por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 8 de Maio de 2001
Crónica x/2001
O congresso do Partido Socialista que teve lugar este fim-de-semana foi exactamente aquilo que esperavam os que tinham menos esperanças: uma cerimónia de entronização da actual liderança, a formalização de uma purga das vozes críticas e uma constatação geral da crise volitiva que (des)anima o partido.
O congresso navegou entre a ausência daquela paixão que animou a primeira legislatura socialista e uma boa consciência contentada, que seria ridícula mas não seria preocupante se não se desse o caso de este ser o estado de espírito do partido que está no Governo e se o estado do país não fosse o que é.
Os "debates" com que o congresso arrancou na sexta-feira — numa cosmética mas frustrada tentativa de injectar na reunião algo do ânimo dos Estados Gerais — acabaram por dar o tom geral.
O que é mais incongruente na posição deste PS é a sensação que dá de achar que ninguém tem o direito de lhe pedir mais, como se a urgência e a insatisfação perante o "status quo" não fossem precisamente uma marca da esquerda e a razão das vitórias socialistas.
Mais paixão da educação? Mas o "slogan" já durou quatro anos, o que se pode pedir mais? Guterres não disse já que a tarefa é para uma geração? Justiça social? Mas não se criou o Rendimento Mínimo Garantido? O que se pode querer mais? Saúde? Justiça? Reforma fiscal? Mas não se sabe que o Governo faz o que pode? Quem é que tem a lata de exigir mais?
Como se fosse necessária uma prova documental da futilidade deste congresso, da pouca seriedade da discussão e da sua falta de ambição, ela veio com a notícia de que o próprio primeiro-ministro — assim como Almeida Santos, Jorge Coelho e muitos outros — tinha votado, por pura distracção, a favor de uma moção sectorial, apresentada pela secção socialista da EDP, onde se exige uma "imediata remodelação governamental" e se acusa o Governo de ter "prosseguido uma política cinzenta" que "mantém o estrangulamento do progresso do país".
O documento, que foi aprovado por esmagadora maioria, afirma ainda que o PS "não desenvolveu uma reforma de fundo em sectores como a saúde, justiça, fiscalidade, educação", diz que a reforma fiscal não é mais que uma simples "operação de cosmética" e — com uma clarividência premonitória — garante que a democracia interna no partido não passa de um "mero formalismo".
A pergunta que se coloca é: o que vai agora fazer a direcção nacional do PS? Vai aplicar as propostas da moção? Vai impugnar a sua aprovação? Vai desafiar a secção socialista da EDP a apresentar um candidato a secretário-geral?
O mais provável é que venha dizer, simplesmente, que a moção não vale porque estavam todos distraídos quando votaram. Afinal não acontece tantas vezes votar-se nalguma coisa ou nalgum partido por estarmos distraídos? Não aconteceu isso a tanta gente nas últimas eleições?
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