por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 12 de Outubro de 2010
Crónica 34/2010
Texto publicado no jornal Público a 12 de Outubro de 2010
Crónica 34/2010
É possível definir um regime justo no domínio da acumulação de salários e pensões
A acumulação de salários e pensões vai ser proibida em Portugal. É só para os futuros pensionistas, mas vai ser a doer. Enfim, todos os salários e todas as pensões, não. Só vai ser proibida a acumulação de salários pagos pelo Estado com as pensões pagas pela Segurança Social. Mas vai ser a doer. Ou talvez não. Afinal pode ser que não seja só para os novos pensionistas! Não é! Vai ser para todos e já. Outra coisa não seria de esperar numa altura em que se pedem tantos sacrifícios a todos os portugueses. (Bom, quase todos.) Não, esperem! Afinal não vai ser para todos e já. Vai ser só para os futuros pensionistas e vai ser daqui a algum tempo. Parece que há um problema qualquer com a Constituição, senão seria para todos e já. Por uma questão de moralidade. Mas sendo assim vai ser só para o ano. Talvez. Melhor: não se sabe ainda quando, nem como, nem com base em que critérios, nem para atingir que objectivos, nem o que vai afectar, nem quem vai afectar, nem em quanto, mas que vai ser a doer vai ser. Alguma coisa vai com certeza acontecer. Talvez. A menos que alguém se tenha enganado, ou precipitado, ou tenha percebido mal ou tenha falado de mais. Mas, em princípio, alguma coisa vai acontecer. Outra coisa seria inexplicável. A menos que não vá acontecer nada.
Confuso? É natural. Não se preocupe que o problema não é seu. A razão por que não percebe é porque ainda ninguém explicou o que vai acontecer.
Apesar da confusão, é possível ter uma opinião sobre o que deveria ser um regime justo no domínio da acumulação de salários e pensões, independentemente do que seja (ou vá ser) a posição do Governo.
Antes de mais, convém dizer que parece admissível que se acumulem pensões e salários, devido à frequente exiguidade de uns e outros. Há pensões de miséria e salários de miséria que, mesmo acumulados, não atingem um rendimento suficiente. Proibir essa acumulação seria alinhar os rendimentos por baixo e, afinal, se há alguém que já conquistou o direito à sua pensão e, além disso, ainda pode oferecer algo mais ao país e à economia, por que não incentivar esse contributo?
No entanto, o que já não é admissível é permitir a acumulação de várias pensões (ou pensões com salários) de forma a atingir rendimentos que sejam demasiado elevados, pois teríamos nesse caso a Segurança Social a subsidiar os mais ricos em vez de exercer a sua função de distribuição de riqueza, redução de desigualdades e satisfação de necessidades dos mais desprotegidos.
Mas, se se deve impor um limite à acumulação de pensões e salários, qual deve ser esse limite? O que é, neste contexto, um rendimento “demasiado elevado”? Basta tomar como referência aquela que já é a referência da administração pública: o salário do Presidente da República. Não se deve permitir uma acumulação de salários e pensões que exceda esse limite. E isto sejam os salários públicos ou privados. Qual será a fórmula para assegurar que esse limite não será ultrapassado é secundário, desde que essa fórmula garanta a maior economia possível ao erário público. Quem quer ganhar fortunas deve poder ganhá-las se o mercado de trabalho o permitir. Mas não à custa do bolo que a Segurança Social criou para defender os velhos e os mais frágeis.
Quando é que estas medidas deviam entrar em vigor? Já. E para todos os pensionistas. Por muito que isso doa ao actual PR e ao candidato à Presidência Manuel Alegre (ambos acumuladores de pensões). Não há razão para não aplicar a lei desde já e a todos. Dizer que a lei seria ”retroactiva” porque iria frustrar as expectativas daqueles que estão a receber várias pensões que somam mais do que o ordenado do PR não faz sentido e é socialmente injusto. Afinal, todos os aumentos de impostos, de taxas, todos os cortes nas isenções fiscais, redução de prestações sociais e aumento da idade de reforma também frustram (justas) expectativas e isso não evita que os Governos legislem nesse sentido. (jvmalheiros@gmail.com)
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