por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 16 de Agosto de 2011
Crónica 33/2011
Texto publicado no jornal Público a 16 de Agosto de 2011
Crónica 33/2011
Um verdadeiro site de nomeações do Governo deve permitir fazer pesquisas e fornecer uma visão de conjunto
1. Um dos desportos mais praticados neste Verão por jornalistas e bloggers, e também pelos partidos à esquerda do Governo, tem sido a atenta leitura crítica das nomeações feitas para os gabinetes ministeriais. Estes dados constam do impropriamente chamado “site das nomeações do Governo” – na realidade umas páginas rudimentares acrescentadas ao site do Governo.
A “crítica” tem ficado porém, na prática, por umas exclamações sobre o vencimento bruto dos nomeados, para concluir, de forma mais ou menos explícita, que, apesar de o Governo jurar austeridade e nos sacrificar a todos com impostos esmagadores, não hesita em contratar boys e girls em catadupa e a peso de ouro para a sinecura de um gabinete ministerial.
O pouco que sei do trabalho nos gabinetes ministeriais diz-me que ele está longe de ser uma sinecura. O trabalho é muito, sem horas nem fins-de-semana, as tarefas exigentes, a responsabilidade grande, o tempo apertado, a pressão para apresentação de resultados enorme. Por isso, constatar que estas pessoas ganham mais do que a média dos portugueses e que nalguns casos têm salários relativamente elevados é algo que não só não me espanta e não me incomoda como até me parece justo e necessário. Pelo meu lado, vi mais salários que me espantaram pela sua modéstia do que pela sua magnificência, ainda que não tenha tido a paciência de espiolhar todos os gabinetes.
As reacções pareceram-me tanto mais estranhas quanto muitas das pessoas que manifestam o seu desagrado são as mesmas que criticam um modelo de desenvolvimento baseado em baixos salários, que se indignam com o escasso salário mediano português, que se envergonham perante as comparações salariais internacionais, que defendem o aumento substancial do salário mínimo – as mesmas que, enfim, acham que os portugueses ganham mal e deviam ganhar melhor.
As reacções são, ainda, tanto mais estranhas quanto muitos destes salários são, objectivamente, mais baixos que os pagos em empresas públicas e
privadas – como saberíamos, se essas organizações publicassem o seu “site de nomeações”.
A única coisa que se pôde confirmar com a vaga de críticas aos salários dos gabinetes foi que as pessoas consideram sumptuoso qualquer salário mais elevado que o seu – ainda que julguem o seu salário injustamente baixo.
2. Penso que há várias coisas que nos deviam preocupar muito mais do que o salário bruto deste ou daquele assessor - e que se pode fiscalizar através de um site de nomeações do Governo.
É importante que um site de nomeações nos mostre
- o CV dos nomeados (não o CV “martelado” e expurgado de relações perigosas que os ministros gostam de mostrar, mas um CV integral, incluindo todas as funções e cargos ocupados – e acumulados)
- os critérios de contratação (ainda que se trate de nomeações políticas)
- o conteúdo das funções de cada nomeado (de forma a podermos comparar funções e níveis de remuneração)
- não apenas o salário mas todos os benefícios auferidos pelos contratados
- os critérios de remuneração e as justificações para eventuais desvios e diferenças entre ministérios (que são consideráveis)
- last but not least, que nos mostre todas as nomeações (incluindo as verdadeiramente importantes como institutos, empresas públicas, comissões e grupos de trabalho) e não apenas as dos elementos dos gabinetes.
Finalmente, é indispensável que um verdadeiro site de nomeações do Governo permita fazer pesquisas e obter listagens e estatísticas, fornecendo uma visão de conjunto, em vez de nos obrigar a escavar verticalmente cada gabinete.
Uma das razões por que não é possível ser muito crítico em relação a estas nomeações é porque nos falta histórico, termos de comparação. À medida que a experiência crescer, estas informações poderão de facto racionalizar e tornar mais exigente a contratação. Para já, elas permitem, pelo menos, que os próprios avaliem da equidade das suas condições de trabalho. (jvmalheiros@gmail.com)
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