por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 5 de Outubro de 2010
Crónica 33/2010
Texto publicado no jornal Público a 5 de Outubro de 2010
Crónica 33/2010
O PS deve algo melhor do que José Sócrates ao povo português
Há sempre uma altura em que um líder partidário (ou de qualquer outra organização) deixa de ser um trunfo para passar a ser um peso morto, uma desvantagem, um obstáculo, uma liability. Os mais argutos apercebem-se dos primeiros sinais da coisa e saem graciosamente – ou pelo menos discretamente. Aos menos subtis é preciso empurrá-los. Para José Sócrates essa ladeira escorregadia começou há muito tempo, com a história de uma licenciatura take-away (cuja importância os seus correligionários nunca perceberam) e, depois de muitas peripécias eivadas de enredos judiciários, acabou na semana passada, quando se provou à saciedade que o retrato que fazia do país nos últimos meses (anos?), as garantias que dava e as promessas que fazia em matéria financeira eram absolutamente infundadas. Podemos discutir se se tratou de um optimismo desmedido, de cegueira selectiva, de uma abençoada ignorância, de um vício contumaz de mentira compulsiva (uma condição que dá pelo poético nome clínico de pseudologia fantastica) ou de mera desfaçatez, mas a verdade é que um equívoco desta dimensão é insustentável. Tão insustentável como o caminho das finanças públicas. Seja ele inocente ou calculado.
Os sacrifícios que o primeiro-ministro veio pedir ao país – e que não poupam sequer os mais pobres dos pobres – poderiam eventualmente ser aceitáveis se José Sócrates possuísse uma honorabilidade a toda a prova – mas, infelizmente, não é isso que acontece.
Os sacrifícios poderiam ser aceitáveis se o primeiro-ministro, num gesto de normal humildade, viesse dizer que tinha avaliado mal a situação e explicasse que o tinha feito com razões e até pelas melhores razões. Mas, infelizmente, não foi isso que aconteceu.
Os sacrifícios poderiam ser aceitáveis se o primeiro-ministro aproveitasse esta circunstância excepcional para impor alguma equidade ao sistema fiscal e, ao mesmo tempo que taxa os mais pobres, corta abonos de família, reduz prestações sociais e participações em medicamentos, viesse anunciar o fim do paraíso fiscal da Madeira, a taxação das empresas que o usam para fugir aos impostos, um tratamento fiscal dos bancos e das grandes empresas em linha com o que acontece ao comum das empresas portuguesas, o recurso aos sinais exteriores de riqueza para combater a fraude e a corrupção. Mas, infelizmente, não foi isso que aconteceu.
Os sacrifícios poderiam finalmente ser aceitáveis se o primeiro-ministro apontasse alguns caminhos para o país que não passassem pela adopção da miséria durante os próximos anos como meio de atingir a simples sobrevivência, se tivesse avançado alguma ideia mobilizadora, se conseguisse, enfim, dizer aos portugueses em nome de que lhes pede agora estes sacrifícios e o que podem esperar deles no futuro, se os convencesse de que não estão simplesmente a pagar os benefícios de que os accionistas e gestores do BPN gozaram abusivamente nos últimos anos. Mas, infelizmente, não foi isso que aconteceu.
O que é espantoso é que o partido que apoia o Governo parece não se dar conta de que a credibilidade do líder do Governo – e, por extensão, do Governo - chegou ao fim, e continua a defendê-lo como uma simples vítima da conjuntura internacional hostil, perdendo com isso uma preciosa réstia de credibilidade. Que o Governo finja que não vê, percebe-se e espera-se. Que o PS finja que não vê é irresponsável e inaceitável. Veremos nos próximos anos se o PS deve algo a José Sócrates. Do que não há dúvida é de que deve algo melhor do que José Sócrates ao povo português. (jvmalheiros@gmail.com)
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