por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 16 de Março de 2010
Crónica 11/2010
Texto publicado no jornal Público a 16 de Março de 2010
Crónica 11/2010
A publicidade on-line terá mesmo de repetir todos os erros da publicidade noutros suportes?
Por que razão pensarão os anunciantes que a melhor maneira de fazer publicidade aos seus produtos é serrazinar até à medula os leitores e os espectadores com imagens que surgem inopinadamente à frente dos seus olhos? Por que razão continuarão a pensar que a melhor maneira de convencer os consumidores da absoluta necessidade que eles têm dos seus excelentes produtos e dos seus inovadores serviços é interrompê-los sempre que eles querem ler uma notícia num site na Web ou ver um programa na televisão? Por que razão pensarão que interromper uma pessoa, impedi-la de fazer o que ela quer fazer, forçá-la a ver algo que não quer ver e a ouvir algo que não quer ouvir, é a melhor forma de fazer publicidade? O que será que eles ainda não perceberam?
Há quem diga que há uma boa razão para esta prática: ela funciona. No entanto, há outros critérios que gostamos de ver aplicados pelas empresas para além da eficácia.
Afinal, o Zyclon B revelou-se uma forma extraordinariamente eficaz de liquidar seres humanos em massa e não é por isso que ela passou a integrar os manuais de procedimentos das empresas modernas. A verdade, porém, é que estes métodos agressivos e repetitivos, a que o guru Seth Godin (Seth's Blog) chama apropriadamente “marketing de interrupção”, não são eficazes para chamar a atenção e muito menos são eficazes ou eficientes para despertar a atenção, o interesse ou o desejo dos futuros compradores e é por isso que os anunciantes recorrem a estas doses maciças – tentando fazer através da manipulação bruta o que não conseguem fazer através da criatividade.
Na televisão, por exemplo, os marketeers descobriram essa subtil forma de chamar a nossa atenção que consiste em subir o volume dos anúncios para um nível tal que conseguiram criar o reflexo condicionado de carregar no botão mute do comando mal surge a ficha técnica do filme que estávamos a ver. Há anos que só por descuido ouço o som de um anúncio e nunca por muitos segundos.
Penso que muitos outros farão o mesmo. E, no entanto, a publicidade poderia ser algo interessante, se soubesse considerar os seus alvos como seres pensantes e não como carneiros lobotomizados com cartão de crédito.
Godin lançou em 1999 o seu livro Permission Marketing, onde alertava os anunciantes e publicitários para o risco do “marketing de interrupção” (as pessoas não gostam, irritam-se, não compram e a tecnologia oferece-lhes cada vez mais meios para contornar a publicidade) e onde defendia o advento do “marketing de permissão”.
Neste modelo, os consumidores declaram o que lhes interessa, a publicidade que estão interessados em receber e de que forma. Ainda que os números de pessoas atingidas sejam menores, como se trata de clientes potenciais, o seu valor para as empresas é maior. E a liberdade (os anunciantes que não se lembrem do significado do conceito podem fazer uma busca no Google) dos utilizadores é preservada.
A Web oferece formas relativamente simples de concretizar estas práticas de opt in na publicidade – como fazemos quando compramos uma revista de moda ou de informática, cheia de anúncios, mas sem os quais a revista não teria para nós o mesmo valor. O que é lamentável é que, com as potencialidades que a Web abre a uma publicidade mais criativa e mais respeitadora dos direitos dos consumidores, os anunciantes e os “criativos” continuem a oferecer-nos a mesma publicidade invasiva de sempre, tapando as notícias que queremos ver e cobrindo as páginas que queremos ler, intrometendo-se malcriadamente à nossa frente e gritando na nossa cara.
E isto quando não optam pela escrita de artigos falsamente publicados como informação nos jornais ou pela “colocação de produtos” nas mãos dos personagens dos filmes que mostramos aos nossos filhos. A publicidade gosta de se apresentar como um dos exemplos cimeiros de criatividade na nossa sociedade. Será que isto é o melhor que consegue fazer? (jvmalheiros@gmail.com)
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