinto, nesta legislatura), numa prática condenada pelo bastonário da Ordem dos Advogados, existem muitos outros que acumulam a sua actividade política com actividades privadas que podem configurar situações de conflito de interesses.
Não há nenhuma novidade em nada disto. E há até, por outro lado, quem defenda a situação – ao mesmo tempo que põe a mão no fogo pela honestidade dos deputados – dizendo que é natural que pessoas de excepcional competência na área da Construção Civil se encontrem simultaneamente na Comissão Parlamentar de Obras Públicas e na administração de empresas privadas de obras públicas. O que não se compreende, não sendo o interesse das empresas fornecedoras sempre coincidente com o do Estado comprador, é como estas pessoas conseguem conciliar as duas lealdades. Será que o fazem com base no horário de trabalho? Proporcionalmente aos salários auferidos? Uma coisa é certa: gerir estes conflitos de interesse não é matéria fácil e só podemos imaginar a fonte de angústia que eles representam.
As declarações de interesses entregues na Assembleia da República e as declarações de património obrigatoriamente entregues ao Tribunal Constitucional pelos deputados deveriam, pelo menos, informar os cidadãos da situação de facto dos nossos deputados. Mas, como vimos recentemente com os lapsos das declarações de Vera Jardim, ninguém está livre de um esquecimento. É por isso que considero fundamental que os deputados que nos representam mantenham actualizado no site do Parlamento, para todos vermos, um currículo detalhado – pelo menos tão detalhado como aquele que apresentariam se estivessem a candidatar-se a um emprego – em vez daqueles arremedos lacónicos que passam por biografias. Este CV deveria incluir, nomeadamente, todos os cargos ocupados nos últimos 20 anos. Estes currículos, actualizáveis pelo próprio – como na Wikipedia, deve ser possível ver a data da actualização – poderiam ser escrutinados por todos, que assim poderíamos ajudar a detectar eventuais esquecimentos.
À guisa de exemplo, aqui vai desde já uma chamada de atenção a dois deputados eleitos com mandato suspenso e actualmente em funções governamentais, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas: nas suas biografias no site do Parlamento, nenhum dos dois refere algum cargo que não seja o de deputado. (jvmalheiros@gmail.com)
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Nota: Ver, a propósito, a minha crónica "Comprar os serviços de um deputado?" no Público de 15 Novembro de 2009 (http://versaletes.blogspot.com/2009/12/comprar-os-servicos-de-um-deputado.html)

1 comentário:

Jorge Lima Alves disse...

Adorei, como sempre.