por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 12 de Julho de 2011
Crónica 28/2011
A economia e as finanças são-nos apresentadas como algo demasiado complexo, sobre as quais não devemos emitir opiniões
1. Em 1375, o rei D. Fernando promulgou a Lei das Sesmarias. Aquilo que, em linguagem de hoje, se chamaria a Lei dos Baldios. Penso que todos a aprendemos na escola primária e julgo que mesmo aqueles que não voltaram a ouvir falar dela a recordam passados muitos anos. Porque nos lembramos deste pedaço de história e porque esquecemos tantos actos heróicos decorados penosamente, tantas causas de revoluções e tantos pedaços de prosa e de poesia às vezes até lidos com gosto? Lembramo-nos dela porque se trata de uma lei baseada num princípio simples e que faz sentido, que conseguimos compreender, uma lei que nos parece equilibrada, da qual resultam vantagens para a sociedade em geral, que vem dar racionalidade a um mundo imperfeito. Num contexto de escassez de alimentos e de desertificação dos campos, a lei impunha aos proprietários de terras a obrigatoriedade de as trabalhar e de produzir alimentos sob pena de expropriação e posterior entrega a quem as trabalhasse. A lei obrigava os mendigos e vagabundos que tivessem as devidas condições físicas a trabalhar no campo, impunha penas de açoite e possuía a dureza de uma lei medieval mas, mesmo hoje, passados mais de seiscentos anos, ainda nos parece uma lei, no essencial, justa.
1. Em 1375, o rei D. Fernando promulgou a Lei das Sesmarias. Aquilo que, em linguagem de hoje, se chamaria a Lei dos Baldios. Penso que todos a aprendemos na escola primária e julgo que mesmo aqueles que não voltaram a ouvir falar dela a recordam passados muitos anos. Porque nos lembramos deste pedaço de história e porque esquecemos tantos actos heróicos decorados penosamente, tantas causas de revoluções e tantos pedaços de prosa e de poesia às vezes até lidos com gosto? Lembramo-nos dela porque se trata de uma lei baseada num princípio simples e que faz sentido, que conseguimos compreender, uma lei que nos parece equilibrada, da qual resultam vantagens para a sociedade em geral, que vem dar racionalidade a um mundo imperfeito. Num contexto de escassez de alimentos e de desertificação dos campos, a lei impunha aos proprietários de terras a obrigatoriedade de as trabalhar e de produzir alimentos sob pena de expropriação e posterior entrega a quem as trabalhasse. A lei obrigava os mendigos e vagabundos que tivessem as devidas condições físicas a trabalhar no campo, impunha penas de açoite e possuía a dureza de uma lei medieval mas, mesmo hoje, passados mais de seiscentos anos, ainda nos parece uma lei, no essencial, justa.
2. Movimentos de “indignados” de vários países europeus estiveram reunidos em Lisboa, na livraria Ler Devagar, no domingo, para trocar experiências e visões e discutir a coordenação das suas acções. Um dos participantes nessa reunião, o islandês Gunnar Sigurdsson, citado pelo Público, defendeu a criação de um movimento cívico europeu que ponha em causa as regras impostas pelo sistema financeiro. Para isso, diz que é preciso mobilizar “as pessoas que hoje estão sentadas em frente da televisão". E, para as mobilizar, Sigurdsson diz que são precisas “ideias simples", "um conjunto limitado de objectivos com que todos possam concordar". "Não basta dizer que queremos mudanças”, disse Sigurdsson. “Temos de dizer às pessoas o que queremos em alternativa”.
3. Um dos grandes obstáculos à participação na vida política por parte dos cidadãos é que, hoje em dia, tudo nos parece demasiado complexo. Se alguém sugere que prescindamos das agências de rating, aparecem uns peritos explicando com um sorriso benevolente que as coisas não são assim tão simples, que estas organizações possuem um papel central na economia, que só podemos prescindir das que há se criarmos outras absolutamente iguais e talvez piores. Mas se fazem batota, se são venais, como se vê nas investigações feitas nos EUA sobre a sua acção? Os peritos explicam que, mesmo que seja assim, precisamos delas. E as offshores, que só servem para os mais ricos fugirem ao fisco, para branquear dinheiro obtido de forma criminosa, para facilitar a espoliação dos povos pelos ditadores, para permitir que alguns fujam às obrigações que todos nós cumprimos? Os peritos sorriem… “As coisas não são assim tão simples… as offshores são essenciais à economia. Para acabar com elas teria de haver um consenso internacional e isso é impossível. Se não as tivéssemos seria pior”.
E o carrossel não pára, mostrando sempre que existem excelentes razões técnicas para não se fazer aquilo que é justo e necessário.
E o carrossel não pára, mostrando sempre que existem excelentes razões técnicas para não se fazer aquilo que é justo e necessário.
4. Aceitar o primado da política sobre a economia significa agir de acordo com princípios simples. A preocupação com a simplicidade não exclui o estudo nem o debate de um problema, mas permite equacioná-lo em termos simples, de forma perceptível pelos cidadãos, para que estes decidam. A economia é demasiado importante para ser deixada na mão dos economistas e o argumento de que algo é demasiado complexo para permitir que os cidadãos decidam é inaceitável numa democracia. Acabar com as offshores é simples e justo. Deixar de contratar agências de rating venais também. Recusar que as agências de rating definam a política nacional ou europeia também. Exigir o lançamento de eurobonds também. E por que não actualizar a ideia de D. Fernando e desincentivar fiscalmente a desocupação de imóveis nas cidades e o abandono de terras nos campos? (jvmalheiros@gmail.com)
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