por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 18 de Maio de 2004
Crónica 19/2004
Em Lisboa há jardins belíssimos que estão quase sempre às moscas, para espanto dos turistas que constituem o seu público quase exclusivo.
Agora que o bom tempo regressa, como todos os anos, os portugueses regressam às praias e ao campo, para gozar o ar livre, os banhos e a paisagem (nos raros casos em que ela existe em estado gozável). O que espanta é a utilização rarefeita que os lisboetas fazem nestes dias dos seus jardins – que não são abundantes mas existem.
Enquanto noutras capitais europeias menos dotadas pelo clima os nativos se lançam sobre os relvados e se deitam ao sol à menor réstia do dito e exploram ao máximo os seus espaços verdes, em Portugal em geral (e em Lisboa em particular) deixamos quase ao abandono os jardins para nos lançarmos nos engarrafamentos que levam à praia.
Em Lisboa há jardins belíssimos que estão quase sempre às moscas, para espanto dos turistas que constituem o seu público quase exclusivo (Jardim Botânico da Rua da Escola Politécnica, o Jardim Botânico da Ajuda, o Jardim Tropical, o Jardim das Necessidades…), enquanto outros, agradáveis e soberbamente situados (como os de Belém) atraem um número limitado de passeantes domingueiros. É evidente que algumas das razões de falta de uso se devem a simples falta de hábito, mas isso não isenta as autarquias de responsabilidades no estímulo ao uso destes espaços públicos que fazem cidade. Outros são de entrada paga, o que desincentiva de forma tão radical o seu uso que deve permitir gerar fundos suficientes para varrer a entrada uma vez por mês.
A grande ideia de Santana Lopes para estimular o uso dos espaços verdes de Lisboa foi interditar as vias mais importantes de Monsanto ao tráfego automóvel – como se Monsanto fosse de acesso fácil a pé, de bicicleta ou autocarro a partir de qualquer ponto da cidade; como se tivesse parques de estacionamento na sua periferia para acomodar os visitantes; como se dispusesse de um sistema confortável de transporte interno – num gesto de pura demagogia e típico de quem não usa de facto a cidade.
É que basta usar os jardins para perceber as suas limitações, desde a falta de chafarizes ou de casas de banho utilizáveis pelas crianças, à falta de bancos agradáveis (móveis, muitos, à sombra das árvores e não de bancos de pedra ao sol). Já experimentaram ir passear com os vossos avós para um jardim onde apenas é possível sentarmo-nos no chão sobre a terra? Ou passar uma tarde com crianças num jardim sem casa de banho?
Os jardins de Lisboa precisam de ser divulgados, de passar a ter acesso livre, de ser equipados com os equipamentos mínimos (WC, chafarizes, bancos, balouços) de ser decorados com equipamentos que possuam potencial de uso (caramanchões, fontes, tanques, coretos) e de ter um programa de atracção dos cidadãos e de animação, que conviria que fosse o mais variado possível. Para além de fazer desfilar ciclistas nas avenidas seria interessante que começássemos a ver os nossos jardins ocupados com grupos de ginástica ou de dança, de bordados ou de tai-chi, de escultura ou de arranjos florais, com lançamento de papagaios ou corridas de carros telecomandados, com aulas de música ou de cerâmica, com concertos de coros e de bandas, com exposições ou teatro ao ar livre. Será assim tão difícil?
terça-feira, maio 18, 2004
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