por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 2 de Agosto de 2011
Crónica 31/2011O problema é que sabemos pouco das secretas mas, mesmo assim, sabemos de imensas coisas que não deviam existir
Confesso que o caso Silva Carvalho-Ongoing-Nuno Vasconcellos-Grande Loja Regular de Portugal-Grande Oriente Lusitano-Júlio Pereira-Paulo Vizeu Pinheiro-Passos Coelho-Manuela Moura Guedes-José Eduardo Moniz-Bernardo Bairrão-Impresa-SIRP-SIED-SIS me deixa boquiaberto e sem saber o que pensar. O que é pouco prático porque, se soubesse, provavelmente conseguiria simplificar o nome.
É claro que é de esperar que não se saiba muito sobre as pessoas e as acções dos serviços de informações e, por isso, a minha estupefacção pode ser precisamente aquilo que pretende o SIRP-SIED-SIS, o Governo (este e o anterior) e todos os figurões de todos os partidos que sonham um dia poder aceder à gruta de Ali Babá de dossiers com dados suculentíssimos sobre todas as pessoas que são alguém, que estão escondidos, como se sabe, numa instalação subterrânea secreta construída sob a Serra da Estrela.
O problema, porém, não é só sabermos pouco, mas o facto de termos ficado a saber imensas coisas que acontecem e que não deviam acontecer.
A primeira surpresa foi descobrir que qualquer empresa que queira pode contratar de hoje para amanhã o chefe do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa da República Portuguesa. Podia pensar-se que isso faz parte da estratégia neoliberal do Governo de Passos Coelho, para pôr o Estado ao serviço dos empresários, mas não é. Com o Governo Sócrates já se podia fazer isso.
É verdade que o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP) e o seu presidente, Marques Júnior, não se sentem muito confortáveis com esta promiscuidade e parecem querer definir um período de nojo, mas não há muita gente a achar isso importante – o que se compreende se imaginarmos o número de organizações interessadas em aproveitar a oportunidade de contratar um espião encartado.
Com este pano de fundo, é secundário – ainda que seja importante – saber se a pessoa em causa mandou um mail ou não mandou um mail. Mais relevante é constatar que se mandou a ele próprio para a Ongoing.
Outra surpresa foi saber que as secretas estão a ser palco de uma luta pelo poder entre duas lojas da Maçonaria. Devo dizer que ficaria igualmente preocupado se se tratasse de duas seitas evangelistas ou do Benfica e do FCP – não são o tipo de organizações que eu gostaria que os chefes dos serviços de informações colocassem no topo da sua lista de lealdades e neste caso ficaria menos preocupado com juras de fidelidade mais convencionais, “às instituições democráticas” ou mesmo “à defesa da Pátria”.
O facto do ex-chefe do SIED ter fragilidades de segurança no seu mail – mesmo que seja “o de casa” - também não cai bem. Aceitamos isso num cidadão comum mas não em M. E há certamente alguns miúdos no Técnico que o podiam ajudar a melhorar a segurança.
Last but not least, este trabalho que o SIED faz para algumas empresas “estratégicas” está muito mal explicado e é a porta aberta para todos os abusos e favorecimentos. Quem decide que empresas podem beneficiar dele? Em que casos se faz e com que fins e instrumentos? Eu posso inscrever-me se quiser ganhar um concurso no Brasil? Em Angola? E se quiser ganhar um concurso em Portugal? O CFSIRP (a sigla é impronunciável por razões de segurança) também podia espreitar para aqui. (jvmalheiros@gmail.com)
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