por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 24 de Outubro de 2006
Crónica 37/2006
Não se compreende nem se aceita que os políticos apenas saibam gerir o confronto recorrendo à chantagem ou à polícia.
Na semana passada, o secretário de Estado Adjunto e da Educação, Jorge Pedreira, declarou a disponibilidade do Ministério da Educação para continuar a discutir o Estatuto da Carreira Docente com os sindicatos e mesmo para fazer algumas cedências nessa matéria que considerava aceitáveis, desde que os professores pusessem fim ao "clima de conflitualidade" e às suas "acções de luta".
Também na semana passada, o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio, decidiu gerir o conflito com uma companhia de teatro que fez um "sit-in" no Rivoli, em defesa da manutenção da gestão pública daquele teatro, recusando-se a manter qualquer diálogo com os manifestantes, cortando-lhes a electricidade e a água, baixando a temperatura do teatro para vencer os manifestantes pelo frio e fechando-lhes as portas de forma a impedir o seu contacto com o exterior. Os manifestantes acabariam por ser evacuados de madrugada pela polícia (sem oferecer resistência) depois de mais de três dias de ocupação.
Ambos os episódios são exemplos de como os políticos portugueses continuam a conviver mal com o confronto democrático e a contestação e de como o seu sentimento de autoridade é tão frágil que receiam pô-lo em causa caso enveredem por uma simples discussão com os seus críticos. Se no caso do "sit-in" do Rivoli se podia invocar o (débil) argumento da legalidade (ainda que os sit-ins, manifestações pacíficas, tenham uma honrosa genealogia que vai de Gandhi ao movimento dos direitos cívicos americano), no caso das manifestações e protestos dos professores nem esse existia – o que não impediu o secretário de Estado de tentar a sua jogada autocrática e censória.
Um amigo dizia-me há dias que em Portugal não é possível ter uma boa discussão – nem sequer entre amigos. As pessoas fogem do confronto, sentem-se mal perante as diferenças de opinião e levam as opiniões tão a peito que sentem as diferenças como afrontas que ferem os sentimentos mais do que excitam a razão e que podem danificar amizades sem com isso aprofundar a verdade. Por isso, disfarçam as diferenças até cair no falso consenso. A maior parte das discussões acaba à nascença, com o "Ah, mas eu não acho nada disso" que devia ser o sinal de partida para uma viva troca de argumentos.
Que os portugueses comuns fujam da discussão como o Diabo da Cruz, enfim. O que não se compreende nem se aceita é que os políticos apenas saibam gerir o confronto político recorrendo à chantagem ou à polícia.
Numa democracia liberal, o confronto das ideias e a negociação entre interesses legítimos é central ao processo de decisão. E pagamos aos políticos (entre outras coisas) para que eles participem nesse confronto de ideias, discutam, ouçam e depois decidam e executem. Esse confronto deveria, aliás, ser bem-vindo pelos políticos, já que ele estimula a participação democrática e contribui para o esclarecimento. Que esse confronto de ideias se realize num pano de fundo de conflitualidade social (com manifestações, greves e sit-ins) é um dos preços da democracia.
Se um político tiver a pele tão fina que não suporte participar nessa discussão deve abster-se de se apresentar ao povo como governante ou autarca. E, se considera que esse confronto de ideias deve ser reprimido pela força, não tem lugar num sistema democrático. Os políticos deveriam, pelo contrário, agradecer estas oportunidades, mediáticas por natureza, de explicar a bondade das suas políticas aos seus concidadãos. A utilização da força e da chantagem sugerem, com razão ou sem ela, que não possuem argumentos para apresentar ou que receiam o escrutínio do debate público.
A lamentável declaração de Jorge Pedreira é inaceitável em democracia e deveria ter sido objecto de um pedido de desculpas e de uma demissão. E o gesto de Rui Rio é mais um sinal da autoritária insegurança a que o autarca do Porto já nos habituou.
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