por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 3 de Outubro de 2006
Crónica 34/2006
Há quem considere que os seus descontos para a Segurança Social são uma espécie de poupança pessoal.
Existem, relativamente à Segurança Social, duas grandes posições de princípio. De um lado, os que consideram que a Segurança Social é um mecanismo estrutural de solidariedade social e que os seus descontos de hoje se destinam a assegurar as necessidades dos seus concidadãos mais frágeis (idosos, doentes, desempregados), na certeza de que, quando eles próprios se encontrarem em situação de fragilidade, os seus concidadãos estarão disponíveis para os ajudar financeiramente.
De outro lado, os que consideram que os seus descontos para a Segurança Social são uma espécie de poupança pessoal, que estão dispostos a desembolsar mensalmente apenas devido à certeza de que, quando necessitarem, poderão utilizar essa reserva que constituíram e que esperam que o Estado tenha gerido sabiamente de forma a ter aumentado o seu pecúlio.
Os primeiros preocupam-se com a garantia de que, no momento em que dela necessitarem, a Segurança Social terá receitas suficientes (o que significa, entre outras coisas, contribuintes suficientes) para prover às suas necessidades.
Os segundos são os que costumam comparar a "performance financeira" dos seus descontos com o rendimento de Fundos de Investimento privados e que sonham com o dia em que possam deixar de pagar a "reforma dos outros" para confiar exclusivamente na sua capacidade de investimento para se sustentarem na velhice e na doença.
Hoje em dia, pode dizer-se que, em linhas gerais, a primeira posição representa a esquerda do espectro político e a segunda a direita – mas essa linha divisória está longe de ser clara. Isto tanto mais quanto o estado social nasceu no pós-guerra de uma aliança entre a esquerda socialista e a democracia cristã – ainda que ambas cheguem ao conceito da solidariedade a partir de pontos diversos e com escopos não coincidentes.
Se aceitarmos um puro princípio mutualista, de associação para partilha de risco e socorro mútuo, podemos considerar que não há um problema financeiro na segurança social. A segurança social partilha o que há – quando há.
A questão é que a solidariedade transgeracional (os novos que trabalham pagam as pensões dos velhos que não trabalham) tem de se guiar também por princípios de equidade transgeracional: não é justo que pessoas que trabalharam e contribuíram da mesma maneira, recebam benefícios completamente diferentes apenas porque nasceram com trinta anos de intervalo. O problema de equidade transgeracional pode ser suavizado com a constituição de fundos de reserva que guardem vacas gordas para os anos magros – mas a situação de duas gerações pode ser financeiramente tão diferente que nenhuma reserva seja suficiente para evitar a iniquidade.
Numa situação em que há um problema de financiamento do sistema que se agrava por razões demográficas, é evidente que se deve tentar agir sobre esse factor (o que o Governo não faz), promovendo a natalidade. Mas é evidente que se deve também promover o valor (e demonstrar a utilidade) da solidariedade.
Neste momento, a investida da direita neoliberal e das empresas que exploram o ramo consiste em tentar convencer os mais ricos a investir em esquemas privados com apelos ao egoísmo e ataques ao estado social (os "ciganos do rendimento mínimo"). E, enquanto esse ataque se faz por todos os meios do marketing empresarial, o Estado social responde apenas no pouco glamoroso plano político.
Há fortes razões (solidárias e egoístas, religiosas e económicas, políticas e éticas, humanitárias e pragmáticas) para defender o Estado social. Mas é preciso que o Estado e os cidadãos para quem a solidariedade é um valor central, o façam pelo menos com a mesma convicção dos seus inimigos.
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