por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 15 de Maio de 2001
Crónica x/2001
“Grande promoção! Aproveite já! Apenas 4.999 escudos!”
Quatro mil novecentos e noventa e nove escudos. Novecentos e noventa e nove escudos. Nove mil novecentos e noventa e nove escudos. Nem chega a quatro contos, a um conto, a dez contos.
Se pertence à minoria a quem estes truques de marketing irritam, para quem esta profusão de noves é uma fiada de grãos de areia a cair nas engrenagens do seu cálculo mental, um carreiro de formigas pretas a esgueirar-se por uma racha aberta na fachada branca da racionalidade, anime-se: não está só. Mas desiluda-se também: pertence a uma pequena minoria incompreendida, que sabe aritmética mas não tem direito a qualquer discriminação positiva.
Porque é que os supermercados, as empresas de telemóveis, os stands de automóveis, as lojas de ferramentas e praticamente todas as outras lojas do mundo oferecem produtos a preços menos que redondos? Porque funciona. É triste mas é verdade.
O que é que você faz quando vê as calças que ambiciona nuns saldos a 4.999 escudos? Pensa que por cinco contos aquelas calças são baratas? Pois (dizem os especialistas) não é isso que a maior parte das pessoas pensa. A maior parte das pessoas (dizem os especialistas) pensa “Uau! Calças destas a quatro contos e tal!”
E o “tal” dissolve os 999 escudos restantes com a eficácia de ácido sulfúrico derramado em cima de uma moeda de cobre.
Claro que a empregada da caixa não vai ter um escudo (nem dois escudos, porque você comprou dois pares de calças) para lhe dar de troco, o que faz com que as calças lhe tenham custado uns redondíssimos cinco contos, mas no momento em que você sai da loja, feliz a abanar o saco de papel, os noves fizeram o seu trabalho.
Implícita na táctica dos noves está a depreciativa ideia de que você e eu não sabemos somar e que só conseguimos reparar no primeiro algarismo de um dado número. Pelo meu lado, sinto que o escudo que falta nestes preços é meu e que me foi ilegitimamente surripiado só porque os vendedores deste mundo acham que sou trouxa. Com aquele escudo, eles querem comprar a nossa aquiescência, o nosso sentido crítico, a nossa consciência.
Eles sabem que o meu preço devia levar três zeros com o devido salto para o milhar seguinte (já para não falar do caso em que as calças até custam normalmente 4800 escudos). Mas tiram-me o escudo, fazendo alarde da generosidade, e vendem-mo como uma maçã à qual faltasse uma dentada, como um bife pesado com o dedo na balança, como um livro sem uma página.
Acha que não posso dizer que me roubam porque, de facto, vou pagar menos, nem que seja só um escudo (se a menina da caixa tivesse o escudo para o troco)?
Não é assim. Quando compramos um produto, uma das coisas que compramos é o seu preço. Quando uma etiqueta anuncia 4.999 escudos, a mensagem subliminar que ela nos pretende transmitir é que as calças custam “quatro contos e tal”. E todos sabemos que isso não é verdade.
Os “999” não são senão uma forma de publicidade enganosa dos preços. Não se deixe enganar. Quando for às compras, exija os seus preços inteiros. Não permita que lhe roubem um único escudo.
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