por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 29 de Maio de 2001
Crónica x/2001
Foi objecto de notícia há dias nestas páginas uma determinação do comandante do Grupo Territorial de S. João da Madeira da GNR que criticava os seus agentes por não se empenharem mais na sua missão. Essa falta de empenho verificar-se-ia tanto no âmbito das operações de policiamento geral, como na fiscalização rodoviária e na prevenção e combate à criminalidade. O comandante afirmava que essa situação se traduzia no "não levantamento de autos de contra-ordenação" (vulgo multas) e exortava os seus homens a aumentar a sua actividade neste domínio.
A medida levantou um coro de protestos na corporação — ainda que moderado pela lei da rolha aí em vigor — com os agentes a queixar-se de que os queriam lançar na "caça à multa" e a denunciar uma situação generalizada no país segundo a qual se esperaria deles que passassem "cinco multas por mês".
É claro que seria irrazoável e imprudente definir os objectivos de acção de uma corporação como a GNR em termos de um número mínimo de multas a passar por agente por dia. E se é isso o que pretende o comandante em causa, seria conveniente que ele recebesse algum esclarecimento por parte da hierarquia.
Mas, se a existência de multas não prova que tudo esteja bem, a sua ausência garante que algo está mal: não é possível fazer um policiamento irrepreensível sem passar uma multa quando se possuem responsabilidades como o policiamento geral, a fiscalização rodoviária e a prevenção e combate à criminalidade.
Não conheço S. João da Madeira suficientemente bem para poder avaliar as suas necessidades de policiamento (segundo a GNR a zona apresenta "índices elevados" de criminalidade) e muito menos para prever o número médio de multas que poderia ser considerado razoável para um guarda cumpridor e razoável. Mas sei que, em Lisboa, seria preciso que um corpo policial fosse extraordinariamente descuidado (ou algo pior) para que, cumprindo funções como policiamento geral, fiscalização rodoviária e prevenção e combate à criminalidade cada agente apenas levasse a efeito cinco "autos de contra-ordenação" por mês.
A expressão pejorativa "caça à multa" pode aplicar-se a situações onde a polícia emboscada espera o incauto passante num local propício a uma transgressão inócua (ou cuja geografia concreta até a incentiva) para o apanhar com a boca na botija.
Mas não se trata de "caça à multa" quando a polícia multa quem transgride ou prende quem comete um crime. É claro que a polícia não tem de (nem deve) multar sempre que pode. É conveniente que um agente da autoridade seja razoável e compreensivo. Mas não é admissível que ele seja sistematicamente tolerante com todos os desmandos e abusos.
Pelo meu lado, gostaria imenso que as polícias se empenhassem activamente na caça aos condutores embriagados nas noites de sexta-feira, por exemplo. Ou que a inspecção fiscal levasse o seu ardor venatório até à área da caça grossa.
E é lamentável que se passe à polícia a ideia de que não queremos que ela faça isso só por receio de que um dia a multa seja nossa.
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