por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 23 de Março de 2010
Crónica 12/2010
Texto publicado no jornal Público a 23 de Março de 2010
Crónica 12/2010
Um deputado tem de ver garantida a confidencialidade das suas comunicações, oficiais ou privadas
1. Que os computadores que a Assembleia da República entregou aos deputados são propriedade pública e estão dedicados ao serviço público é algo que ninguém põe em causa.
Que o facto de isto ser assim autorize a sua devassa em todas as circunstâncias pelos fotógrafos dos jornais acreditados no Parlamento, pelos operadores de câmara das televisões e, através deles, por todos os cidadãos portugueses, é outra coisa.
Foram muitos os comentadores que, após o queixume de José Lello sobre o “voyeurismo” e a excessiva “mobilidade” dos fotógrafos no Parlamento e o sequente remoque de Jaime Gama sobre o carácter público dos computadores usados pelos deputados, vieram regozijar-se pelo “puxão de orelhas” do presidente da Assembleia da República ao presidente do Conselho de Administração da mesma AR. No entanto, na melhor nódoa cai o pano e é evidente que Lello tem, desta vez, alguma razão.
Da mesma maneira que o computador ou as gavetas da secretária de um trabalhador de uma empresa não podem ser vasculhadas pelo seu patrão – nem por qualquer outra pessoa que não tenha uma ordem judicial expressa – têm também de existir limites para o acesso que o “patrão” dos deputados (nós, o povo) pode ter aos seus computadores. E isto porque os computadores, se são uma ferramenta de trabalho paga pelo erário público, são também – legitimamente – uma ferramenta de comunicação, de pesquisa, de escrita e de arquivo pessoais. E, mais uma vez, é perfeitamente legítimo que um deputado envie um mail pessoal do hemiciclo – da mesma maneira que é lícito que um qualquer empregado, na hora de expediente, envie um mail pessoal – desde que não passe o dia a jogar sudoku.
Se há pessoas que acham que, para garantir que o deputado não passa os dias a jogar sudoku, isso nos dá o direito de lhe vasculhar o computador, isso é lamentável. E se alguém acha que fotografar o texto de um SMS pessoal enviado por um deputado é admissível, isso é vergonhoso. A AR, se é um espaço público, como bem lembrou Jaime Gama, é também o local de trabalho dos deputados.
Para além de tudo isto, é conveniente não esquecer o facto de um deputado, no exercício da sua actividade, ter de ter garantida a confidencialidade das suas comunicações, por muito oficiais que elas sejam, quer com a sociedade em geral quer as que mantém – legitimamente, mais uma vez – com interlocutores da arena política ou no seio do seu próprio partido.
É verdade que José Lello teve, mais uma vez, aquele tique infeliz, ao sugerir que a “mobilidade” dos fotógrafos fosse reduzida, o que traz recordações de má memória, em vez de tentar resolver o problema (que existe) dialogando com a imprensa acreditada na AR e apelando ao seu bom senso e bom gosto, como ficaria bem às suas funções de administrador da casa, mas o essencial da sua mensagem é pertinente.
O que já é não pertinente nem admissível é que, para manifestar o seu desagrado pelas palavras de Gama, vários deputados do PS tenham malcriadamente decidido vingar-se no material, fechando estrondosamente (e talvez danificando) os seus computadores (que todos pagámos).
2. Se os grandes planos dos ecrãs dos computadores e dos telemóveis e das notas que um deputado tem sobre a mesa deviam ser excluídos da captação de imagem, por decisão própria dos órgãos de comunicação, o mesmo já não acontece, porém, com a indumentária dos deputados. Se é lícito que um deputado espere que as suas notas pessoais ou o seu mail esteja ao abrigo de olhares indiscretos, o mesmo já não pode acontecer com o vestuário que usa no hemiciclo – que é público e notório e relativamente ao qual não pode haver expectativa de confidencialidade. Daí que as referências de Lello aos “decotes das deputadas” não façam sentido neste contexto. As imagens oferecidas ao público neste domínio, pelos deputados e pelos media, são perfeitamente lícitas – independentemente dos juízos de gosto que se queiram fazer. (jvmalheiros@gmail.com)
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