por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 4 de Maio de 2004
Crónica 17/2004
Quando Durão manifesta a sua “solidariedade pessoal” com Valentim Loureiro é evidente aqui alguma distância, mas uma declaração de solidariedade não pode deixar de ter consequências.
As notícias de suspeitas e de prisões preventivas ou não desencadeiam em geral uma cascata de declarações de solidariedade das pessoas próximas dos suspeitos. Isso acontece em todas as investigações policiais e não foi excepção no caso da operação Apito Dourado, como não o tinha sido no caso da Casa Pia ou de Felgueiras.
Quando uma acusação séria se abate sobre alguém a quem nos liga uma relação pessoal e que convictamente julgamos uma pessoa de bem, há várias reacções possíveis, da surpresa e do choque à indignação ou à dúvida, mas acaba sempre por se manifestar um sentimento de solidariedade, que surge e se justifica pela relação existente. Essa solidariedade pode adquirir a forma da ajuda concreta ou ir além disso e tomar a forma de declarações públicas de apoio e confiança. Estas declarações têm uma função retórica (no sentido de que pretendem persuadir o público) e desempenham um evidente papel político. Quando alguém declara publicamente a sua solidariedade por um acusado, pretende em geral ir além da solidariedade que se deve a qualquer membro da espécie humana e visa persuadir os ouvintes da inocência do acusado ou, no mínimo, difundir a sua convicção pessoal dessa inocência.
Quando é um político que fala, uma declaração de solidariedade significa mais do que uma promessa de apoio: é uma declaração de co-responsabilização. Estar solidário com alguém significa ficar ao seu lado, dispor-se a partilhar o seu destino.
As declarações de solidariedade (e de apoio) são particularmente importantes em política porque são elas que geram as cadeias de confiança que se estendem até aos cidadãos. Não é possível a um eleitor conhecer todos os candidatos a deputados, mas votamos naqueles em quem as pessoas em quem confiamos nos dizem que podemos confiar.
Criam-se assim cadeias de referência e recomendação, cadeias de confiança que formam o nosso tecido social.
E esperamos dos nossos líderes que não só desempenhem os seus papéis de forma honesta e competente, mas nos recomendem pessoas igualmente honestas e competentes.
As declarações de solidariedade são avales que os políticos passam, garantias de idoneidade, certificados de qualidade. Se Paulo Pedroso for condenado, Ferro Rodrigues deverá pôr fim à sua carreira política (pelo menos como dirigente partidário), porque as suas declarações e actos de solidariedade o amarram necessariamente àquele. Se Paulo Pedroso for um criminoso, isso significa que não podemos confiar no julgamento de Ferro Rodrigues.
Esta “condenação solidária”, que pode parecer (e ser) injusta, é a garantia de que os dirigentes se preocupam em escolher sempre os mais idóneos e competentes. Daí que se use tanto a expressão “pôr as mãos no fogo” ou “ a cabeça no cepo” por alguém. O aval só vale, só dá alguma garantia de seriedade, quando o avalista corre um risco, quando é obrigado a pagar ele próprio pelas falhas do avalizado, quando joga nesse aval algo seu, seja dinheiro seja a sua reputação.
Quando Durão manifesta a sua “solidariedade pessoal” com Valentim Loureiro é evidente aqui alguma distância - “solidariedade pessoal” é menos que “solidariedade” - mas uma declaração de solidariedade não pode deixar de ter consequências. Seria bom que os cidadãos portugueses soubessem, em relação aos seus dirigentes, sem ambiguidade, quem está solidário com quem, quem põe as mãos no fogo por quem, para sabermos quais são as cadeias de confiança que afinal se revelam viciadas e sabermos quem devemos sancionar por isso.
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