quarta-feira, maio 27, 2009

A face escondida do Parlamento Europeu

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 27 de Maio de 2009
Crónica xx/2009

As pessoas preferem discutir aquilo que conhecem a discutir o que não conhecem. Haverá algo mais compreensível?

As eleições são para o Parlamento Europeu, mas os partidos e os media preferem discutir as questões nacionais. O Parlamento Europeu (PE) é mais importante do que os parlamentos nacionais, mas discutimos mais a actividade dos últimos que a do primeiro. E a taxa de abstenção nas eleições europeias é muito superior à das eleições nacionais.

As queixas são conhecidas, mas não há nada mais normal do que a actual situação. O que acontece é que as pessoas preferem discutir aquilo que conhecem a discutir o que não conhecem. Haverá algo mais sensato e mais compreensível?

É evidente que os partidos deviam fazer um esforço de informação e formação política sobre o papel do PE. Mas não o fazem e isso também é compreensível: dá trabalho, exige tempo e dinheiro, não dá votos e desvia energias que podem ser gastas a insultar os rivais políticos - além de que eles também preferem falar do que conhecem melhor (farinha Maizena, por exemplo) e sabem que um excesso de escrutínio público da actividade política lhes pode perturbar a digestão.

O que é menos compreensível é que essa actividade de informação não seja assumida de forma mais eficaz pelo próprio PE, nomeadamente através de uma utilização da Internet mais dinâmica.
Nos últimos anos, o site do PE melhorou de forma radical. Hoje o site é compreensível, bem organizado, possui a informação relevante de carácter institucional e até informação sobre a actividade parlamentar de cada deputado. O esforço de transparência é visível e o PE tem-se comprometido a aprofundá-lo.

Só que o esforço é insuficiente. A questão seria secundária se a Web fosse apenas mais um meio de difusão de informação, a par dos programas de televisão e dos folhetos, por exemplo. Mas a Web é "a" ferramenta da transparência política e "a" ferramenta de comunicação entre cidadãos e eleitos, por excelência.
E se os utilizadores profissionais conseguem encontrar o que procuram, esse não é o caso dos cidadãos em geral ou sequer dos jornalistas em geral.

O problema principal para um leigo quando acede a um site e procura informação sobre um dado assunto, não consiste em encontrar um documento (ou cem) sobre esse assunto, mas sim em encontrar as respostas às suas perguntas. É possível que no site do PE se possa encontrar informação sobre tudo - o problema é que, com frequência, o estatuto do documento que se encontra é, para um leigo, absolutamente misterioso. É um diploma aprovado? Está em vigor? Espera decisão do Conselho? É uma proposta antiga? Nova? Um documento já alterado por outro? Ou este é que é uma alteração a outro? Está em vigor nos estados-membros, em Portugal? O que tem a ver connosco? Qual é a legislação nacional que o traduziu para o direito interno? Que alterações foram introduzidas na sua regulamentação nacional? De onde vem? Qual foi a discussão que esteve na sua origem? Quem o propôs? Quem o redigiu? Quem o contesta? Porquê? Quem o apoia? Que alterações foram propostas? Por quem? Como foi votado?

A actividade central do Parlamento é a produção de legislação. Mas cada peça legislativa tem uma história, uma constelação de peças-satélites (propostas, debates, alterações, defensores, detractores) que lhe deve estar associada e ser facilmente recuperada. São essas peças que lhe dão sentido. E tudo isso deve ser disponibilizado desde o início do processo. O contraditório é parte essencial do debate democrático e do processo legislativo. O que queremos saber não é apenas o que sai do PE, mas sim o que está a acontecer, o que vai acontecer, quem defende o quê e porquê, como podemos intervir, pessoal ou institucionalmente, na União Europeia ou em Portugal.

Se o PE não se empenhar nesse exercício de transparência ex ante e se não se empenhar na promoção do debate e na estimulação do feedback continuará a alimentar a exclusão dos cidadãos da política europeia, por muito competentes que sejam os seus deputados. Jornalista (jvm@publico.pt)

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