por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 30 de Agosto de 2011
Crónica 35/2011
Texto publicado no jornal Público a 30 de Agosto de 2011
Crónica 35/2011
Permitir que os ricos lancem uma operação de marketing não é impor uma política fiscal mais justa
1. Há um mal-entendido que tem estado a ser alimentado após a publicação do artigo do multimilionário Warren Buffett. Não se trata de um verdadeiro mal-entendido, fruto de um erro de tradução ou de uma confusão. É aquilo a que se pode chamar com mais propriedade uma manobra de contra-informação ou um acto de prestidigitação e consistiu na transformação da proposta de Buffett – aumentar os impostos dos ricos – numa outra proposta, radicalmente diferente: o lançamento de um “imposto extraordinário”, uma doação pontual e excepcional, para ajudar os Estados a atravessar as dificuldades do actual momento financeiro.
Em França, um grupo de dezasseis milionários declarou-se disponível para pagar uma “contribuição excepcional” – mas, avisavam candidamente, em condições tais que não acabasse por promover a fuga de capitais ou a evasão fiscal. Entre os dezasseis conta-se a riquíssima Liliane Bettencourt, uma séria candidata ao prémio Nobel do descaramento, conhecida pela avidez com que se faz reembolsar dos seus benefícios fiscais e protagonista de escândalos de fugas ao fisco e financiamento ilegal do partido de Nicolas Sarkozy. A socialista Ségolène Royal responderia à letra aos dezasseis dizendo-lhes que, se são sinceros, devem começar por devolver os reembolsos fiscais de que beneficiaram nos últimos quatro anos, ao abrigo da nova lei que definiu um tecto para os impostos dos mais ricos.
A questão é que Buffett não defende um imposto extraordinário, uma esmola ao Estado, acompanhada de muitos agradecimentos e elogios e da promessa de que será só desta vez – como pretendem os dezasseis descarados franceses e outros descarados em Portugal e pelo mundo fora. Buffett diz apenas que não há razão para os ricos pagarem menos impostos que a classe média e os mais pobres. É fácil de perceber.
2. A proposta de Buffett e outras semelhantes suscitam geralmente o comentário por parte da direita de que o que se pretende é castigar os ricos e transformá-los em pobres, pois a esquerda é invejosa e não suporta ver alguém ser recompensado pelo seu talento e elevar-se acima da média.
Pelo meu lado, acho socialmente positivo que se possa enriquecer. E acho que a maioria das pessoas pensa isso. Admiramos sinceramente alguém que enriquece pelos seus méritos, seja um inovador como Steve Jobs, um futebolista como Cristiano Ronaldo, um músico como Paul McCartney ou empresários como os fundadores da Zara (uma admiração que não os isenta de críticas).
O problema não é esse. O problema (caros ricos, desculpem a franqueza) é que, na maioria dos casos, nós sabemos que vocês fazem batota. Não é contra a riqueza que nós estamos. É contra a batota. As regras fiscais mais justas não visam acabar com a riqueza. Visam acabar com a batota. Visam criar aquele level playing field de que os ricos falam mas que abominam acima de tudo porque estão habituados a ser tratados com mimos, a ser beneficiados nos negócios, a ser privilegiados pelos Governos, obedecidos pelos legisladores, perdoados pelos tribunais, a comprar mais barato que os pobres, a comprar os favores que não lhes são oferecidos, a pagar menos impostos, a que lhes ofereçam os terrenos públicos para construir as suas empresas, a que lhes perdoem as dívidas, que lhes facilitem uns concursos públicos, que se abram excepções na lei para lhes permitir enriquecer mais ainda, que lhes urbanizem uns terrenos rurais, que lhes facilitem uns trâmites. O que nos irrita nos ricos é a batota. Que não cumpram as regras que querem impor aos pobres. Que fujam ao fisco, que finjam que as suas empresas são holandesas, que jurem que não têm contas na Suíça. O que nos desagrada nos ricos é que roubem. Que nos roubem os impostos, os recursos públicos, o Estado. Não queremos empobrecer os ricos. Queremos é fazer deles pessoas honestas. (jvmalheiros@gmail.com)
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