por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 30 de Março de 2004
Crónica 12/2004
A função de um adjunto de um ministro quando fala com a imprensa é representar a instituição a que pertence e não outra.
A propósito do trabalho do PÚBLICO sobre a fome em Portugal, foi publicada neste jornal uma "Carta ao Director" de Jacinta Oliveira, adjunta do Ministro da Segurança Social e Trabalho, que suscita algumas reflexões sobre o papel dos assessores dos governantes e a sua relação com os media. Queixa-se Jacinta Oliveira de que uma declaração sua citada naquele trabalho foi não só retirada do contexto como citada como representando a posição do seu Ministério, quando ela teria sido proferida numa "conversa informal" (o adjectivo aparece duas vezes) com uma jornalista do PÚBLICO. A adjunta diz que nunca prestou declarações como "porta-voz" ou "fonte oficial" e rebela-se contra o facto de as suas declarações terem sido consideradas como tendo "carácter oficial".
Tentemos tecer algumas considerações de ordem geral a partir daqui e ser claros: quando um jornalista fala a um adjunto de um ministro é porque pretende ou recolher dados de uma fonte oficial ou recolher um depoimento dessa fonte oficial — que, quase sempre, apenas têm valor por virem dessa fonte oficial.
Se um jornalista se apresenta como tal num contacto com um elemento de um gabinete ministerial ou com um responsável de uma instituição, é evidente que as informações ou declarações que recolhe se destinam a publicação, com indicação da fonte onde foram colhidas.
Esta é a regra e ela é boa. Ela visa a transparência da vida pública e a responsabilização dos cidadãos e das instituições. Há excepções a esta regra? Há casos em que uma fonte pode pedir para não citarem o seu nome, pode dizer que apenas falará com o jornalista se lhe for garantido o anonimato? Claro que sim, mas são excepções. E devem ter uma justificação óbvia (receio de represálias, por exemplo). E as excepções devem ser negociadas expressa e previamente com o jornalista. Nunca se deve pressupor (nem o jornalista deve permitir que essa convicção se instale) que uma conversa com um jornalista é em princípio confidencial. (No caso vertente, que fique claro, não houve qualquer pedido de anonimato, mas apenas o entendimento unilateral, por parte da adjunta de Bagão Félix, de que as suas declarações eram feitas a título "informal").
O pedido de anonimato e as declarações em "off", apesar de frequentes (em particular no meio político), são difíceis de aceitar por parte de um elemento de um gabinete ministerial que está ao serviço de um Governo eleito pelo povo, a quem deve prestar contas e perante quem tem um dever de transparência. Dito de outra forma: a função de um adjunto de um ministro quando fala com a imprensa é representar a instituição a que pertence e não outra. E tudo o que diz (tenha ou não a função oficial de "porta-voz") é em nome dessa mesma instituição. Não em nome pessoal. Não anonimamente. É para isso que é pago (por nós). Para assumir o que faz e o que diz.
Um assessor pode eventualmente pedir para o seu nome não ser referido e para ser identificado como fonte oficial do gabinete X (o que não significa que não assuma publicamente o que disse) precisamente porque as suas declarações são oficiais (e não pessoais) e obrigam o gabinete, o ministro e o Governo. Mas não pode pedir para ser identificado como uma "fonte anónima do gabinete". Os cidadãos em geral e os jornalistas em particular não podem permitir que os gabinetes ministeriais e o Parlamento sejam ocupados por "fontes anónimas".
Quando um assessor ganha o hábito de prestar declarações em "off" está apenas a defender a sua impunidade e a do seu Governo — pode assim dizer as barbaridades que entender, cometer os erros e as indiscrições que quiser, espalhar boatos, mentir e difamar. Isso é tanto mais inaceitável quanto essa impunidade é em geral obtida através do tráfico de informações: quem não aceita o segredo fica fora do círculo e a fonte oficial seca. O contrato não escrito é leonino e, a ser aceite por todos os jornalistas, acabaria no limite por impor o controle político dos media.
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